[CONTO] Te Ver de Novo – Parte VII

Antes, leia:

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI

– Rafaela, larga isso. – Cadu me pedia, a voz firme mesmo em meio ao pânico. Ele mantinha as mãos erguidas, e embora devesse estar recuando, ele vinha na minha direção muito lentamente.
– Sai de perto de mim! – gritei de volta, completamente histérica, e chacoalhei a tesoura afiada de costura diante dele – Como você teve coragem, Cadu? Na minha frente? Na frente de todo mundo!
– Rafaela, você está imaginando coisas!
– Ah, eu estou? – dei risada, inconsciente do quanto aquilo me fazia parecer uma maníaca. Mas cada vez que eu imaginava que ele estivesse tentando me enganar, eu perdia a cabeça – Vai falar que eu estou ficando louca agora?
– Gatinha, larga isso e me escuta.
– Não. Me chama. De. Gatinha. – a cada palavra, dava um passo na direção dele. Pra minha surpresa, Cadu não se mexeu. Eu o alcancei até estar com apenas a tesoura nos separando – Meses planejando uma festa surpresa pra você. Querendo que fosse especial. E eu viro as costas por um minuto e você está se esfregando com uma menina?
– Dançando, Rafaela. Dançando. Brincando. Não tinha nada de mais!
– Nada de mais? Vocês estavam se agarrando! Na minha frente. Pra todo mundo ver!
– Rafaela, abaixa isso. Você vai acabar machucando alguém.
– Eu confiei em você! Eu te dei tudo de mim! Se eu não posso ter nem o seu amor, será que eu não posso pelo menos ter o seu respeito?
– Não fala isso, gatinha. Eu amo você!
Nunca soube de onde veio a coragem. Talvez não tenha tido nada a ver com coragem, mas com loucura. Achei que seria romântico, que provaria o que eu estava querendo dizer. Por um minuto, achei que Cadu até gostaria de ver aquilo.
Então baixei a tesoura e cortei meu próprio braço. Uma, duas vezes. Cortes imensos, que vertiam sangue.
– É isso que você está fazendo comigo. – me lembro de ter dito.
Cadu correu desesperado. Meus braços sem força não resistiram quando ele tirou a tesoura das minhas mãos e me ergueu do chão. Me levou ao banheiro e cobriu os cortes com toalhas enquanto gritava por ajuda.
Fomos pro hospital e minha mãe já estava nos esperando. Ninguém dizia nada, mas ao olhá-los, eu sabia que tinha ido longe demais. Ainda estava tomando os pontos quando Cadu me deu um beijo no topo da cabeça e murmurou:
– A gente conversa depois.
Foi a última vez que o vi.

——————

Cadu continuou falando, e não pude interrompê-lo. Lembrar daquele último encontro tinha me deixado nauseada. Era inacreditável que ele ainda conseguisse me olhar depois daquele papelão todo. Se ele soubesse o quanto eu me arrependia…
– O que eu fiz com você não foi certo. – ele disse, e percebi que não fazia idéia do que ele tinha acabado de dizer.
– Para com isso! – falei, sentindo vontade de sumir dali – Você fez o que qualquer um teria feito.
– Isso não justifica. – Cadu insistiu, e eu não podia acreditar que ele estivesse, em algum nível, se culpando pelo fim que havíamos tido – Eu não agi certo com você. Eu não tive coragem de voltar pra te ver. Te deixei pra trás porque era o mais cômodo pra mim. Nunca pensei no quanto isso te machucaria ainda mais.
Cadu buscou minha mão novamente, e dessa vez a segurou com força entre as suas. Nunca achei que fosse sentir aquela dor de novo, mas ali estava ela, ferindo o meu coração. Amaldiçoei em silêncio o momento em que atendi a ligação do Cadu, em que concordei encontrá-lo, em que me dispus a encerrar aquela história. Estava melhor do jeito como a havíamos deixado.
– Eu podia ter te ajudado. – ele continuou, veementemente – Eu deveria ter te ajudado. Fiquei passando a mão na sua cabeça, quando deveria mesmo era ter te convencido a procurar ajuda. Eu piorei tudo, Rafaela.
– Não faz isso. – pedi, baixinho. Sentia que podia chorar a qualquer instante.
– Isso o quê?
– Não tenta tirar a culpa de mim.
– Mas é o que eu estou tentando te dizer, Rafaela! – delicadamente, Cadu ergueu meu rosto. Tive que apertar os lábios com força pra segurar o choro. Ele sorriu com um ar de tristeza – Não foi culpa de ninguém. Ou foi culpa dos dois. Mas não faz diferença agora.
– É, não faz.
Soltei minhas mãos da dele, e limpei as lágrimas que tinham escapado sem querer. Parte de mim estava feliz e aliviada por tudo que tinha ouvido. Mas no fundo, ainda estava doendo.
– Essa é uma de duas coisas que eu queria te falar. – Cadu disse, por fim. Respirei fundo. Se tinha aguentado até ali, poderia suportar um pouco mais.
– Manda. – falei, e ele riu.
– Eu queria te dizer que eu nunca te esqueci. De verdade. – ele disse isso com tanta sinceridade que tive vontade de morrer. Mesmo assim, tentei me manter firme – E que eu queria muito que o nosso plano tivesse dado certo.
Não consegui evitar um sorriso. Nosso plano. Algo tão bobo e infantil, mas inesquecível…

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– Casa comigo?
Seu sussurro me fez cócegas no ouvido, mas nada que se comparasse ao arrepio que me percorreu o corpo. Éramos jovens – eu ainda nem tinha feito 17 – mas naquele momento, não importava. Eu me sentia… completa. Eterna. Feliz.
– Caso. – respondi, sorrindo de orelha a orelha – Agora?
Nós dois rimos. Ele respirou fundo, daquele jeito que fazia parecer que estava apenas tentando absorver o meu cheiro, e então respondeu:
– Não. Mas um dia. Logo. Quando eu puder te dar um sobradinho com quintal e comida pros nossos três filhos.
– Três? Que tal dois?
– Dois. É, pode ser. Dois garotões.
– Um casal.
– Ta bom, um casal. – ele riu e me beijou demoradamente – Ok, agora é sério.
– Não era antes? – brinquei, e Cadu me deu um beliscão de brincadeira antes de me olhar muito seriamente.
– Eu realmente acho que quero passar o resto da vida com você. Pacote completo.
– Você não vai me agüentar até lá.
– Claro que eu vou. Mesmo quando você estiver enorme de grávida, ou velha e toda enrugada. Esse é o plano.
O Plano. O nosso Plano. Foi como passamos a chamá-lo a partir daí.

[continua….]

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