Conheça O Diário (nada) Secreto
Capítulo 1 – Recepção Calorosa
Capítulo 2 – Jogo de Interesses
Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa
Capítulo 4 – A semana seguinte
Capítulo 6 – Proibido é mais gostoso
Capítulo 7 – Quem tem medo do lobo mau?
Capítulo 8 – Verdades e Declarações
Eu preciso dizer a verdade a ele.
Eu tenho que dizer a verdade a ele.
Eu não consigo dizer a verdade a ele.
Quanto mais eu pensava nisso, mais minha cabeça girava. Eu ainda estava de castigo, ainda estava apaixonada pelo Edson e ainda estava morrendo de medo da Giovanna.
E por isso, estava considerando seriamente a opção de dizer a verdade. Sabe como é, chegar nele e abrir o jogo. Embora eu não visse de que isso pudesse adiantar.
Claro que a conversa que eu havia tido com a Bela no ônibus vivia se repetindo quando eu estava distraída demais pra controlar meus pensamentos. “Ele escolheria você,” a Bela da minha mente repetia. Eu não queria acreditar, mas era nisso que eu me agarrava toda vez que pensava em ser sincera. Na possibilidade do Edson realmente largar a linda e loura Giovanna pra ficar com a menos linda, mais gorducha e loura menos brilhante Lolita.
Eu tinha as minhas qualidades. Não era esse o problema. O problema era que competir com a Giovanna em qualquer quesito era pedir pra perder, e perder feio. Não só ela gostava de ganhar como nunca perdia. Eu a admirava por isso, mas ultimamente vinha apenas invejando-a.
– Você sabe que não é disso que eu estou falando! – a Bela argumentou no ônibus, na manhã de terça-feira da semana seguinte à das recuperações – Não é por isso que ele iria te escolher. Felizmente o Edson não é o Henry e não escolhe garotas baseado nas aparências.
Henry tinha dado o fora na Suellen naquele domingo, depois que ela havia trocado o Ricardo por ele. Bela tinha me ligado exclusivamente pra comemorar o fato de que sua irmã gêmea estava trancada no quarto chorando. Muito fraternal da parte dela. A razão, aparente e obviamente, tinha sido outra garota.
Bela não sabe, mas liguei pro celular da Suellen assim que nós desligamos. Tentei conforta-la, mas não obtive muito sucesso. Ela só fazia chorar. Então, disquei o número do Daniel e mandei que fosse vê-la. Ele me agradeceu muito por isso.
– Eu sei que ele não é assim. – concordei – Mas é que… sei lá, Bela. Você fala com tanta certeza, e a verdade é que já se passou muito tempo desde que ele gostava de mim.
– Não se passou tempo nenhum, porque ele ainda gosta! – minha melhor amiga insistiu. Eu balancei a cabeça.
– Se ele ainda gostasse, ele teria feito alguma coisa, Bela. Falado comigo.
– Olha, Lolita, quando vocês voltaram a se falar, você estava toda jogada pra cima do Ricardo e a Giovanna apareceu com tudo pra cima dele. O que você queria que ele fizesse?
– Sei lá, me procurasse?
– Ele só começou a ficar com a sua prima pra te causar ciúmes.
– Funcionou! – resmunguei, e Bela riu.
– Não o bastante pra você virar pra ele e dizer, “ei, seu filho-da-mãe, eu estou apaixonada por você, sabia?” – até eu ri com a voz de mano que ela fez – Era isso que ele estava esperando que você fizesse!
– Mas eu não faço esse tipo de coisa! – exclamei. O ônibus parou pra recolher outro aluno, e eu voei pra frente. Bela riu da minha cara.
– Devia começar a fazer. Você está é perdendo tempo.
O Daniel entrou, e eu vi que ele foi direto pro banco onde a Suellen estava sentada, sozinha e parecendo triste. Ele também tinha feito isso ontem. Observei os dois por um instante, achando uma graça o jeito como se tratavam. Ele gostava dela, independente do que a relação consangüínea pudesse determinar.
– Como a Su ficou depois de domingo? – perguntei, sem tirar os olhos deles. A Bela bufou.
