Falar de você não é fácil, mas eu vou tentar. Vou tentar porque preciso do desabafo, preciso sentir e colocar pra fora, porque nessas horas, só assim a gente consegue se desapegar.
A nossa história começou dezessete anos atrás.
Não vou falar de tudo o que aconteceu em quase duas décadas de convívio – foram muitas, pra nós duas. Mas posso dizer que tenho você na minha vida desde que me entendo por gente.
É engraçado como você era quase como uma base dessa nossa família. Muitos vieram e foram embora, mas você continuou. Forte, insistente, constante. Tão grudada na gente, que eu às vezes tropeçava em você, com essa sua mania de ficar nos seguindo pela casa.
Lembro que quando eu era pequena, às vezes fazia muito frio à noite e eu tinha medo de deixar você passando frio. Te pegava no colo, te encaixava comigo na minha cama, e dormíamos juntas até a mamãe me colocar de castigo na manhã seguinte. Quando a noite e o frio voltavam, eu fazia tudo de novo. Não podia te deixar ao relento, descoberta. Já pensou se eu acordo no outro dia e você morreu congelada? Nada disso. Te colocava na cama de volta.
Nunca vi ninguém mais forte. Já era uma senhora de idade, e nunca ficava doente. Caía às vezes, rolava degraus, nossa cachorrinha mais nova judiava de você, mas lá estava ela, firme e forte. Nada derruba essa daí, eu pensava. Mas a idade tem seu preço.
Te vi cegar aos poucos, e ir lentamente perder os outros sentidos. Quando os dentes começaram a cair, a gente cuidou pra que você tivesse o que comer, mesmo sem conseguir mastigar. Te peguei no colo e te carreguei pela casa quando você não conseguia mais levantar. Te mantive aquecida, te dei comida na boca, te prometi que ia ficar tudo bem. Mas a gente sabia. Você sabia.
Sou egoísta demais. Antes, queria que você fosse logo, pra não ter que te assistir sofrer. E agora que você foi embora, te queria de volta pra não ter que me despedir. Fazia tempo que você não me seguia mais pela casa, mas sinto falta de saber que você estava ali. Ter que lidar com a sua ausência é mais difícil que ter que lidar com o seu sofrimento.
Mas eu sei que é melhor. Eu sei que agora você está em algum lugar aí em cima, seguindo um anjinho, e brincando e correndo, e sei que você se conforta com as boas memórias tanto quanto nós aqui. O tempo aplaca o vazio que ficou pra trás, e logo, logo, pensar em você vai ser tão bom quanto reviver a minha própria história. Porque você foi parte dela – e sempre será.
Larissa,
praticamente não conheço você e tampouco sabia da existência de seu cachorrinho de estimação mas não consigo ler essas declarações sem me emocionar. Abraços, raqel
Esses bichinhos deviam ser proibidos de morrer, né? Perdi o meu grande companheiro há um ano, depois de 10 de convívio, muito amor e brincadeiras. Uma saudade tremenda.
Fica bem.