O Diário (nada) Secreto 2 – Capítulo 8

Conheça O Diário (nada) Secreto II

Capítulo 1 – Amigas para sempre

Capítulo 2 – De volta pra realidade

Capítulo 3 – Perturbando a paz

Capítulo 4 – Eu tenho que te contar uma coisa

Capítulo 5 – O que acontece na festa…

Capítulo 6 – …fica na festa?

Capítulo 7 – Um final infeliz

Capítulo 8 – Laços… de Família?
Eu não sei quando foi exatamente que eu resolvi entrar numa máquina maluca do tempo, mas acho que deve ter sido isso que aconteceu. Porque, depois de todo o bafafá entre o Diego e a Lana ter baixado e deixado de virar notícia, o semestre simplesmente estava acabando.
Junho já estava começando, e eu tinha ao meu lado um mundo virado de cabeça pra baixo. Eu me dei conta de como as coisas iam mal quando recebi a devolutiva das provas bimestrais, e isso me levou a pensar em mais uma porção de coisas que não ia tão bem assim.
Pois, além das quatro notas abaixo de seis que eu tinha tirado naquele bimestre (sendo elas Física, Química, Matemática e, pasmem, Religião), muitas outras coisas não iam bem. Quero dizer, só pra começar, o casal vinte da escola tinha se separado. E isso podia estar sendo levado muito bem pela Lana (acreditem, estava), mas pelo Diego…
A coisa estava bem difícil pra ele.
As primeiras semanas foram apenas de depressão e silêncio. Eu era a única que ficava do lado dele, mas nem comigo ele falava direito. O Diego não chorava, não falava, não comia – em um mês, estava um palito de tão magro. Eu tentava fazer com que ele abrisse a boca e soltasse suas mágoas em mim, mas não adiantou muito. Ele estava mais quieto que um muro.
Então tudo esfriou, e, quando eu vi os primeiros sinais de melhora nele – ele estava voltando a sentar nas primeiras carteiras – vieram as fofocas: alguém tinha visto a Lana de mãos dadas com o Antônio, alguém tinha visto ela trocando mensagens com ele num dia que ele não veio, alguém podia jurar que tinha visto os dois se beijando.
E sabe como é escola, né? Um segundo, e tudo isso já caia nos ouvidos de quem?
Foi aí que nós voltamos à estaca zero.
E tudo isso poderia já ser ruim o suficiente, não fosse o fato de o Edson resolver complicar a minha vida.
Eu passava metade do meu tempo preocupada com o Diego, porque eu estava vendo um amigo se deteriorar na minha frente. A Lana ficava triste, mas não fazia nada. Disse que tinha conversado com ele, mas que não queria me dizer como tinha sido. O que só ajudava a piorar a minha preocupação. Aquilo estava me consumindo.
Como conseqüência, é claro que o Edson ficou com ciúmes.
Começou como uma piadinha boba, mas eu devia ter percebido no momento em que ele lançou o primeiro “preocupada com o Diego de novo?” na minha direção. Eu nem sabia de onde isso tinha vindo, mas, de repente, o Diego era o novo centro das nossas brigas.
Então, é, eu já estava de problemas até a cabeça. Afogada neles, pra ser mais precisa. E ai, veio a minha mãe me arranjar mais um.
– 5,5 em religião, Lolita? – ela me disse, chacoalhando o meu boletim.
Eu sabia que devia ter falsificado a assinatura dela.
– Você não tem vergonha? – me perguntou – Você me prometeu que ia se esforçar mais esse ano! Ano passado você quase repetiu, e agora me aparece com isso?
– Eu to me esforçando, mãe. – afirmei, com veemência – Eu to estudando mais, eu to me dedicando, só que o mais incrível é que só você não repara!
– E desde quando isso aqui é esforço?
– Você nunca tirou uma nota vermelha na vida? Se você não se lembra, eu não fiquei com uma única recuperação bimestre passado.
– No meu tempo, as coisas eram diferentes. A gente…
– Apanhava de cinta e ajoelhava no milho a cada nota vermelha. – rolei os olhos – Eu sei, eu sei, o vovô era um monstro e no seu tempo a escola era mais difícil e tudo isso.
– Eu queria que você tivesse vivido no meu tempo pra ver só o que é bom! Ai não ia ser assim tão desleixada!
– Legal. Dá pra assinar logo esse negócio?
Ela não gostou. Me deu uma bronca daquelas e me proibiu de usar o telefone e a internet até eu receber as notas das recuperações. Fui pro meu quarto mais azeda do que nunca.