– Podemos, por favor, não falar da Miss Vaca do Universo? – pediu, e eu fiz uma careta.
– Ela é sua irmã! E ela está sofrendo!
– Ela é uma ameaça alienígena e ela não tem sentimentos!
– Pelo menos o Daniel me ouviu e está falando com ela.
Um minuto inteiro se passou, e a Bela não retrucou. Só então olhei pra ela. Parecia que tinha sido atingida por um caminhão desgovernado.
– Você falou pra ele ir falar com ela? – balbuciou, tropeçando nas palavras.
Meleca!
– Eu liguei pra ele depois que nós desligamos.
– Não acredito que você está ajudando a pior pessoa do planeta!
– Qual é, Bela, a garota estava mal quando eu falei com ela, não parava de chorar e eu só pensei que ela gostaria de ter alguém que realmente ajudasse!
Só aí eu percebi o quanto tinha acabado de piorar tudo.
– Você falou com ela? – Bela explodiu – Ligou pra minha irmã, nas minhas costas? Pra ajudar?
– A Su também tem sentimentos, Bela, desculpe por enxergar isso! – respondi, zangada. O ônibus parou na frente da escola, e o barulho do pessoal descendo abafou nossos gritos.
– Su. A Su tem sentimentos! – fez um som que fazia parecer que estava vomitando – Eu não acredito, Lolita! Não acredito mesmo!
Desceu sem me esperar.
E não falou comigo o dia todo.
Agora me respondam, o que foi que eu fiz de errado?
Na terça-feira, eu estava uma pilha.
De castigo, Bela brigada comigo, Giovanna me olhando torto e, pra coroar tudo, o Edson já tinha me ligado umas cinco vezes só na noite de segunda-feira.
Como você explica pra uma pessoa que não pode falar com ela porque sua prima (e namorada dessa pessoa) está te ameaçando?
No mínimo ele ia rir da minha cara. Ou pior (e melhor), ia terminar com ela, e a Giovanna ia me culpar e me matar muito mesmo! De todas as maneiras, eu estava cozida.
Por isso, não fiquei nada feliz quando o Diego veio me procurar na hora do intervalo. Eu estava fazendo a lição de física e, embora a ajuda dele fosse realmente muito bem vinda, eu tinha certeza de que não era pra isso que ele estava ali ao invés de estar com a Lana.
A propósito, pensei eu, a Lana era exatamente o que estava faltando. Ela já estava tendo um ataque de ciúme pra cima da Sabrina, bem que poderia ter um pra cima de mim se visse que eu e o Diego estávamos sozinhos na biblioteca. Seria realmente o máximo!
– Oi. – o Diego disse, baixo e rapidamente, olhando pros lados. A bibliotecária ranzinza não estava em nenhum lugar visível, de onde poderia saltar pra comer nossas línguas por estarmos falando na biblioteca preciosa dela.
– Oi. – resmunguei de volta. Fechei o livro de física, deixando a página marcada com o lápis – O que foi?
– Preciso da sua ajuda.
Uma das coisas que eu mais gostava no Diego era que ele não se metia na vida de ninguém. Apesar de eu estar obviamente mal humorada, ele não tinha virado pra mim e dito algo como “que bicho te mordeu”. Ele era capaz de manter uma conversa com alguém sem fazer perguntas particulares ou se meter na particularidade alheia.
E uma das coisas que mais me intrigava era como ele poderia precisar da ajuda de alguém algum dia. Ele era um crânio pra tudo, e todo mundo pedia ajuda pra ele ao invés de dar. E agora, ali estava o grande nerd Diego, sentado na minha frente, pedindo ajuda.
Era hilário.
– Em quê? – perguntei, deixando de ficar mal humorada pra ficar muito curiosa.
– É o seguinte…
Fui ficando boquiaberta à medida que ele me contava.
Porque era realmente inacreditável.
De todos os homens do mundo, era dele que eu menos esperava. E, no fundo, parei pra pensar e vi que, se tinha de esperar algo daquele tipo de alguém, seria dele. Concordei em ajudar, já avisando que ele ia precisar convencer também a minha mãe. Diego se foi com a promessa de ligar em casa ainda naquela noite pra falar com ela.
