Ela não era ninguém. Isto é; era alguém, como todo mundo o é, mas não tinha certeza de quem era esta pessoa. Vinha construindo seus gostos com base nos de seus amigos, suas convicções a partir de coisas que escutava. Ela cresceu sendo tão moldada que, sem perceber, era menos pessoa e mais boneca de pano, tão vazia de si que as vezes era difícil até ficar de pé.
Ela passou muito tempo atrelando sua identidade a outros alguéns. Era irmã de fulana, prima de ciclano, namorada de não sei quem. Ela passou tanto tempo sendo o anexo de outras pessoas que, um dia, quando deixada por aqueles em volta de quem se construira, não sabia mais quem era.
E que confronto interessante foi aquele com sua própria identidade. Não teve hora nem lugar pra acontecer – não foi um embate direto, mas sim uma sequência de pequenas batalhas que não tiveram perdedores ou vencedores. Sua identidade perdida ganhou ao se recuperar, e ela ganhou ao descobrir quem era.
Mas descobriu? Não sabe ao certo. Parece que todo dia a resposta muda. De uma coisa, contudo, ela sabe: não é o apêndice de outra pessoa, não depende do olhar do outro para ser alguém. Ela existe, independente de quem a cerca. Ela resiste, e sobrepõe todas as adversidades. Ela se realiza, pelo simples fato de ser.
De ser eu.