Pior do que bronca de mãe por nota vermelha é bronca de mãe que conta seu passado sofrido pra explicar as próprias atitudes. Juro que eu já decorei todas as histórias da triste infância violenta da minha mãe. Tem horas em que eu aposto que nem metade do que ela conta aconteceu mesmo. Porque, se fosse eu no lugar dela, no mínimo teria pirado e me tornado uma psicopata de tanta surra que ela diz que levou.
De qualquer jeito, as coisas iam mal. E, apesar de as férias virem chegando, a tendência era apenas piorar – lá vinham as recuperações e as noites em claro estudando. Era tudo de que eu precisava.
E nada de internet. Ou de telefone. Legal.
Cheguei na escola no dia seguinte com o boletim assinado e os ouvidos calejados. Quarenta minutos de bronca, da hora em que eu levantei até a hora em que a minha mãe saiu pra trabalhar. Eu estava, de longe, puta da vida.
Me sentei na minha carteira de sempre, ao invés de ir lá no fundo aonde o Diego estava sentado. Abaixei a cabeça e tentei cochilar. Acordei assim que senti o perfume que indicava que o Ricardo tinha chegado.
– E ai, Lolinha? – ele me cumprimentou, sorrindo.
Sabe, eu ainda não estava acostumada a essa realidade paralela. Falar com ele de novo era tão estranho, ainda que de um jeito bom.
– E ai? – respondi, sem muito ânimo. Ele franziu a testa.
– Ta de TPM é?
– Nem. Só levei uma bronca ferrada hoje de manhã.
– Ah. O que aconteceu? Andou aprontando com o namorado e a mãe descobriu?
Ele deu um sorrisinho malicioso, e eu tive que rir. Era impressionante a capacidade que ele tinha de pensar besteira sobre tudo.
– Não. Só peguei quatro recuperações.
– Eu nem falei pra minha mãe das minhas! – o Ricardo disse, e mostrou o boletim – Ta vendo aqui? – apontou a assinatura – Foi meu irmão quem fez.
– Eu to precisando começar a fazer isso também. Senão vou ficar surda até o final do colegial.
O Ricardo olhou pra um outro ponto da sala, então chegou mais perto e baixou a voz.
– Imagina o que a mãe do Diego deve estar falando.
– Por que? – perguntei, confusa.
– Ele pegou sete recuperações esse bimestre. – respondeu.
Precisei de um minuto pra processar essa informação.
– São, tipo, todas as matérias! – exclamei, tendo que me conter pra não falar alto demais.
– O cara ta quebrado, Lolita. Achei que você fosse conseguir ajudar, mas pelo visto não adiantou muito, né?
– Ele não fala comigo. Ele não fala com ninguém.
O Ricardo ia falar alguma coisa, mas o sinal tocou e a boiada invadiu a sala. Ele se virou pra frente, e eu disfarcei uma olhadela pro Diego.
Sete recuperações. Ele, Diego, pegando sete recuperações.
Ah, mas eu ia fazer ele falar nem que eu precisasse arrancar as palavras de dentro dele.
Esperei até o final da terceira aula pra falar com ele. O sinal tocou anunciando o intervalo, mas eu continuei sentada. Todo mundo saiu, e só ficamos nós dois.
Então levantei e fui me sentar ao lado dele. Ele ergueu a cabeça e me olhou, sem dizer nada.
– Sete recuperações? – perguntei. Ele deu de ombros.
– Não consigo mais me concentrar. – respondeu, baixinho. Suspirei.
– Diego, você não acha que essa sua tristeza já passou todos os níveis aceitáveis? – indaguei, e ele não respondeu, então fui em frente – Você não merece sofrer desse jeito, e a Lana que me desculpe, mas ela não merece que você sofra por ela.
– Eu só… – sua voz morreu no meio do caminho – Eu preciso de tempo.
– Você precisa é acordar pra vida, Diego! – bufei – Você é o cara mais inteligente que eu conheço, e eu não acredito que esteja sendo tão burro! Sete recuperações, Diego! Nem… nem a Suelen pegou tantas!
Pela primeira vez num tempo enorme, ele riu. Bem leve, quase imperceptível. Mas riu.
– Acho que eu preciso de ajuda. – admitiu, depois de quase um minuto de silêncio.
Eu sorri pra ele e assenti, passando um braço pelo seu ombro e lhe dando um leve chacoalhão.
– Eu vou te ajudar, ok? – falei – Eu sou sua amiga, só não esquece isso. Você precisa sair dessa.
– Seria mais fácil se ela pelo menos admitisse que ta com ele. Eu tenho a impressão de que a Lana simplesmente não é sincera comigo, e isso me leva a um monte de perguntas.
– Tipo?
– Tipo quantas outras coisas ela escondeu de mim nos últimos tempos. Eu me sinto um idiota.