Quando já estava sozinha na biblioteca, parei e pensei. Então era por isso que ele vinha passando tanto tempo com a Sabrina, e era por isso que ela não tinha dito nada pra mim. Garoto esperto!
– Alô?
– Lana?
– Isso. Quem é?
– É a Lolita, sua bobona! – eu disse, rindo – Tudo bem?
– Tudo… – respondeu, a voz num desânimo de dar pena – E você?
– Tudo indo. – afirmei, tentando deixar de lado o meu desânimo – Desculpa estar te ligando a essa hora. To interrompendo alguma coisa?
A Lana gostava de estudar até bem tarde. Eu preferia dormir, mas hoje, nem isso eu podia fazer.
– Não, eu não consigo estudar mesmo. – a Lana suspirou – Está tudo uma droga, Lolita. Briguei com o Diego de novo.
– Não me diga! – exclamei. Porque eu já sabia disso – Sabrina de novo?
– Sua prima não dá um tempo, sabe? Ela tem passado mais tempo com o meu namorado do que eu!
– Lana, você sabe que não é nada disso.
– Talvez eu saiba. – e fez questão de ressaltar o talvez – Mas como é que não se pensa nada ruim numa hora como essas? E ele não me conta as coisas, Lolita! Eu não sei o que há de errado com o Diego, na boa!
Então, ouvi barulho. Um barulho melodioso.
– Que barulho é esse? – perguntei, tentando não dar bandeira. A Lana hesitou por um instante.
– Não sei, vem lá de fora… – murmurou, de um jeito quase impossível de entender – Acho que tem alguém lá fora. Peraí.
Duas janelas se abriram ao mesmo tempo. De uma, saltou a cabeça da mãe da Lana, pasma. Da outra, saltou todo o tronco da Lana, rindo, chorando e gritando ao mesmo tempo ao ver a cena.
Estava um frio e um vento desgraçado, mas lá estávamos nós sob a janela dela. O Diego e a Sabrina tocavam um violão cada um, acompanhando a mim, à Bela e ao Daniel num coro que cantava “I’m With You”, da Avril Lavigne. Nunca tinha visto a Lana tão feliz na vida.
Quando já estávamos no último refrão,um vento gelado bateu, e começou a chover forte. A Lana ria e eu xingava até a última geração do Diego por estar me fazendo passar por aquilo tudo. E o Diego, sem mais esperar, gritou:
– Acredita que eu te amo agora?
O Edson e o Henry apareceram numa outra janela. O mais velho sorriu pra mim, e foi impossível não sorrir de volta.
– Claro, claro! – a Lana berrava, pulava.
– Então abre a droga dessa porta! – exclamei. Porque estava chovendo muito e eu estava realmente com muito frio.
Me encolhi ao lado da Sabrina sob o telhado mínimo que cobria a porta da frente. Quando o Edson a abriu, nós duas caímos pra dentro. Na verdade, a Sabrina caiu. O Edson me segurou. O contato e a proximidade me fizeram tremer, e não tinha nada a ver com estar encharcada da cabeça aos pés. A Sabrina percebeu, e deu um assobio agudo.
Como todo mundo estava pingando, fomos pra cozinha, enquanto a mãe da Lana arranjava toalhas e mudas de roupa seca. A Lana nem se importou em nos agradecer, preferindo ficar abraçada com seu amor molhado. Maravilha. Liguei pra minha mãe e esperei enquanto ela vinha me buscar, de mau humor, e reclamando porque eu a tinha tirado de casa.
O meu casal nerd preferido podia ter se reconciliado, mas eu não conseguia me sentir feliz.
Porque tudo estava uma droga.
Nas semanas que se seguiram, Bela foi aos poucos voltando a falar comigo. Quando percebi, já estávamos no final de maio, sentadas no ônibus, voltando pra casa, trocando as mesmas trivialidades de sempre.
Se é que “trocando” possa ser mesmo o verbo adequado. A Bela falava e eu escutava. O assunto de hoje era a última briga dela com o Willian. Eles brigavam tantas vezes por semana que eu tinha deixado de escutar depois dos primeiros dias de namoro. Pelo menos estavam dando certo.
