Você me disse ainda ontem que nada iria mudar. Mas não era verdade, era? Tudo muda o tempo todo. Eu devia saber.
É difícil não gostar de mudanças. A gente se apega a coisas que não deveria. A uma boneca velha, a uma calça que não serve mais, a um amor que não nos faz bem. A gente tem em si essa certeza de que precisa daquelas coisas parar viver, porque afinal, vivemos tão bem com elas até ali. Não vivemos? Talvez. Mas a certeza das lembranças um tanto turvas ainda é melhor do que olhar para o precipício e ter que se lançar a ele.
Mas cá estamos nós, dançando na ponta dos pés, nos equilibrando para não cair. Achei que você fosse meu para-quedas. Em vez disso, você se tornou a mão que me empurra.
Então caí. Para o vazio, sentindo o vento cortar meu rosto, fechando os braços em torno de mim para me proteger do baque inevitável. Fechei os olhos, e então me questionei porque estava me privando da vista. Só há dois modos de encarar a queda: ela pode ser o impacto ao final, ou ela pode ser o vôo durante. Escolhi voar. Abri os olhos e os braços e fingi que voava. Tentei me lembrar de aproveitar a vista.
E planei. Descobri que a queda é longa, mas que pior que o mal estar na boca do estômago ao voar é estar sempre na ponta do abismo me preparando para cair. Sei que um dia encontrarei o chão, mas sei também que não há temor nessa certeza. De braços cruzados ou abertos, o baque final vai chegar — então, por que não aproveitar o caminho? É tudo que tenho, o aqui e o agora, as asas abertas e a paisagem correndo rápido ao meu redor.
No final, acho que te devo um obrigada. Não pelas promessas não cumpridas, não por me ferir, mas por me empurrar sem aviso. Porque sempre fui pássaro, mas ao seu lado, estaria para sempre condenada a viver em uma gaiola.