Primeiro, leia:
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Parte VII
Parte VIII
Parte IX
Estávamos juntos, esperando a chuva passar, havia quase duas horas. Caía tamanho temporal que mal podíamos ver além dos portões fechados da escola.
Cadu e eu éramos da mesma sala, e apesar de eu conhecê-lo já há um ou dois anos, nunca tínhamos realmente conversado. Tínhamos amigos em comum, mas em geral não freqüentávamos a mesma turma, nem nos encontrávamos com freqüência fora dos muros do nosso colégio.
Mas naquele dia, o destino havia de alguma maneira segurado nós dois no mesmo ambiente, e pela primeira vez, sem mais ninguém por perto. Eu tinha ficado até mais tarde pra uma aula de reforço em química. Ele tinha feito hora extra pra fazer a segunda chamada de uma prova de português. Quando fomos liberados, a chuva já caía torrencialmente. Nos sentamos no pátio e começamos a conversar.
Falando com ele foi quando, pela primeira vez, eu o notei. Digo, o notei de verdade. Ele tinha o cabelo desengonçado, grosso e brilhante. Estava sempre com fones de ouvido pendurados pra fora da camiseta, mesmo quando não podia escutar música. Andava sempre com as mãos nos bolsos da calça, e estava sempre mascando um chiclete ou chupando uma bala. Cadu tinha um sorriso fácil, uma voz macia e uma piada na ponta da língua. Ele era divertido, esperto e incrivelmente bonito. Olhando melhor pra ele, me perguntava como era possível que eu nunca tivesse reparado.
O papo estava incrível, e mais do que tudo, eu gostaria e ficar ali pra sempre. Então o meu celular tocou, e minha mãe disse que estava na porta me esperando.
– Tenho que ir. – falei, me levantando. Cadu me acompanhou.
– Já?
Alguma coisa naquele tom de voz, naquele sorrisinho de canto de boca, fez com que eu tivesse vontade de abraçá-lo. Mas não o fiz. Só dei um risinho tímido e disse:
– Obrigada por me fazer companhia.
– O prazer foi todo meu, acredite.
Corei e mordi o lábio. Sabia que a minha mãe devia estar irritada de ficar me esperando, mas não queria sair dali.
Finalmente, após alguns minutos de silêncio em que nos olhamos de maneira tímida e furtiva, lhe dei um tchau distante e me encaminhei pra saída. Já estava quase no portão quando ele gritou:
– Rafa!
Me virei e ele estava sorrindo. Sorrir de volta sequer foi opcional – era como se o meu rosto simplesmente quisesse sorrir pra ele.
– A gente devia sair qualquer hora dessas! – ele gritou, então. Concordei, me deliciando com aquele convite.
– Claro. – falei, tão baixo que ele só pôde ler meus lábios. Então me virei e fui embora.
————-
Pagamos a conta, e devagar nos encaminhamos pra saída. Perguntei ao Cadu como ele ia embora, e disse que seu carro estava estacionado há algumas ruas dali, mas que ia me acompanhar primeiro.
Não falamos mais nada até chegarmos no meu carro. Notei que, na pressa e no nervosismo, tinha estacionado tão torto que ia demorar a conseguir sair. Se Cadu reparou, não disse nada – imaginei que, com os anos (em especial seus anos de convivência comigo e minha irritabilidade fácil), Cadu tinha aprendido a segurar as suas piadinhas prontas. Olhei pra ele, que encarava o chão, e suspirei.
– Não achei que fosse dizer isso, mas foi bom te ver. – falei, sentindo a verdade nas minhas palavras enquanto as dizia. Por um instante, consegui até sorrir.
– Foi bom te ver também. – Cadu falou, e o silêncio se prolongou enquanto eu sustentava o seu olhar. Não um silêncio incômodo, mas aquele silêncio que tínhamos antes. Um silêncio de verdades caladas.
– A gente se vê. – falei, abrindo a porta do carro. Queria abraçá-lo, mas não tive coragem. Já tinha tido a minha cota de despedidas e pontos finais por um dia, e não queria um abraço pra amargar a boa sensação que aquele encontro tinha surpreendentemente me dado.
Cadu não respondeu. Limitou-se a me olhar enquanto eu entrava no carro e jogava a bolsa no banco do carona. Dei a partida e baixei o vidro. Ele já tinha se afastado do carro, mas continuava olhando pra mim.
– Rafa. – ele chamou, e pus a cabeça pra fora da janela para olhar pra ele. Um sorriso brincava no canto da sua boca.
– A gente devia sair uma hora dessas.
Concordei devagar, e não respondi. Meu silêncio deve ter bastado. Ele sabia onde me procurar.
Incrivel! Amei esse conto e esperei ansiosa por cada capitulo. Parabens!!!