Primeiro Capítulo de Caçada

Eu prometi, não prometi? E aqui estou eu!

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Prólogo: Uma mudança
Eu não respirava. Eu não enxergava. Eu mal podia escutar. Como poderia ainda estar viva?
Cuspi uma bola de sangue e tentei respirar, desesperada, pela boca. Era difícil.
– O que está acontecendo? – perguntei. Ou tentei. Eu me sentia fraca, acabada, indefesa.
Engraçado. Eu estava morrendo pela segunda vez naquela semana, e só agora eu estava desesperada, mesmo sabendo que nunca antes eu estivera tão segura.
Ele não permitiria. Não importava o que acontecesse, ele não permitiria que eu morresse – não por definitivo, do modo como humanos encaram a morte. Ademais, era por ele, por nós que eu estava me sacrificando, porque era preciso.
E então, fechei os olhos de novo. Eu estava para passar para as antigas linhas inimigas, e eu não podia mais voltar atrás.
I: Transformada
Primeiro, tudo era sangue.
O mundo estava tingido de escarlate. Era a única coisa que eu conseguia ver quando abria os olhos. Sentia os braços de Jonas me segurando com força dentro da banheira da casa dele, enquanto eu me debatia e lutava contra a força da transformação.
Maldito! O que diabos ele estava fazendo comigo?
O cheiro do meu próprio sangue me nauseava, e eu dava fortes impulsos para frente quando sentia tudo me subir pela garganta – era como se meu próprio estômago estivesse tentando abandonar o meu corpo, como se eu estivesse colocando todas as minhas entranhas pra fora. Mal dava tempo de sentir o gosto de cobre e sal do meu sangue na boca, antes de vir uma nova onda de ânsia e sangue. Eu chorava uma mistura nojenta de lágrimas e glóbulos vermelhos, motivo pelo qual não conseguia enxergar. Não podia respirar, e logo desisti de tentar. E, aos poucos, tudo o que era vermelho tornou-se preto como a madrugada.
Eu estava morta, e disso eu tinha a mais absoluta convicção. Quando eu tinha me tornado assim tão estúpida? Entregando a vida, abandonando as crenças por alguém desta forma. Não era do meu feitio.
Claro que eu o amava. Jonas era meu ar, minha vida, minha razão e tudo o que eu queria para mim. Eu confiava nele e no amor que ele tinha por mim mais do que tudo. Se eu tinha que optar por viver sem ele ou morrer, eu morreria.
Mas eu morreria para tentar ficar com ele pra sempre? Não tinha muita lógica. Mas era exatamente o que eu estava fazendo.
Eu sentia como se estivesse vagando indefinidamente por lugar nenhum, onde não havia nada pra se sentir. Tantas vezes eu já havia estado próxima da morte, mas nunca antes daquele jeito. E, no entanto, eu ainda estava assim, tão consciente.
Foi quando a dor começou.
Não parecia que eu tinha corpo para sentir, mas eu sentia. Tão real e profunda, me corroendo. Como uma praga, ela pareceu penetrar pelas minhas entranhas e se espalhar, milímetro por milímetro, através das minhas veias, atingindo toda e cada parte do meu corpo, fazendo minha mente girar e gritar.
Ou talvez eu estivesse mesmo gritando. Não dava pra saber. Naquele transe, no meio termo entre a vida e a morte, nada fazia mesmo sentido. Quando aquilo iria acabar?
Isso se acabasse, é claro. As chances de que eu morresse – pra valer, como humanos normais que não tem conhecimento sobre monstros – eram grandes. E eu nem queria pensar no que seria de Jonas caso isso acontecesse. Seria inevitavelmente culpa dele.
Afinal, o que havia de errado em eu ter continuado humana? Eu e ele seríamos felizes de qualquer modo, só que com um tempo limitado. Quais eram os riscos, além do evidente de ele poder me matar por acidente a qualquer segundo?
Não, não, eu tinha que parar de pensar nisso, parar de jogar a culpa pra cima dele e de ser tão pessimista. Eu tinha feito uma escolha em nome do meu amor por Jonas e do que seria necessário pra que nós dois fôssemos felizes, além de cumprir uma promessa feita pro fantasma do meu antigo e falecido namorado Lucas. Eu não podia culpar ninguém além de mim mesma.