– Todo mundo faz papel de idiota de vez em quando.
Continuamos conversando até o sinal voltar a tocar. Eu me sentia uma vencedora só por ter arrancado alguma coisa dele. E ele…
Ele até que parecia melhor.
Eu estava revendo meus exercícios de matemática quando o telefone tocou no sábado seguinte. As recuperações começavam na terça-feira, e eu estava mostrando serviço pra minha mãe. Era o único jeito de ela não olhar pra mim como se eu fosse a maior decepção da vida dela.
Pra minha surpresa, minha mãe veio até mim no meu quarto e me estendeu o telefone.
– É a Suelen. – quando eu ia pegar, ela acrescentou – Cinco minutos. Vou cronometrar.
Peguei o telefone, mas minha mãe não saiu da porta do quarto.
Obrigada pela privacidade, mamãe!
– Alô. – falei, suspirando.
– Lolita, é a Suelen. – ela disse – Você pode me fazer um favor?
– Depende. – respondi, olhando pra minha mãe com o canto do olho. Ela estava olhando pro relógio no pulso esquerdo.
– Vai comigo no cinema? – e acrescentou, numa voz baixinha – É que eu vou com o Daniel.
– Não dá, Su. To estudando pra recuperação.
– Estuda quando voltar! As provar começam só na segunda-feira!
– Eu… – invente uma desculpa, rápido! – Eu prometi ajudar o Diego a estudar.
– Ajudar o Diego? – vou dar um desconto. Nem Papai Noel cairia numa dessas. Geralmente, era o Diego quem socorria as pessoas.
– Ele está naquela deprê por causa da Lana e pegou sete recuperações.
– Ta brincando? Que babado!
– To falando sério.
– Lolita, acabou seu tempo. – minha mãe disse, estendendo a mão. Revirei os olhos.
– Sinto muito, Su. Tenho que desligar! Tchau!
E desliguei, sem um pingo de educação, na cara dela.
Minha mãe pegou o telefone e franziu a testa.
– Por que não disse que estava de castigo ao invés de mentir pra menina, Carlota? – quis saber. O meu nome me fez querer vomitar.
– Um, não me chame de Carlota. – apontei – E dois, eu realmente prometi ajudar o Diego. A história toda é verdade.
– Bom, você está de castigo. Não vai a lugar nenhum.
– Ele pode vir aqui?
– Pode. Pelo menos vou poder vigiar e garantir que vocês estão estudando.
Fiz uma careta. Quero dizer, o que minha mãe imagina que eu pudesse fazer com o Diego ao invés de estudar? Jogar cartas?
– Posso ligar pra ele pra dizer pra ele vir pra cá? – perguntei. Ela me olhou, desconfiada, mas me entregou o telefone de novo.
– Vou cronometrar. – afirmou.
Bufei, e disquei. Combinei com um Diego desanimado de ele vir dali a uma hora, e também no dia seguinte.
Quem não ia gostar nada daquela história era o Edson. Mas por enquanto ele não precisava saber.
Estudar com o Diego nunca tinha sido um problema. Nos anos todos em que eu o conhecia, já havíamos estudado juntos mais vezes do que eu podia contar. Em geral, o Diego estava quase que obrigatoriamente nos meus grupos de trabalho, do meu lado nas provas e me socorrendo nas lições de casa.
Mas dessa vez, a situação me parecia loucamente diferente. Isso porque a) ele estava na minha casa, coisa que não acontecia há muito tempo; e b) quem estava ajudando o Diego era eu.
A inversão de papéis era incômoda pra mim, porque eu não estava acostumada a explicar coisa nenhuma pra ninguém. Mas acontece que, pela primeira vez na vida toda, eu sabia mais do que ele. Pelo menos logo de cara. A coisa ficou um pouco mais fácil a partir do momento em que eu percebi que eu só precisava explicar meia dúzia de coisas pra ele e o resto ele pegava sozinho.
Sério, o cérebro desse garoto me assusta. Ele entendia em um minuto coisas que eu tinha precisado de uma aula inteira pra entender. Não era justo.
As horas se passaram rápido. Quando minha mãe chegou na sala com vários pedaços de bolo e suco, foi que eu me dei conta de que já passavam das três da tarde. Eu já tinha ajudado o Diego, e agora ele estava lendo o livro de Matemática pra poder me ajudar.
Quero dizer, quem lê o livro de matemática e realmente entender um caramba do que está escrito ali? Tem que ser gênio, ou louco. Ou os dois.
Comemos, e depois voltamos a estudar. Ouvi meu celular tocando, mas minha mãe o tinha confiscado e colocado em segurança dentro do seu próprio quarto. O telefone de casa tocou, mas eu a ouvi dizendo pra quem quer que fosse que eu não podia atender no momento.
