Uma vez que postar meus contos aqui no blog se tornou uma idéia tão boa – desse jeito todo mundo tem acesso a uma parte do meu trabalho, além de ser divertido – resolvi hoje que ia postar mais um (especialmente porque a leitora Stella que acabou de ler o conto Luiza me cobrou isso hehe). Então pedi pra vocês votarem no título que mais agradava lá no meu twitter, e deu no que deu.
Então, a partir de hoje, posto esse meu conto. Não vou dizer do que se trata, prefiro deixar pra surpresa. Não sei ao certo em quantas partes ele será dividido, porque é um conto bem grande. Veremos. Não se esqueçam de comentar pra eu saber se vocês estão acompanhando – e também se estão gostando, né? 🙂
Boa leitura!
Ok, respirar fundo, um dois, um dois.
Eu estou me comportando como uma idiota. Mentalmente, estou agindo como se eu estivesse pedindo pra uma das várias pacientes grávidas que dão entrada no Pronto Socorro pra ficarem calmas.
Mas eu não estou grávida, e o mesmo método certamente não se aplica a mim!
Eu nem sei porque eu estou agindo desse jeito. Quero dizer, tudo bem, eu não piso naquela cidade faz alguns (3) anos. E, é, eu tenho alguns assuntos pendentes e muita gente que eu não quero ver.
Mas pelo amor de Deus, em três anos as pessoas esquecem das coisas. Sério. Mesmo Araçatuba, com seus pouco mais de 181 mil habitantes, deve ter mais assunto pra falar do que a minha adolescência.
Além do mais, não é como se todo mundo fosse perfeito. Quero dizer, quem não comete erros quando é jovem? Eu certamente faço parte do time que só fez coisa errada! Mesmo assim, não é como se todo mundo fosse, sei lá, enfiar o dedo na minha cara e me chamar de vagabunda.
Porque eles não vão.
Então porque eu ainda sinto como se estivesse dando a luz?
– Amor, tudo bem? – Victor coloca a mão, preocupado, na minha testa. Eu devo estar com uma cara péssima.
Ou talvez sejam só os instintos médicos dele. Sabe como é, a gente se conheceu na faculdade. Ele faz medicina, eu faço enfermagem. Tudo ali do lado.
– Eu sabia que a gente devia ter dirigido! – ele exclamou, já checando pra ver se eu parecia anêmica – Pelo menos eu podia parar se você se sentisse mal!
– Eu não to me sentindo mal! – afirmei.
Mas era uma mentira das grandes! Eu estava me sentindo muito mal. Mas não tinha nada a ver com o fato de o ônibus estar chacoalhando pra valer. E sim com a plaquinha indicando que Araçatuba estava logo ali, na próxima saída.
– O caramba! Você está pálida! – Victor insistiu, mas eu apenas virei o rosto em direção à janela, contemplando a vista que eu não via a anos – Karine!
– Eu to legal, só estou cansada! – suspirei – Foram mais de seis horas de viagem. É claro que eu estou podre de cansada!
– Nós já estamos chegando, fica tranqüila.
Amor, me desculpe, mas essas foram as piores palavras que você poderia ter dito!
O ônibus entrou em ruas que eu não reconhecia mais, enquanto meu estômago dava uma volta. De repente, toda aquela decisão me parecia inapropriada. Eu não estava pronta. Eu nunca estaria pronta. Eu devia ter ficado em São Paulo, sentada na minha república, estudando ao invés de pedir uma folga no Hospital das Clínicas pra vir passar o Carnaval em família.
Mas não, eu era boba e me deixei derreter pelas palavras melosas da mamãe Idira, dizendo que não me via há tanto tempo e que ia fazer uma panela cheia de arroz doce se eu fosse passar esse feriado lá.
O que realmente não se faz. Quando o arroz da Mãe Idira entra na jogada, o papo passa de pedido a chantagem. É bom demais para ser recusado.
E pra completar toda a minha insanidade mental, eu pensei que essa realmente seria uma ótima oportunidade pra apresentar meu primeiro namorado de longo prazo à minha família. Quero dizer, eu já estava com o Victor a quase um ano e meio. Eu nunca fiquei com ninguém mais de um mês – mentira, duas semanas.
Exatamente o motivo pelo qual ele deveria ser poupado disso tudo caso tudo desse errado.
Ah, meu Deus, a rodoviária. Estamos chegando na rodoviária.
ESTAMOS ESTACIONANDO!
Eu vou morrer. Eu vou morrer, eu vou morrer, eu vou morrer!
– Chegamos, amor!
Tremendo, eu desci do ônibus. Victor me olhava com uma cara preocupada, e eu só podia imaginar o que ele estava vendo e pensando sobre a minha atual situação. Não que ele soubesse. Victor não sabia de nada. Absolutamente nada. E eu torcia pra que continuasse desse jeito.
E lá estava minha família me esperando. Mãe Idira, meu pai, minha irmã Cássia e uma barriga redondinha saindo dela.
– Ah, meu Deus, você está grávida! – foi a primeira coisa que eu berrei quando saí do ônibus. Logo, meu mal estar ficou pra trás e eu corri a abraçá-la.
– Ah, meu Deus, eu estou! – Cássia gritou no meu ouvido.
Porque minha irmã mais velha era oito anos mais velha do que eu, casada à quase sete anos e tentando engravidar a pelo menos cinco anos. Eu não tinha mais fé que ela fosse conseguir. Contudo, ai estava meu sobrinho – ou sobrinha – sendo gerado!