Ao invés de prestar atenção nela, comecei a observar a Suellen e o Daniel, um pouco à nossa frente. Desde que ela tinha sido chutada, ele vinha conversando muito com ela. Os dois eram primos, e tinham uma relação saudável, mas eu não me enganava: eu sempre soube que havia alguma coisa além disso. Pelo menos da parte dele. Eu sempre tinha enxergado um sentimento a mais no Daniel.
E eles agora tão próximos… me fazia esquecer que eles eram parentes. Nessas horas, me perguntava se isso realmente importava. Quero dizer, primos não são irmãos. E todo mundo já quis ter um caso com um primo. Exceto eu, que só conheço minhas primas mulheres. Felizmente, nunca quis ter um caso com elas. Eca.
Estava ainda pensando nisso quando cheguei em casa, depois de me despedir da Bela, fazendo de conta que tinha escutado tudo. Deitei no sofá e fechei os olhos.
Aí, o telefone tocou.
– Alô? – respondi, sem fazer questão de fingir uma voz educada.
– Lolita, prepare-se. – era a Sabrina. E estava com o coração na mão, aparentemente. Sentei no sofá, tão rápido que minha cabeça girou.
– O que foi? – perguntei, tentando não parecer histérica.
– O Edson terminou com a Nana. Há uns… – parou por um segundo – Cinco minutos atrás.
– Essa não!
– Ela vai atrás de você. Fica ligada!
E até eu escutei quando a Giovanna berrou ao fundo:
– Sabrina!
– Meu Deus! – exclamei, apavorada. Ela estava uma fera.
– Vou cuidar dela. Até amanhã.
E desligou. Mas tenho certeza de que ela murmurou um “boa sorte” antes disso.
Eu estava completamente ferrada!
É claro que, quando se trata da minha vida, as coisas sempre viram uma bola de neve. Eu achava que já estava no meio de uma bola do tamanho de um carro, mas na verdade ainda era pequena como uma bicicleta. Aumentou quando a campainha tocou.
E eu olhei pelo olho-mágico.
Meu Deus do céu, o que ele está fazendo ali?
Não vou abrir a porta, não vou abrir a porta, não vou abrir a porta, não vou abrir a porta…
– Lolita, eu escutei você falando no telefone! – exclamou do outro lado, dando vários socos na porta – Abre logo!
Eu não estava ferrada o suficiente? Já não bastava que a Giovanna me matasse por algo que eu não tinha culpa, e agora ele estava ali pra deixar tudo pior? Meu Deus!
Abri a porta. Já estava tremendo.
– Oi, Edson. – murmurei. A voz quase não saiu.
Ele não esperou convite. Parecia ansioso, apressado. Entrou, me puxou pela mão e bateu a porta. Sentou-se no sofá sem cerimônias e me pôs sentada ao seu lado. Eu esperei enquanto ele se… concentrava.
Porque eu sabia o que viria a seguir. Bela tinha razão, não é mesmo? Ela enfim tinha percebido, e tinha mudado sem piscar duas vezes. Era tudo o que eu mais sonhava e o pior pesadelo que eu poderia desejar. E agora estava ali, entregue, na minha sala.
E eu não sabia o que fazer com isso.
– Eu terminei com a Giovanna. – ele disse, e sem um pingo de arrependimento na voz. Era como se estivesse falando de alguma coisa tipo levar o cachorro pra passear.
– Eu sei. – consegui soltar, como um sopro de ar. Minha testa e minhas costas (sim, eca!) suavam.
– Não vai me perguntar por quê? – desafiou.
Eu tinha opção?
– Por quê? – indaguei. Ele sorriu e mexeu naquela bagunça que era o cabelo dele.
– Porque não é como se tivesse acontecido a tanto tempo que eu possa esquecer, Lolita. – Edson respondeu – Nós dois. O passado. O que eu sentia. O que eu… sinto.
Não falei nada. Eu não ia conseguir abrir a boca pelas próximas horas porque estava tão feliz e tão apavorada que, bem, estava em choque.
– Você sabe que eu sou uma droga pra falar de sentimentos. – continuou, juntando nossas mãos – Mas você já entendeu o que eu quero dizer, né? Que eu gosto de você. De novo. Ainda.
É. Eu tinha entendido.
E, meu Pai do Céu sabe, como eu gostaria de dizer que também gostava dele. Que ele vinha me tirando do sério ultimamente e que tudo estava errado do jeito que estava. Que no fundo eu estava berrando de alegria por ele ter terminado com a minha prima.
Mas eu estava com medo demais pra fazer isso.
– Isso ta errado. – eu disse, então. Sentindo que a errada, na verdade, era eu – Eu também… – não, Lolita, não! – Eu não quero que a minha prima sofra.
Foi quando eu funguei que eu percebi que estava chorando.
– Ela não liga se você vai sofrer. – Edson apontou, com uma careta. Soltei nossas mãos, cruzando-as pra tentar me manter longe dele.
– Eu não sou igual a ela. – determinei – E eu me importo com o que ela sente. Ela gosta de você, e não vou ser eu quem vai fazer da vida dela um pesadelo. – funguei de novo – Quero dizer, vocês acabaram de terminar, droga!
Ele ficou sério por um segundo, e então voltou a sorrir.
– Dar tempo ao tempo? – sugeriu.
Era engraçado como ele sempre me entendia. Eu nem tinha precisado falar. Não de verdade, com todas as palavras. Mas ele sabia. Do mesmo modo como eu sabia o que se passava com ele.
– É. – limitei-me a concordar, com um meio sorriso – Bem isso.
– Então a gente se fala quando você achar que for a hora.
E dizendo isso, levantou-se e foi embora.
Me deixando pregada no sofá.
Porque tinha sido o dia mais incrivelmente assustador e totalmente feliz da minha vida.
No dia seguinte, um sábado, resolvi ligar pra Bela pra contar o que tinha acontecido. Não só porque eu precisava conversar com alguém sobre isso, mas também porque eu sabia que ganharia pontos na nossa amizade se ela fosse a primeira a saber.
E, dada a confusão daquela semana que a levou a ficar sem falar comigo, Deus sabia como eu precisava de pontos com ela!
Sendo assim, no sábado, depois do meio-dia – porque a Bela nunca acorda antes disso – eu disquei o número da casa dela e esperei. Foi a Suellen quem atendeu.
– Oi, Su, é a Lolita. – eu disse, depois que ela disse “alô”.
Se você está se perguntando como eu diferencio a voz das gêmeas, só tenho uma coisa a dizer: elas são diferentes. Bela e Suellen não são diferentes apenas porque uma se manteve loira enquanto a outra tingiu os cabelos de preto. Porque uma engordou 9 quilos e a outra se esforça pra perder mais 5. Porque uma é patricinha e a outra é completamente pirada.
Elas são diferentes porque, pra mim, nasceram diferentes. Só tem o mesmo rosto. Até as vozes soam diferente pra mim. Ou talvez seja o jeito de falar. Tanto faz. Um mês na convivência delas e você já aprendia a diferenciá-las por algo que não fosse a aparência física.
– Oi, Lolita. – ela disse, parecendo até animada. O Daniel estava fazendo milagres. Milagres que eu não queria saber quais eram.
– Tudo bem? – resolvi perguntar. Não pela educação, mas porque estava realmente preocupada.
– Melhorando. – admitiu, com um suspiro.
– Que bom! Tinha te achado tão caidinha!
– O Dani me contou que você ligou pra ele.
– É. Você estava precisando.
– Obrigada, Lolita. Mesmo.
– Não foi nada. – parei uns segundos, já esquecendo do por que tinha ligado – Pode chamar a Bela pra mim?
– Não tem jeito, né? – resmungou.
Então ouvi, um pouco mais longe, ela gritando “MONSTRA, TELEFONE”.
Meu Deus, elas são tão adoráveis uma com a outra.
Então a Bela pegou o telefone e gritou, dessa vez no telefone, me dando um baita susto:
– PRONTO, OBESA!
A Suellen ia chorar horas por isso, eu tinha certeza. Faça o que fizer, não a chame de gorda.
– Ficou de conversa com a minha irmã? – a Bela perguntou, então, em tom zangado, porém, felizmente, mais ameno.
Eu não mereço!
– Só bobagens. – respondi, tentando me segurar pra não perguntar qual era o problema dela – Tenho que contar uma coisa!
– Quer que eu chame a Suellen? Vocês parecem tão amiguinhas!
– Bela, quer parar com isso? – e dessa vez eu estava quase gritando – Que droga! Posso falar ou não?
– Fala logo!
Deus tem que me dar não só uns parabéns, mas um prêmio de agradecimento por ter conseguido passar tantos anos ao lado da Bela sem pirar completamente! Respirei fundo e comecei a falar.
Quando terminei de contar tudo, a Bela não me respondeu nada, e eu também não ousei abrir a boca. Preferia esperar que ela desse o seu decreto. Que com certeza ia ser algo do tipo que quebra a sua cara. Ela tinha o dom pra fazer isso.
– Você tem que ir até lá. – sentenciou, por fim.
O que não ajudou em nada, porque eu nem sabia onde era “lá”.
– Lá aonde, Bela? – perguntei, pacientemente.
– Até a Giovanna. Falar com ela. – respondeu, como se fosse muito simples e muito óbvio.
Só que não só não era nada óbvio como não era nada simples na prática. Não era ela quem ia ter uma morte muito dolorosa pelas mãos da própria prima!
– Nem pensar! – exclamei, na hora.
– Você tem que ir, Lolita! – insistiu, frisando o “tem” – Enfrenta-la antes que ela venha te enfrentar. Mostrar que não está com medo!
– Mas eu estou com medo, droga!
– Então faça de conta que não, porcaria! Vai até a merda da casa das suas primas e vai falar com ela.
– E vou falar o quê? “Desculpe, mas eu estou apaixonada pelo seu ex-namorado e ele bateu na minha porta ontem pra dizer que gosta de mim também”? Não vai rolar!
Um minuto de silêncio. Acho que a Bela entendeu meu argumento.
– Só vá até lá, certo? – Bela repetiu, enfim.
E eu me senti derrotada.
Então desliguei e fui tomar um banho. Porque, no fundo, ela estava certa, e um pensamento que não foi dito, mas que com certeza ela também tinha pensado, passou pela minha cabeça.
Fosse agora, fosse mais tarde, eu e a Giovanna íamos ter que conversar. E colocar tudo em pratos limpos.
E, quanto mais tarde, pior.
Retiro tudo o que eu disse. Eu podia adiar, certo? Ela ia me matar de qualquer jeito! Eu podia simplesmente esperar e aproveitar meus últimos segundos de vida!
Lolita burra! O que você está fazendo parada na frente do número 1026, então?
Já toquei a campainha, então é meio tarde pra voltar atrás. Estou ferrada. Estou ferrada. Estou…
– Oi, tia! – sorri, o mais convincente que pude, quando minha tia abriu o portão pra mim.
– Lolita, que bom que você veio! – ela exclamou, soando mesmo aliviada – A Nana está que não para de chorar! Ela vai gostar de ter você aqui!
– É mesmo? – minha careta foi inevitável. Sim, ela ia adorar me ter por perto. Me fazer em pedacinhos ia fazer com que ela se sentisse tão melhor! – O que aconteceu? – disfarcei.
– O Edson terminou com ela. – trancou o portão e voltou a me acompanhar – Eu sempre soube que ele não gostava dela, sabe? Dava pra ver isso. Mas eu nunca pensei que ela fosse ficar desse jeito, coitadinha. Sempre achei que fosse tão forte, e agora…
Obrigada, tia. Você está mesmo tirando o peso do mundo das minhas costas. Fala sério!
Entramos, e ela me mandou subir, que a Sabrina estava no quarto com a Giovanna havia mais de uma hora. Respirei fundo várias vezes pra ver se tomava coragem, e parava de sentir vontade de sair correndo por onde eu tinha vindo, inventando alguma desculpa idiota. Então, comecei a subir.
Não havia barulho algum no segundo andar. Se elas estavam conversando, era aos sussurros, e tive uma súbita onda de alívio ao imaginar que Giovanna poderia estar dormindo, me dando uma janela de mais algumas horas até minha morte inevitável. Claro que eu não dei tanta sorte. Quando parei à frente da porta aberta do quarto dela, ela estava lá, sentada, encolhida, chorando e muito acordada pra me ver.
Essa não!!!
– Oi. – murmurei, ali da porta. Eu estava com os pés completamente presos ao chão.
A Sabrina, que ainda não tinha me visto, me olhou como se eu fosse um fantasma. A Giovanna continuava inexpressiva – o máximo que seu rosto dilacerado pelas lágrimas conseguia ser. Eu não sabia se isso era bom ou ruim.
– Entre. – a Nana disse, após um longo silêncio. Não parecia brava. Parecia apenas… triste.
O que não me ajudava em nada, se vocês querem saber!
Entrei, devagar, como se o chão fosse se abrir se eu pisasse fundo demais. Cheguei o mais perto que eu conseguia ir apesar do meu medo. Na minha cabeça, Giovanna ia se atirar no meu pescoço pra me estrangular se eu chegasse um centímetro mais próxima. Engoli em seco e abaixei a cabeça.
– Nana, eu… – comecei a dizer, embora não fizesse idéia do que fosse dizer pra ela. Giovanna me interrompeu.
– Não!… – exclamou, mais alto do que antes – Me chame… – continuou, baixando o tom – De Nana!
Dei um sorrisinho aliviado. Ela não estava tão mal que não pudesse me dar uma bronca pelo apelido. Aquilo devia servir pra alguma coisa.
– Eu sinto muito. – murmurei. E não era mentira. Eu sentia muito mesmo, não porque ela e Edson eram um assunto terminado, mas porque aquilo tudo, o sofrimento dela, era tudo culpa minha.
Ainda que só indiretamente.
– Não sinta. – murmurou, abrindo um sorrisinho mínimo – Vem cá. – e me estendeu a mão.
Hesitei por um instante, olhando pra Sabrina. O seu olhar me dizia que eu devia obedecer, e eu sabia que ela não estava pra brincadeira. Então o fiz. Dei minha mão pra Giovanna e deixei que ela me puxasse até a cama, me colocando sentada entre ela e a irmã.
Giovanna apertou minha mão, soltando mais algumas lágrimas, e pousou sua outra mão sobre a minha, de modo a me segurar o mais firme que conseguia. O que não era muito. A impressão que eu tinha ao olhar pra ela era que ela ia desmoronar.
– Eu não… – deu um soluço, engoliu as lágrimas e prosseguiu – Eu não culpo você, Lolita. Eu só estou arrependida. Eu fui uma idiota com você nos últimos tempos, estraguei nossa amizade.
– Não estragou. – afirmei. E não sabia se estava ou não sendo sincera.
– Eu devia ter confiado mais em você e menos nele. – Giovanna continuou, como se eu não tivesse dito nada – Me desculpe por ser uma vaca. Sério. Eu não quero que você se sinta mal porque nada disso é culpa sua.
Inevitavelmente, eu comecei a chorar. Coitada da minha prima. Ela estava quebrada por dentro, e ainda acreditava que eu era inocente. Acreditava que eu realmente não tinha nada a ver com aquilo. E eu estava deixando.
Mas se eu dissesse que eu tinha, porque gostava do Edson e tinha deixado transparecer até ele perceber e chuta-la pra tentar ficar comigo de novo, ela só ia se sentir pior. Não ia ajudar em nada. Então , optei por ficar quieta. Não uma mentira; uma omissão.
– Você vai ficar bem? – perguntei, por fim, com um suspiro. Ela sorriu, embora só parecesse uma careta de dor.
– Se nós ficarmos bem! – respondeu, e eu sorri também – Garotos vêm e vão, Lolita. Amanhã vou estar melhor. Vou mostrar pra ele, você vai ver. Eu não preciso dele. Ele é só mais um na minha vida.
Ela tentava se fazer de forte, mas por dentro, eu sabia que ela estava gritando.
E a culpa era toda minha.