Ótimo. Mas e se eu morresse? O que viria então? Inferno, céu? Eu não tinha certeza. E Jonas se mataria, nos dando um desfecho trágico do tipo Romeu e Julieta? Clichê, mas eu realmente esperava que sim. Se eu estava abandonando tudo por ele, era justo que ele estivesse disposto a fazer o mesmo por mim caso o pior acontecesse.
Não sei quanto tempo se passou. Me habituei à dor, e ela à mim. Logo, o que era insuportável tornou-se tão parte de mim quanto a minha própria consciência. Foi quando eu soube que sobreviveria.
Em algum momento, passei a sentir de novo meu corpo. Não conseguia move-lo, mas podia senti-lo. Era como estar presa sob inúmeras correntes impossíveis de serem quebradas, mas ser capaz de sentir o peso delas sobre o seu corpo. Eu sentia as roupas que estava vestindo, e o cobertor que me cobria; sentia a corrente de ar, e, depois de algum tempo, comecei a escutar os pequenos ruídos ao meu redor.
Quando percebi os primeiros sons, não me dei conta da amplitude da coisa. Mas eu não conseguia focar minha atenção em nada em especial, e, logo, isso se mostrou um problema. Por alguma razão, eu escutava absolutamente tudo: desde o gato idiota de uma solteirona que morava na primeira casa da rua, até os roncos do vizinho da frente. Todos os sons existentes no mundo pareciam ecoar simultaneamente na minha cabeça. Era um inferno, e era incontrolável.
Para mim, pareciam se passar anos, e eu ainda não conseguia sequer me mexer. Irritada, resolvi treinar meu foco, minha concentração, começando pelas coisas simples: os sentidos. Me concentrei pelo que pareceram dias em eliminar todos aqueles barulhos insuportáveis da minha cabeça, me concentrando em algo silencioso como o ruído do ar circulando pelo quarto. Então todos os meus esforços foram voltados para a simples arte de conseguir mover um maldito músculo.
Era impossível. Como se tudo estivesse grudado e dormente, nem mesmo minhas pálpebras me obedeciam. Eu gritava mentalmente “mexam-se, seus idiotas”, mas era ignorada por cada uma das partes do meu corpo. Era exaustivo tentar. Mas, aos poucos, senti a tensão nos músculos das pernas se relaxar, como se eu tivesse passado os últimos meses dura como uma pedra. Estava enfim sentindo de novo o meu próprio corpo. Então meus ouvidos capturaram algo sem querer.
– Eu não posso deixar vocês subirem. – escutei. Um mero sussurro, mas muito claro – Ela está dormindo.
Dormindo? Eu estava morrendo! Eu sequer conseguia me mexer!
– Jonas, por favor! – ouço uma outra voz, a de mamãe, exclamar em tom de súplica. Parecia estar chorando.
– Já está quase acabando, Lia. – Jonas a assegura, mas eu não consegui acreditar nele – Só mais algumas horas. Menos até.
– Nós todos sabemos que ela não vai poder nos ver depois, Jonas! Por favor!
Aguardo por outra negação, mas ela não vem. Percebo que Jonas está hesitando. Ouço respirações ansiosas, batidas frenéticas de dois corações, passos. A dor começa a diminuir, sumindo ainda mais rapidamente do que havia surgido.
Os passos se aproximaram, ficando tão altos que eram quase insuportáveis nos meus tímpanos. A dor havia ido embora, mas esse não é o fato que me assombrava. Era a minha boca salivando, desejando.
Foi então que eu me dei conta de que estava viva. Talvez não viva no sentido literal da palavra, mas sentindo, escutando, esperando. Eu ainda mantinha os olhos fechados, mas minha visão era plenamente dispensável com tanto a se ouvir.
A maçaneta girou com tamanha lentidão que me deixou tonta. Em seguida, alguém empurrou a porta, cuidadosamente – provavelmente prevendo que eu estava dormindo -, de modo que o rangido era quase imperceptível, e uma rajada de ar entrou, no mesmo segundo em que eu resolvi respirar.