Lá pelas cinco, o interfone tocou. Minha mãe atendeu, mas eu não prestei muita atenção – o Diego estava revendo comigo a “matéria” de Religião que eu deveria saber pra fazer a provinha básica na sexta-feira. Quando a campainha tocou, foi que nós paramos e eu abri a porta.
Era o Edson.
– Oi amor. – falei, franzindo a testa. Ele me deu um beijo, entrou e… estacou assim que viu o Diego.
– To atrapalhando alguma coisa? – o Edson perguntou, meio seco.
Não acredito. Juro que não acredito.
– A gente ta estudando. Essa semana tem recuperação. – respondi, pondo a mão no ombro dele.
– Você não me disse que tinha ficado de recuperação. Se tivesse dito, eu teria te ajudado a estudar.
Tradução: por que tem outro cara te ajudando a estudar?
Cara, é o Diego. Ele é nerd e usa a camiseta por dentro da calça! Pelo amor de Deus.
– Não consegui falar com você essa semana. – menti. Na verdade, pedir ajuda pra ele nem tinha me passado pela cabeça – E o Diego também precisava da minha ajuda.
– O Diego? – ele perguntou, naquele tom de “quem você ta querendo enganar?”
– Eu peguei sete recuperações. – o Diego falou, de repente – Física, matemática, português, química, geografia, história e educação física.
Pegar recuperação de educação física é ainda mais humilhante que pegar recuperação de Religião. Pelo menos eu estava a salvo disso.
– Ai eu pedi ajuda pra Lolita. – ele continuou, e eu tive que disfarçar o sorriso. Obrigada por me salvar, Diego! O Edson teria uma crise se soubesse que eu ofereci ajuda!
– Ta…
O Edson não parecia lá muito satisfeito, mas acabou sentando e “estudando” com a gente. Na verdade, ele ficou assistindo televisão enquanto a gente se matava até quase sete horas da noite, quando o Diego foi embora.
O Edson estava com uma tremenda cara de mau humor quando me sentei ao lado dele no sofá, a cabeça doendo pelo excesso de informação e o tempo olhando pros livros. Ele não falou nada, nem segurou minha mão. Eu bufei e cochilei ali. Era o melhor que eu podia fazer por nós dois.
Fiz as provas naquela semana tremendo de medo. Meu celular ainda estava confiscado, e eu estava incomunicável para todos os efeitos. Não houveram aulas naquela última semana, então eu me dediquei única e exclusivamente às provas de recuperação.
E ao fato de que o Edson ainda estava de cara amarrada porque ele não foi minha primeira opção de socorro nos estudos. Sem comentários.
Com as férias chegando, eu não sabia bem o que podia esperar. Aquele começo de ano tinha simplesmente voado, com tanta coisa bizarra e improvável acontecendo ao mesmo tempo – e eu me dei conta de que não havia planejado nada pras férias. Talvez eu simplesmente ficasse trancada em casa em tempo integral. Talvez eu arranjasse algo pra fazer com as minhas primas.
Fosse o que fosse, eu não estava lá muito animada.
Ao final da semana de recuperações, eu não me sentia nem um pouco mais aliviada. Passei o final de semana inteiro rezando pra todos os santos possíveis pra que eu tivesse me saído bem. Eu não estava nem um pouco a fim de passar as férias trancada em casa simplesmente porque estaria de castigo. Muito obrigada. Os anjos que me ajudassem lá em cima.
O meu celular tocou durante todo o final de semana, mas minha mãe não deixou que eu atendesse. Como se fizesse de propósito, ela também não o desligou – era uma tortura ouvi-lo berrar e não poder atender. Eu só o teria de volta depois que recebesse as notas – isso se fossem notas boas.
O que, basicamente, queria dizer que eu estava ferrada.
Na noite de domingo pra segunda, eu não conseguia dormir. Faltavam menos de 24 horas pro resultado das recuperações. Aquilo decidiria se eu ficaria condenada à prisão domiciliar, ou se cairia novamente nas graças da minha mamãe.
Quando o despertador me disse que estava na hora de levantar, eu estava acordada já tinha muito tempo. Me troquei e engoli qualquer coisa antes de ir pegar um ônibus. Eu estava tremendo de ansiedade quando cheguei na escola.
