Por alguns dias no final de 2012, vocês acompanharam no twitter meus surtos por estar escrevendo um conto novo. Alguns de vocês eu imagino que até já o tenham lido na comunidade da NRA no skoob. Eu fiquei tão empolgada com esse conto que fiz até o primeiro vídeo dos Diários de Escrita sobre ele. Fato é, escrever este conto mexeu muito comigo.
E como prometido, hoje vou começar a postá-lo aqui no blog! Serão dois posts semanais, toda segunda e sexta-feira. No mais, só espero que vocês gostem tanto quanto eu!
Boa leitura!
Eu estava uma pilha de nervos quando estacionei na esquina próxima à lanchonete onde não pisava havia mais de três anos. Minhas mãos tremiam no volante, e precisei de um minuto pra respirar dentro do carro fechado antes de sequer ter coragem de sair.
Me embananei com as chaves do carro e não conseguia achar a carteirinha onde estava escondido o meu cigarro emergencial. A bolsa de repente parecia ter a profundidade de um poço. Atravessei a rua sem olhar e um carro passou por mim buzinando alto.
Que beleza. Quase cinco anos depois e ele ainda tinha o poder de me enlouquecer. Quatro anos, sete meses e vinte dias, para ser mais exata. E lá estava eu, me jogando na frente dos carros, ameaçando meu arduamente conquistado corpo livre de nicotina, tudo por causa dele.
Parei na frente da lanchonete e cogitei se deveria entrar. Eu estava no horário, mas será que ele estaria? Se ele estivesse lá, eu queria fazê-lo esperar. Queria que ele imaginasse se eu iria aparecer, se eu tinha desistido, queria que ele me mandasse mensagens perguntando onde eu estava. Mas se eu tivesse chegado primeiro e tivesse que me sentar sozinha, esperando que ele chegasse, ia acabar mesmo com vontade de ir embora. E eu não podia ir embora. Não agora que já tinha ido tão longe.
Com as mãos desajeitadas e trêmulas, peguei de novo a bolsinha onde guardava o único cigarro e o isqueiro. Aquele cigarro estava na minha bolsa há noventa e oito dias. Noventa e oito dias em que eu tinha sido forte o bastante pra evitar o cigarro de emergências. E lá estava eu, me perguntando se seria melhor fumá-lo agora ou depois do encontro.
Dei uma risada abafada. Ele trazia à tona o pior de mim.
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– Eu já te falei um milhão de vezes que não quero que você fale com essa garota! – gritei, a plenos pulmões. Era impressionante que ninguém do prédio viesse tocar a minha campainha pra perguntar se eu precisava de alguma coisa. Da polícia, talvez?
– Amor, não tem nada de…
– Ela é uma piranha! Você já viu o jeito como ela olha pra você? – eu ri, completamente fora de mim – Claro que já, né? Você deve adorar…
– Rafaela, a garota é só minha amiga. E ela tem namorado. – ele tentou argumentar. Foi o mesmo que falar com as paredes.
– Eu juro que se ver você mais uma vez falando com ela, acabou, ta me ouvindo?
Silêncio. Ele não ia me responder. Ele nunca respondia.
– Por que você faz isso? – me perguntou, de repente.
– Isso o que, Cadu?
– Muda. – suas palavras me deixaram sem ar. Olhei pra ele, e Cadu estava me encarando com um olhar pesado de decepção – De uma hora pra outra. Vai de namorada perfeita a esposa psicótica. Você não era assim, Rafaela.
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Balancei a cabeça. Odiava ficar me lembrando daqueles tempos. Quando olhava para trás e pensava nos anos que passei com o Cadu, era isso que me vinha à cabeça: a Rafaela possessiva, irritante, ciumenta. A garota obcecada com o namorado, desconfiada de qualquer garota.
E eu realmente não era assim. O Cadu não tinha sido o primeiro garoto com quem eu tinha ficado na vida. Quando começamos a namorar, aos 15 anos, eu já tinha tido uns rolinhos aqui e ali. Mas havia, sim, uma coisa de diferente com ele, algo que nunca tinha acontecido com nenhum outro garoto. A gotinha que fez o copo transbordar.
Eu tinha me apaixonado por ele. Completamente.
E o amor, como dizia sabiamente a minha mãe, faz com que todo mundo aja de uma maneira meio idiota.
Estava pensando nisso e em como eu tinha sido idiota quando o senti chegar. Eu sabia que era ele porque senti um arrepio familiar na espinha quando ouvi seus passos, e um súbito rubor quando ele pigarreou daquele jeito que fazia quando queria chamar atenção sem ser indelicado. Principalmente, soube que era ele porque, mesmo depois de quatro anos, sete meses e vinte dias, ele ainda usava o mesmo perfume.
Me virei mesmo sem estar pronta para vê-lo. Sabia que nunca estaria. Depois de todo aquele tempo, com tudo o que tinha acontecido nas nossas vidas, ele obviamente estaria…
Igual.
Não pude evitar um rápido suspiro assustado, que fez o Cadu parar onde estava, há pouco mais de um metro de mim. Mas não deu pra segurar. Olhar pra ele era como viajar no tempo.
Cadu continuava exatamente igual à última vez que eu o tinha visto. Os tênis surrados, as roupas monocromáticas, as mãos constantemente enfiadas nos bolsos da calça. A barba alourada por fazer, que nunca crescia o bastante pra “ficar legal”, segundo ele mesmo. O cabelo castanho claro bagunçado, agora remexido pelo vento. E os olhos. Aqueles olhos.
– Você ta diferente. – ele me disse, com um semi sorriso que me fez tremer.
– Você também. – menti. Ele concordou, e eu não soube dizer se era porque concordava comigo ou se simplesmente sabia que eu estava mentindo.
– Você ta aqui faz tempo?
– Não. Acabei de chegar.
– Legal.
Silêncio. Antes o silêncio entre nós não era algo incômodo, temido. Mas hoje, era como se o chão fosse se abrir sob os meus pés se eu me permitisse ouvir o som da sua respiração.
– Vamos entrar? – ele finalmente sugeriu, e eu concordei.