Cheguei em casa e tirei a maquiagem – de fora e de dentro. Tirei o sorriso que usei pra trabalhar. Tirei o cabelo perfeito, a atitude confiante, tirei a camisa de força que guarda minhas loucuras e a grossa camada de convenções sociais que vesti o dia todo. Me limpei, e enquanto me limpava, me vi no espelho e percebi que aquela pessoa ali – aquela mesma, que estava me olhando – às vezes esquecia de ser quem ela realmente era.
Quero ser eu mesma, mas quero ser quem os outros esperam que eu seja. Quero me rebelar, mas quero entrar nos padrões. Quero ser única, mas é solitário demais não ser igual a ninguém. Quero que me vejam, mas às vezes, dói demais ser vista.
Todos os dias, tento pensar na vida como um livro. Escrevo um capítulo diário e, na maior parte do tempo, sei o que esperar dele, mesmo que o desfecho ainda esteja longe e a narrativa seja um tanto previsível. Talvez seja esse o problema. Talvez, por passar tanto tempo criando personagens, eu tenha criado a mim mesma; essa pessoa que eu quero ser, e que finjo ser, e acredito ser, mas que todos os dias, quando chega, se despe de si como quem despe uma roupa e não se reconhece mais.
É difícil viver sem filtros, sem aparências. É difícil não maquiar a realidade, para si e para os outros. Quanto mais penso, mas percebo o quanto é impossível tentar viver na verdade. Porque ninguém quer que você seja verdadeiro; as pessoas esperam uma verdade que lhes seja conveniente, que as agrade. Quando você se mostra de verdade – com as suas falhas e suas dores, com suas imperfeições e seus segredos escancarados – você choca o mundo. Mas novidade: somos todos humanos. Todos temos defeitos. Todos precisamos ser vistos de vez em quanto, pelo que somos, mais do que por aquilo que parecemos ser.
Então saio na rua maquiada. Visto minha camisa de força e retomo a atitude, porque, pra ser honesta, às vezes são o que me mantém durante o dia. Mas quando posso, me desmonto. É bom de vez em quando relembrar quem eu sou de verdade.