Era estranho. Não o ato de respirar em si, tão desnecessário – era como se eu inflasse meus pulmões, e então os deixasse murchar de novo, feito bexigas -, mas tudo o que eu senti naquele momento. E toda a minha percepção para cada odor separadamente. Meu primeiro gole de ar naquela… vida nova, e eu identificava tanto!
Primeiro, algo parecido com pó irritou minhas narinas. Em seguida, a madeira dos móveis, e os tecidos, cada um cheirando diferente, ainda que eu não pudesse especificar qual era qual. O perfume inconfundível de Jonas, misturado com algo que parecia carniça, mas bem mais fraco – cheiro de vampiro, meu cheiro. E então, algo infinitamente mais delicioso.
Só aí eu abri os olhos e me sentei, virada para a porta, que estava então aberta por completo. Mesmo no escuro, eu podia ver as três silhuetas perfeitas, paradas à minha frente. Meus pais, parecendo contentes em me ver, e Jonas, parecendo preocupado.
Respirei de novo, e dessa vez pude sentir o cheiro das lágrimas que haviam sido derramadas. Das roupas. Do sabonete que mamãe usara e do tão conhecido desodorante do meu pai, sempre o mesmo. O aroma que a pele deles emanava, e o sangue correndo por baixo dela.
O sangue! Doce, apetitoso, desejado. Me pus de pé. Minha boca tornou a salivar e a garganta ardeu como nunca, o estômago deu um nó. Perdi a razão e o controle e, num segundo, eu era aquilo em que tinha me transformado de fato: uma vampira sedenta. Dei um rugido baixo e senti minhas presas afiadas se colocando à mostra enquanto me preparei pra atacar.
Eles eram meus pais. Aqueles humanos que eu queria dilacerar eram a minha família, e eu sabia. Metade do meu cérebro gritava que aquilo estava errado, que eu não podia matá-los, mas a outra não se importava com nada que não a sede.
Então eu saltei, mas rápida, leve e graciosa do que jamais esperei, em direção a eles. E, pra minha ira e alegria – igualmente divididas nas duas porções do meu cérebro -, fui interceptada e segurada por Jonas, presa nos seus braços fortes.
– Me solte! – sibilei, com uma voz que não me pertencia. Rouca, feroz, cheia de ódio. Como um rosnado.
– Beni, somos nós! – mamãe exclamou, baixinho, e eu vi claramente cada passo em minha direção ser seguido de uma lágrima. A metade sã do meu cérebro gritou em agonia.
– Lia, é sério! – Jonas afirmou, meio ofegante, lutando para me manter enquanto eu me debatia. Eu devia estar forte – Vão embora! Ela não está em condições!
– Vamos! – meu pai chamou, e puxou mamãe para longe.
Eu já os tinha visto me olhar com todas as expressões, com todos os sentimentos possíveis. Raiva, culpa, arrependimento, amor, decepção, pena, alívio, dor. Mas nunca com medo, como agora. Pavor seria a palavra mais correta. Eles estavam apavorados.
Os passos seguiram pelo corredor, acompanhados de soluços e pulsar de corações agoniados. Aos poucos, o cheiro diminuiu, até só restar predominantemente o nosso, meu e do Jonas.
O frenesi durou somente tempo suficiente para o cheiro delicioso de sangue se dissipar no ar. Então eu me acalmei. Parei de lutar e deixei que Jonas me colocasse sentada de novo na cama, o braço ainda na minha cintura, esperando que eu surtasse de novo. Depois de relaxar, me dei conta do que havia feito e fechei os olhos, envergonhada de mim mesma.
Jonas me abraçou e afagou o meu cabelo. Eu sentia que estava a ponto de chorar, mas nada aconteceu, como se eu não pudesse derramar uma lágrima sequer. Nem isso eu podia fazer pra me redimir.
– Não foi culpa sua, Beni! – ele sussurrou, mas não me convenceu.
– Eu queria matá-los, Jonas! – afirmei, com agonia ao constatar isso em voz alta. Ao menos a minha voz tinha voltado ao normal – Meus pais, e eu os ataquei! E se você não estivesse aqui… que tipo de monstro eu sou?
– O meu tipo de monstro! – aquilo me fez rir pela primeira vez – Beni, eu tentei explicar a eles que o começo é difícil. Você tem que se acostumar ainda. Seus pais não vão te condenar por isso, eles sabem que faz parte de quem e do que você é agora, e respeitam isso!
– Eu sei…
– Então não se culpe. Eu vou estar com você, e vou te ajudar a se controlar. Não é tão difícil, você só precisa de tempo!
– Vou confiar em você!
Ficamos quietos, e então eu o olhei pela primeira vez atentamente com meus novos olhos.
Jonas ainda era a mais incrivelmente bela criatura deste mundo, mas minha nova e mais apurada visão me revelava detalhes que antes eu não poderia ver. Estiquei o braço até o abajur e o acendi, pra enxergar melhor.
A luz fraca e amarelada da lâmpada bastou pra que eu identificasse nele as marcas que resignavam o que ele era. Apesar do rosto perfeito, a pele de Jonas não era nem de longe o que eu costumava enxergar enquanto humana; não havia camadas, somente uma única e espessa e muito, muito mais dura e translúcida do que eu imaginava – a pele de um morto.
O azul de seus olhos era meramente uma fachada que ocultava íris vermelhas, profundas. Ao longo dos seus braços, marcas de guerra, invisíveis aos olhos humanos. Cortes, mordidas, feridas há muito cicatrizadas cobriam seu corpo até onde eu podia ver. Os lábios não tinham cor nem contorno, exatamente como o de um cadáver.
Mesmo assim, ele era lindo. Mas eu não podia deixar de me perguntar como eu estava aparentando.
– Onde tem um espelho? – perguntei, então. Jonas riu.
– Você não mudou muita coisa. – ele disse.
– O que não quer dizer que não tenha mudado nada! – contrapus. Ele pensou por um instante, depois assentiu. Pegou minha mão e me levou até o banheiro.
Infantilmente, Jonas tapou meus olhos enquanto abria a porta e me empurrava para encarar o espelho. Ele acendeu a luz, suspirou – embora eu não conseguisse entender por que, se respirar era desnecessário – e me deixou ver.
Claro que ele estava certo. A mudança tinha sido mínima, mas estava ali, tão evidente para mim!
Começando pelos meus olhos. De castanho-mel, passaram para vermelho-sangue, graças à sede que me consumia. Minha pele estava mais branca do que de costume, mas nem de longe tão pálida quanto a de Jonas. Também como a dele, era uma única e grossa camada, que parecia muito mais dura do que era de fato quando a toquei.
Meus cabelos me assustaram mais. Desde bem antes, eles eram lisos e curtos, na altura dos ombros. Mas agora pareciam ter crescido de modo descontrolado. Me virei de costas e, pelo meu reflexo, constatei que meus fios cor de mel já estavam alcançando a minha cintura, como se tivessem crescido tudo o que podiam enquanto eu dormia.
– Como isso aconteceu? – perguntei, impressionada. Jonas estava sorrindo, e eu quase podia ver suas presas.
– Deve ser algum efeito da transformação. – me respondeu, passando os dedos distraidamente pelo meu cabelo – Você pode cortá-los, eles não vão mais crescer. Mas, honestamente, eu prefiro desse jeito.
– Hm… – murmurei. Estava realmente mais bonito. Talvez eu o deixasse assim.
Mas, no momento, outra coisa me preocupava. Aquela queimação na garganta e o desconforto no estômago desde a chegada dos meus pais. A sede, ficando cada vez mais difícil de segurar.
– Você está com sede, né? – Jonas me perguntou. Eu dei de ombros.
– É…
– Eu vou te levar pra caçar!
A idéia era, ao mesmo tempo, tentadora e repulsiva. Fiz uma careta.
– É estranho, não? – Jonas indagou, lendo minha expressão e minha mente.
– Eu fui a vítima tantas vezes! – exclamei – Eu não consigo suportar a idéia de que desta vez eu é quem vou matar alguém! É horrível!
– Esta é a ordem das coisas, Beni! Animais comem plantas, humanos comem animais, nós comemos humanos. É como tem que ser.
Nada do que ele dissesse faria minha cabeça. Ainda era nojento. Mas não tinha outro jeito.
– Então vamos.
Sinto muito, mas é só! ;D
Quem sabe, se eu esgotar todos os volumes de Vermelho Sangue disponíveis nesse momento, eu dê a vocês o gostinho do segundo capítulo!
Super beijo!

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