Mas eu não tive muito tempo pra curtir a barriga dela. Logo, papai apareceu e me deu um abraço apertado, demonstrando mais saudade que animação por me ter de volta.
– Você está tão diferente! – ele me disse, apertando meus ombros. Eu sorri, e então Mãe Idira veio me abraçar.
Ela não era minha mãe de verdade. Idira estava casada com o meu pai desde que eu tinha dez anos, dois anos depois da minha mãe morrer de câncer de mama. Mesmo assim, ela era tão boa pra nossa família que acabou se tornando minha segunda mãe. Minha Mãe Idira.
– Menina, que linda que você está! – ela passou as mãos no meu rosto. Mãe Idira já era agora uma senhora de quase sessenta anos, assim como o meu pai. Mas enquanto minha primeira mãe tinha os meus cabelos castanhos claros, o meu rosto redondo e os meus olhos caramelados, combinando com a pele que não era nem muito branca nem morena, minha Mãe Idira era morena, alta e troncuda, os cabelos que um dia foram castanho escuros já nascendo mais grisalhos.
Só então me lembrei que Victor estava comigo.
– Ah, esse é o Victor, meu namorado. – apresentei, indo pro lado dele – Ele faz faculdade de medicina no mesmo campus que eu.
Victor sorriu e os cumprimentou. De olhar pra ele, ninguém diria que não tinha cara de médico. Victor era alto, de aparência alegre, branquelo e um belo par de óculos que parecia pertencer ao seu rosto magro. Tinha cara de inteligente. E eu me orgulhava dele.
Uns minutos de conversa, eu e Victor pegamos nossas malas e logo estávamos apertados no Fiesta Sedan do papai, voltando pra casa. O fato de que minha irmã estava grávida de cinco meses e eu não sabia mostrava que eu não sabia mais nada sobre a minha própria família. Ainda assim, não pude deixar de ficar surpresa quando a casa onde meu pai estacionou não se mostrou nada igual ao pouco que eu me lembrava.
– Quando você se mudou? – eu perguntei, temendo que as minhas coisas tivessem sido perdidas. Papai e Victor se adiantaram para o porta-malas enquanto eu ajudava Cássia a sair do carro.
– Faz mais ou menos um ano. – ele me respondeu – Eu te contei pelo telefone. Não lembra?
– Ahn, não. – admiti, com uma careta.
Mas a casa nova era bem legal. A última coisa que meu pai tinha aberto mão no processo de superar a sua morte, pelo visto, era a casa onde os dois haviam morado desde o casamento. Mãe Idira nunca se importou e tenho certeza de que não tinha sugerido que eles deixassem pra trás aquela construção velha e mofada, trocando pela casa nova, de externo amarelado e uma garagem maior. Me deixava feliz que meu pai tivesse tomado essa decisão.
– Não se preocupe, nós separamos um quarto pra você. – Mãe Idira me garantiu, e eu respirei aliviada. Só ela mesmo pra lembrar de salvar os meus pertences deixados pra trás. Meu pai era sempre tão distraído que ele jogaria fora as próprias roupas sem perceber.
– Mas o Victor dorme na sala. – meu pai afirmou, em tom autoritário. Eu dei de ombros.
– Tudo bem por mim.
Victor me lançou um olhar interrogativo. Aparentemente não estava assim tão bem pra ele.
Porque o negócio entre mim e o Victor é que nós dois namoramos há um ano e meio, moramos numa república, somos adultos, vacinados, conscientes e…
Nunca transamos.
Pronto, falei.
E é, não é nada demais pra algumas pessoas – como ele vive me dizendo, quando acrescenta que não se importa em esperar – e um grande monstro problemático pra outras. Metade das minhas amigas na faculdade diz que eu sou maluca.
Não que eu me importe. Quero dizer, eu, acima de todas as pessoas, não devia me importar com o que dizem de mim.
Mas a teoria é sempre mais simples que a prática.
Ainda mais quando você é uma garota de 20 anos e seu namorado tem 22. Isso soa muito pior do que se nós dois fôssemos namoradinhos de colegial.
De qualquer jeito, eu não queria pensar nisso. Não agora. Não quando eu tinha problemas do tamanho de caminhões desgovernados enterrados naquela cidade.
Principalmente, não quando eu estava entrando em casa e sentindo o perfume do melhor arroz doce do mundo.
– Ah, meu Deus, você fez! – eu gritei, já abandonando as malas na sala e procurando pela cozinha.
– É no final do corredor. – Mãe Idira indicou, rindo de mim – E eu prometi, não prometi?
Achei a cozinha. Um espaço não muito grande, dominado pelo cheiro delicioso que saía da panela. Dei um gritinho de animação.
Acho que eu conseguiria sobreviver por uma semana, afinal de contas.
[continua…]
Lari!!
Maldade sua parar por ai!
Quero o resto já!!
Juro, esse finalzinho me deixou surpresa!!
bjss
Hey Evellyn!
Maldade mesmo Lari!
E que segredos são esses hein?
To super curiosa aqui!
Vou esperar por mais.
Beijão!
Sua escrita é tão familiar… É como voltar pra casa onde eu morei qdo criança. Poucos autores me trazem essa sensação. Bom d+
Pronto, já me identifiquei com a Karine! rs
Boa noite.
Gostei muito do post e do seu blog, parabéns.
Quando der visita o meu blog.
Abçs!!
http://devoradordeletras.blogspot.com/