O Diego estava na porta quando eu cheguei. Acho que era a primeira vez na vida escolar dele que ele tinha que ir até o colégio depois do término das aulas, mas ele não parecia nervoso. Estava com a camiseta pra dentro da calça, os óculos, o cabelo emaranhado, e ares de quem não queria estar ali.
Bom, nem eu. Mas não tínhamos lá muita opção, certo?
Entramos sem dizer nada, junto com a fileira de condenados. Entre eles, Henry, Ricardo – que acenou pra mim e murmurou “boa sorte” – e a Suellen. Ela quase pulou no meu pescoço quando me viu. Os olhos estavam inchados.
– Até que enfim você chegou! – ela exclamou, me abraçando.
– Meu Deus, tudo isso por causa da recuperação? – perguntei. Eu estava histérica por dentro, mas não chegava a tanto.
– Não… não, ai meu Deus, você não sabe o que aconteceu…!
Ela foi interrompida quando a inspetora apareceu no pátio com uma pilha de boletins.
– Perai, perai, Su, já, já você me conta. – falei.
Fui até a inspetora e larguei minha amiga pra trás. As pessoas se aglomeravam pra pegar seus boletins.
– Por favor, tia, dá o meu e o do Diego? – pedi.
Ela olhou pra mim, então nos procurou entre os nomes. Peguei os papéis, e voltei pra junto do Diego.
– Agora é a hora, hein? – falei, tentando parecer confiante.
Então olhei.
O alívio foi imediato.
– Não acredito que eu consegui! – exclamei, quase num sussurro. Estava tão aliviada que estava até sem voz. Olhei pro Diego – E você, como foi?
– Bem. Nada em comparação ao primeiro bimestre, mas… – ele me entregou o boletim.
A única nota vermelha ainda era Educação Física – pura e simplesmente porque não tem como recuperar. Mas todas as demais notas haviam subido para aceitáveis seis e setes, que realmente não se comparavam ao festival de noves e dez do primeiro bimestre.
– Bom, agora você aprendeu a lição, né? – falei, sorrindo.
Ele me olhou demoradamente, então pegou de volta o boletim e assentiu.
– Aprendi sim, Lolita. – fez uma pausa e ajeitou os óculos – Obrigado de verdade. Você esteve mais do meu lado nesses últimos tempos do que a Lana jamais esteve. Não sei como agradecer.
– Agradeça saindo da fossa. – respondi, sentindo um súbito impulso de abraçá-lo, mas fiquei na minha – Quando nós voltarmos de férias, quero ver um Diego novo entrando nessa escola, beleza?
– Beleza. Vou fazer o possível.
– E tire essa camiseta de dentro da calça.
Ele riu, e fez como eu pedi. Eu sempre quis dizer isso a ele, mas só agora sentia que tinha liberdade o suficiente.
O silêncio estava começando a ficar um pouquinho constrangedor quando a Suellen apareceu de novo e começou a me puxar.
– Lolita, é sério! Eu preciso te contar uma coisa! – dizia, quase soluçando.
– Meu Deus, calma, Suellen. O que foi que aconteceu?
Ela precisou de um bom tempo pra se acalmar antes de me contar o que havia de errado.
– Foi a Bela. Ela descobriu tudo. – soluçou – Ela viu eu e o Daniel juntos, e ela contou tudo pros meus pais, Lolita. Pros meus pais e pra droga da família inteira.
Fiquei boquiaberta por um instante. Nunca havia me passado pela cabeça que a Bela fosse tão… baixa a esse ponto.
– E eles acreditaram? – perguntei, como uma idiota.
– Claro que sim! Nem escutaram nada do que eu ou ele dissemos! – ela me abraçou, chorosa – Ai, Lolita, meu pai só não me deu uma surra porque minha mãe interferiu, mas ele me proibiu de sair de casa, de falar com o Daniel, de respirar nessas férias!
– Tudo bem. É só a gente fazer como sempre faz, eu saio com vocês dois e acabou o problema.
– Não, você não entendeu! – ela fungou – A Bela contou pros meus pais sobre as mentiras também. Eles sabem que você encobre tudo. De agora em diante, só se você for lá em casa, porque eu também não tenho permissão pra sair com você.
Eu a abracei e a consolei por alguns minutos. Não dava pra acreditar naquilo. Quero dizer, é claro que o fato de eles serem primos era um tremendo agravante, mas… céus, a Suellen e o Daniel realmente se gostavam. Como era possível que a Bela quisesse tanto sofrimento assim à própria irmã?

Não sabia o que dizer, então simplesmente a consolei mais um pouco antes de dizer que tinha que ir embora. Eu podia ter recuperado as minhas férias, mas alguém tinha acabado de perder as suas.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *