Conheça O Diário (nada) Secreto II
Capítulo 1 – Amigas para sempre
Capítulo 2 – De volta pra realidade
Capítulo 3 – Perturbando a Paz
No sábado, infelizmente acordei às 8 horas da manhã e tentei inutilmente voltar a dormir. Não adiantou muito. Uma semana de aula e meu relógio biológico já estava ajustado pra me acordar cedo todo santo dia. Magnífico.
Lá pelas onze horas, resolvi contatar o meu namorado. Primeiro peguei o telefone, e então pensei “É cedo. Não vou ligar lá a essa hora.” Botei o telefone de volta no lugar e peguei o celular. Uma mensagem era muito mais prática.
Amor!Tdo bem? Quando a gente vai se ver? Te amo!
Deixei o telefone de lado. Ele vibrou alguns minutos depois avisando que a mensagem havia sido entregue, e menos de um minuto depois eu já havia me esquecido de que havia mandado alguma mensagem. Fiquei assistindo televisão – que, por sinal, é totalmente deprimente aos finais de semana! – até que meu celular vibrou de novo.
Esse fds não dá. Churras com o pessoal da facul no sábado, e aniversário de uma tia minha no domingo.
Legal. Bom saber que eu fui gentilmente chutada de ambos os planos.
Certo. Divirta-se. Me liga.
Tradução: tome vergonha na sua cara e me ligue daqui a meia hora perguntando se eu quero ir com você!
Valeu. Amo vc.
E eu sou o Mickey. Ta legal.
Ótimo. Lá estava eu, com uma droga de final de semana inteiro pela frente, sujeita à companhia da minha mãe, apenas – sem melhor amiga, chutada pelo namorado, sem ter aonde ir. Eu estava realmente mal. Bufei e fui até a geladeira ver se achava alguma coisa pra comer.
Ataquei um pacote de bolacha de maisena – a única coisa que restava no armário, porque a geladeira fazia até eco – e cheguei à conclusão de que, no mínimo, eu e minha mãe iríamos ao supermercado naquele final de semana. Certo. Supermercado. Grande e emocionante programa em família. Uma família que inclui apenas mãe e filha.
Acho que eu vou chorar.
Eram mais ou menos uma e meia quando a minha mãe chegou do trabalho – sim, a condenada trabalhava aos sábados, coitada! – e me disse o que eu já sabia: nós iríamos ao supermercado naquele final de semana. De lá da cozinha, ela tagarelava sobre tudo o que estava faltando – que abrangia basicamente todo tipo de alimento perecível ou não –, o que a levou a uma longa lamentação sobre como meu pai estava sendo filho da mãe com a pensão.
Mande-o fazer as compras, eu tinha vontade de dizer. Ou contrate um advogado e processe o cara porque ele não paga a pensão como deveria. Ou faça o que eu te digo pra fazer a anos, e mande dar uma surra nele. Se você conseguir encontrá-lo, claro. Uma das razões pelas quais a gente nunca podia cobrar nada era porque não tinha pra quem cobrar. Meu pseudo-pai era mais difícil de encontrar do que um X-Men no mundo real.
Mas eu não tive nem tempo de dizer coisa alguma, porque nessa hora, meu celular tocou. O EDSON, gritei, super animada, na minha mente. Mas não era o Edson. Meu celular caduco e detonado me dizia que era a Suellen quem me ligava.
– Alô? – atendi, já não tão animada. Ela, pelo contrário, parecia super feliz.
– Lolita, Lolita, vou sair com o Daniel hoje! – exclamou, obviamente tentando não falar alto demais pra que ninguém na casa escutasse.
– Ótimo! – eu disse, sem achar realmente ótimo. Primeiro porque eu queria poder dizer a mesma coisa (sobre sair com o meu namorado, quero dizer), e segundo porque isso obviamente implicava um pedido de que eu não iria gostar.
– Você pode ir comigo? Só pela fachada? – ela me implorou, e eu tive ainda mais vontade de chorar. Ou de enterrar a minha cabeça no chão – Leva o Met!
– O Met já vai sair hoje. – suspirei – E eu tenho que… sair com a minha mãe.
– Nããão! Lolita, por favor, por favor, sai com ela amanhã, me ajuda!
– Chama a Lana, Suellen! Ela pode ir com o Diego!
– Eu já tentei, e ela me mandou chamar você porque ela e o Diego brigaram.
– De novo?
– De novo! Você não sabe, a Lana disse que tem uma menina da nossa sala, como é mesmo o nome dela…?
– Marina? – sugeri. Na verdade, eu só queria um motivo pra justificar o fato de que eu não gostava dela. Pra minha infelicidade, Suellen negou.
– Não, ela não. Ah, sei lá quem é! – hesitou – Enfim, ela me contou que essa menina ta toda jogadinha pra cima do Diego, que veio pedir ajuda com não sei o que, e que ele deu a maior trela pra ela!
– Sério? – eu nem estava escutando. Só estava enrolando, pra ver se ela esquecia.
Não funcionou.
– Mas então, você vai comigo? – perguntou, de novo.
Por que eu sou tão boa amiga? Por que eu não posso simplesmente virar pra ela e dizer “Suellen, querida, eu não tenho vocação pra castiçal!”
Ah, é. Porque a minha mãe me deu educação. E porque eu infelizmente faço bom uso dela o tempo todo.
– Beleza. Que horas?
– Passa aqui às seis.
Porcaria!
Deus amaldiçoe a pessoa que inventou a frase “amigo é pra essas coisas.”
Porque tem situações em que amigos não são pra essas coisas.
Tipo ficar sentada numa sala de cinema insuportavelmente cheia pra assistir à estréia de um filme que eu nem me lembro qual era, enquanto sua amiga se pega com o primo dela bem do seu lado.
Na boa? Eu vou ficar traumatizada com um negócio desses! Eu já não fui boazinha o suficiente?
Como se não bastasse a pegação total e contínua bem do meu lado, eu ainda tive que agüentar o passeio do casalzinho pelo shopping – o que foi francamente a mesma coisa que andar sozinha. Tipo, eles ali, de braços dados, na maior empolgação, e Lolita atrás, seguindo, olhando as vitrines, as pessoas e se sentindo um fiasco.
Se pelo menos meu namorado decidisse que eu fazia parte da vida dele! Mas não, eu não fazia. Ele ia a um “churrasco da faculdade” sem nem me convidar. Isso era tão injusto!
Não que ele não pudesse sair sem mim. Nada disso. Se ele me convidasse eu negaria com todo o prazer. Mas ele nem se dignou a convidar. Eu, namorada dele há sei lá quantos meses! Aonde isso é normal e aceitável?
O shopping estava fechando quando saímos de lá. Minha mãe veio nos buscar – o Daniel voltou pra casa de ônibus – e eu deixei a Suellen na frente de casa com um alívio total. Da próxima vez, eu mandaria a educação pro inferno e faria o favor a mim mesma de dizer a ela que eu preferia me jogar de uma ponte a fazer aquele favor de novo.
Segunda-feira. Dia de retorno à escola, dia de acordar cedo, dia de entrar em desespero por mais uma longa semana que está por vir.
E lá estava eu, no ônibus, indo para mais uma manhã animadíssima no Colégio de Ensino Católico Santa Rita de Cássia. Maravilha.
Sentei no banco de trás das minhas primas, na esperança de, sei lá, batermos um papo ou algo do tipo. Nada feito. A Sabrina estava no telefone com aquele namorado estranho dela – que ligava pra ela todo dia nos mesmos horários praticamente só pra discutir – e a Giovanna estava dormindo. Dormindo muito. A coitada devia estar podre com todo aquele lance de fuso-horário.
Mas, quando chegamos na escola, a coisa foi bem diferente.
– Bom dia, bela adormecida! – chamei, quando chegamos. A Sabrina estava ocupada demais discutindo pelo telefone pra se preocupar em lembrar que a irmã mais velha estava morrendo no banco ao lado.
– Hã? Que? – aos poucos, minha prima foi acordando. Se espreguiçou e ajeitou o cabelo – Como eu estou?
– Amassada! – exclamei, rindo – Fala sério, é só a escola!
– É, é. – ela bocejou – Droga, escola. Me leva de volta pra Paris!
– Se eu te levar, pode ter certeza de que fico com você por lá!
– Vai, anda, vamos sair desse ônibus fedorento!
Saímos, e, novamente, percebi como minha prima estava diferente. Ela andava como se estivesse constantemente numa passarela, e cada parada sua parecia digna de um flash. A camiseta do uniforme parecia uma peça de alta costura vestida nela. Mesmo depois de passar quase uma hora dormindo no banco do ônibus, o rosto e o cabelo pareciam tão bonitos como se tivessem sido arrumados na hora.
Em suma, dava até raiva olhar pra ela. Se a Giovanna já era bonita antes, agora era difícil imaginar qualquer coisa que precisasse de melhora. Ela estava perfeita.
Tudo isso era mais que razão suficiente pra todo mundo olhar enquanto a gente passava. Eu, ao lado dela, devia parecer uma mendiga descabelada. Dava vergonha me colocar ao lado de uma garota daquelas. E juro, todo mundo estava olhando. A conversa pareceu diminuir enquanto a gente entrava.
Eu queria afundar a minha cabeça no chão ou correr e me esconder no banheiro. Já a Nana não estava nem aí. Imaginei como ela já devia estar acostumada com aquilo depois de dois meses sendo modelo na Europa.
– Ah, caramba, você ta linda! – Lana exclamou, com um enorme sorriso, quando chegamos à mesa. A Sabrina ainda estava ao telefone.
– Obrigada! – minha prima disse, com um sorriso exuberante e igualmente grande no seu rosto lindo. Cumprimentou um a um, até chegar na Marina-olhos-de-cobra.
– Ah, oi, quem é você? – Giovanna disse, sem perder o bom tom. Era incrível como eu parecia ser a única a simplesmente não gostar dela.
– Marina. – ela sorriu, estreitando seus olhos que já eram pequenos o bastante – Eu conheço você! Você é aquela menina que ganhou o concurso de modelos!
– É, sou eu! – o sorriso da minha prima só aumentou. Nada como ser reconhecida!
– Você é ainda mais bonita pessoalmente! – Marina disse, me dando nojo. Bajulação, oi! – Você é a irmã da Sabrina que todo mundo estava falando?
– Falando bem? Há,há, sou sim.
– E primas da Lolita, né?
Qual o problema dela comigo? Acho que à medida que eu a detesto ela resolve gostar mais de mim.
– Isso!
– Que família!
Que falsa!
Graças a Deus o sinal tocou antes que eu pudesse ter náuseas com toda aquela puxação de saco infinita, e subi ouvindo a Sabrina reclamar ao telefone, a Lana brigar com o Diego e minha prima mais velha batendo um alto papo sobre sua vida de modelo com a nojentinha da Marina. Um papo que ela não tinha tido nem comigo. Beleza.
Aquele dia – e aquela semana, e aquele mês e a droga do ano todo – ia realmente custar a passar.
Na hora do intervalo, pra fugir de mais e mais puxações de saco – que e uma hora pra outra se espalharam da Marina para o colégio todo, que corria atrás da minha prima como se ela fosse uma deusa – fui até o banheiro. Por incrível que pareça, estava vazio. Acho que todas as meninas estavam ocupadas pedindo autógrafos pra Giovanna.
Credo. Isso me faz parecer invejosa. E vou deixar claro que não é inveja. É só que… sei lá. Essa coisa toda de ter uma prima famosa faz mal pra auto-estima. E torna-se chato em questão de minutos.
Eu estava enterrada por lá a uns bons dez minutos quando a porta se abriu e a Bela entrou. O clima ficou mais pesado de imediato, principalmente porque ela não olhou pra mim nem uma só vez. Como se eu nem estivesse ali, sabe?
Até que, finalmente, ela bufou, e me olhou como se estivesse falando com, sei lá, um cão sarnento. Ou a professora de matemática. O que dá quase na mesma.
– Você está encobrindo o rolo da minha irmã com o Daniel. – afirmou. Estremeci, mas não me deixei abalar.
– Você resolveu falar comigo agora? – indaguei. Ela fechou ainda mais a cara.
– Só me responde!
– A última vez que eu tentei falar com você, você gritou comigo. E quer saber? Quem não quer falar mais com você agora sou eu!
Mentira. Mas faz bem pro ego se fazer de superior numa hora como essas.
– Vai, foge do assunto. Protege a sua amiguinha Suellen! – ela fez aquela voz irritante de “nhé-nhé-nhé” que sempre fazia quando falava alguma coisa relacionada à Suellen. Aí eu me enfezei.
– A Suellen tem sido mais amiga pra mim do que você foi em várias ocasiões. – exclamei, puta da vida – Na boa? Eu fiz bem em escolher ela ao invés de você.
Saí do banheiro sem olhar pra trás. Como se não fosse azar suficiente aquele encontro indesejado, trombei justamente com quem?
– Ai, desculpa! – a Marina disse, quando trombamos. Como se fosse culpa dela que eu tivesse saído de dentro do banheiro feito um furacão irado e quase levado o ombro dela comigo.
Mas não é como se eufosse me desculpar, né?
– Tudo bem ai dentro? – ela perguntou, e eu bufei.
– Não é da sua conta! – respondi, embora a resposta certa fosse “o que você acha?”
Subi pra sala de aula, me acalmando aos poucos. Quando já estava bem mais calma, foi que me perguntei: como tínhamos chegado nesse ponto. Até ontem (ok, até meses atrás) nós éramos melhores amigas de infância e agora estávamos gritando uma com a outra no banheiro feminino.
Que merda!
As coisas continuaram, bom, mais ou menos iguais até Março chegar. Depois de um Carnaval ridículo – passado em casa, assistindo desfiles de escola de samba e ouvindo meu namorado contar sobre alguma festa legal da faculdade pra qual ele não me chamou – eu estava quase começando a sentir falta da escola.
Quase.
Revistas de moda foram terminantemente proibidas dentro do Santa Rita graças à minha adorada prima Giovanna. Juro que todo dia surgia uma revista nova pra ela assinar, e ninguém parecia se cansar de falar dela. Se eu achava exagero, deixei de achar quando ela me passou o link de um ensaio dela pra Vogue francesa.
Tipo, como assim?
Quando eu perguntei exatamente isso a ela, tudo o que a Giovanna me disse foi que precisávamos conversar. Coisa que ainda não tínhamos feito, porque, ao contrário do que eu achava, a vida dela como modelo estava longe de acabar só porque ela desembarcara no Brasil. De algum modo, em dois meses, a Giovanna tinha feito seu nome crescer e agora era um tipo de top model em ascensão.
O que queria dizer que todo dia era dia de trabalho. Ou pelo menos todas as tardes e quase todo fim de semana.
A Sabrina parecia já saber de tudo, mas ainda assim se recusava a me contar. “Ela tem que te contar isso, não eu. Mas é quente.”
Sério, por que as pessoas têm mania de deixar a gente ainda mais curiosa quando tem um segredo que não podem contar? Parece que todo mundo faz questão de atiçar a nossa curiosidade até o ponto em que estamos implorando pra saber. Isso me dá raiva.
Enfim. Foi em Março que as coisas começaram a ficar um pouco… conturbadas. Não pra mim, felizmente. Mas pra minha cunhadinha querida.
Eu já tinha percebido que tinha alguma coisa errada. Começaram com os suspiros e os olhares, e de repente eles começaram a conversar. Logo depois do Carnaval, ele começou a andar com a gente. E eu só tive ainda mais certeza quando, numa bela manhã de Março, eu entrei na sala de aula e o Diego e a Lana estavam lavando a roupa suja.
E, pô, estavam só eles na sala e eles nem me viram entrar. Eu sento bem ao lado deles. Por mais que eles estivessem cochichando eu poderia escutar, certo?
– Fala sério, você ta escutando bem o que você ta falando? – a Lana sussurrou pra ele, com uma certa ironia e um quê de nervosismo. O Diego tirou os óculos e começou a limpa-los na barra da camiseta de um jeito irritado.
– Eu não sou cego, ta legal? – ele disse, num sussurro que deixava bem claro que ele não estava brincando – Eu presto atenção em você, Lana. E eu não gosto de ver a minha namorada toda cheia de sorrisinhos pra cima de outro cara.
Ok, então não é coisa da minha imaginação. Eu não estou botando pêlo em ovo. Se o Diego percebeu, então a coisa é real.
– Eu não to de sorrisinho com ninguém, deixa de ser ridículo! – ela exclamou, e ele revirou os olhos.
– Você devia ver a sua cara quando você ta falando com aquele Álvaro…
– Antônio. – corrigiu-o. O que só pareceu irritá-lo ainda mais.
– Olha aí! – o Diego deu um tapa na mesa que até me assustou – Que droga, Lana! Será que você não pode nem me respeitar um pouco e parar de ficar babando cada vez que ele aparece?
Ela não respondeu. Na realidade, ela nem estava olhando pra ele. O Antônio tinha acabado de entrar.
– Não dá pra falar com você. – o Diego resmungou.
E veio se sentar atrás de mim.
Não que a Lana tenha notado.
Eu estou com a ligeira impressão de que nada disso vai acabar bem.
[continua… dia 28/12]