Semana passada, na terapia, minha psicóloga me pediu pra completar a frase “Eu sou…” com as primeiras palavras que me viessem à mente. Incluí uma série de coisas, algumas menos espontâneas do que outras, e ali no meio, estava aquela feridinha incômoda que sempre me acompanha:
Eu sou… bonita. (às vezes)
Ela me pediu pra explicar os parênteses, e passei alguns minutos tentando colocar em palavras coerentes a montanha russa de inseguranças que eu vivia com o meu corpo. Como é se sentir bonita apesar de algumas coisas, e não por causa delas. Como estou caminhando, devagar e sempre, para o dia em que não vou viver mais em função do espelho. Infelizmente, não chegamos muito longe nesse debate. Papos para outras sessões.
Corta para o dia seguinte. Combinei com uma amiga de longa data e minha fotógrafa preferida de fazermos umas fotos para atualizar o portfólio dela e o meu material de divulgação. Costumávamos fazer sessões dessas todo ano, mas desde 2015 não tínhamos tempo pra uma das nossas tardes de Maitê e Isaac. E aí que, no meio do papo em que combinávamos os quandos e ondes, ela me faz o convite:
“E se a gente fizesse umas fotos mais sensuais?”
A intenção de fazer esse ensaio, digamos, menos convencional, era uma ideia antiga, um desafio pessoal para nós duas, eu com o meu corpo e ela como fotógrafa. Topei, mas na hora, me bateu aquele medo; ironicamente, não o de não ter coragem de posar, mas o de descobrir aquilo que eu sempre soube, internamente: que não sou sensual, nem desejável, e nada que eu faça pode mudar isso.
Como várias outras coisas sobre a minha relação com o meu corpo, essa questão do recato e da sensualidade/sexualidade também são pontos delicados. Aprendi a me esconder por hábito e segurança, por vergonha e por precaução. Recebi olhadas tortas o suficiente na rua, piadinhas e comentários grosseiros de todos os lados pra acreditar que não apenas ninguém queria ver meu corpo, mas que ele também não queria ser visto. Não vou entrar aqui em todos os detalhes dolorosamente chatos de como essa premissa estragou vários aspectos da minha vida. No fim das contas, restava uma verdade clara a ser testada:
Sim, eu amo meu reflexo — ou pelo menos amo mais hoje do que já amei algum dia. Mas será que ainda iria amá-lo quando não houvessem roupas entre nós? Quando eu me despisse dos filtros e das roupas bem cortadas, da moda e do meu próprio olhar através da lente, eu ainda saberia achar o caminho pra gostar de mim mesma?
Foi a experiência mais engraçada, incômoda e reveladora que eu já vivi. Longe de ser um tipo de nu de Playboy, o que a gente fez foi se divertir com ângulos e poses, extravagâncias, músicas e pouca roupa. Fizemos, à nossa própria maneira, arte. E arte foi como me senti. Uma arte viva, em um longo processo de amadurecimento para me tornar obra-prima. Desabrochei na falta de decoro, na confiança de um olhar amigo, e, por que não, na insegurança do resultado. Não importava se ficaria bom ou não. A única a ver seria eu.
Tive vontade de chorar quando vi as fotos. Tenho vontade de chorar agora. Mas, não pela primeira vez, um choro bom, de quem deixou um peso que estava carregando para trás. Olhei pra mim, e me vi mulher. Me vi bonita. Me vi arte. Me vi eu. Tive vontade de mostrar pra todo mundo e ao mesmo tempo guardar aquele segredo a sete chaves, tão íntimo e real ele me parecia.
Ainda não sei o que serão das fotos. Talvez o novo desafio seja deixar que elas vejam a luz do dia. Mas por enquanto, esse desafio basta. Hoje, não sou bonita nem apesar, nem por causa, nem às vezes.
Apenas sou.