Conto: Meu Passado me Condena (parte II)

Antes, leia também:

Parte I

Eis o meu pensamento profundo do dia:
Pais não servem pra dar sugestões.
Porque o meu simplesmente resolveu que eu não devia ficar olhando pras paredes da casa nova no meu primeiro dia, e sugeriu que eu e Victor fôssemos dar uma volta, pra eu relembrar os velhos tempos e mostrar a cidade a ele.
O pior foi que eu não tive como escapar disso. O Victor pareceu perfeitamente confortável com a idéia, e eu certamente levantaria todas as suspeitas do mundo se dissesse que não queria ir. Além de soar completamente ridícula se eu dissesse toda a verdade: que eu não queria ir porque não queria encontrar ninguém.
Porque, afinal, quem não quer encontrar velhos amigos?
Bom, eu não quero. Eu me virei muito bem sozinha esses últimos anos sem eles. ELES, leia-se bem.
Ainda assim, lá estava eu, numa tarde quente típica de Araçatuba, rondando o bairro e tentando forçar minha memória a reconhecer por onde eu estava passando. A verdade é que eu me lembrava das casas mais antigas, mas as ruas, os carros, as pessoas, tudo parecia tão diferente!
Então, andando e andando, nós acabamos de frente ao Colégio Bom Pastor.
Que era apenas a escola em que eu havia estudado a vida inteira antes de prestar vestibular e sair correndo.
E quando eu parei e fiquei olhando as paredes ainda tão iguais do lado de fora, Victor me deu um sorriso meigo.
– Você estudava aqui. – ele adivinhou. Eu assenti.
Na minha cabeça, uma centena de coisas estava passando como um filme. Momentos engraçados, momentos felizes, momentos de desespero, momentos…
– Ainda é igual ao que eu me lembro. – eu disse, tentando puxar pra fora do filme da minha vida certas cenas que eu não achava legal ficar lembrando.
– Se não fosse feriado, a gente conseguiria entrar! – Victor exclamou, e eu dei de ombros.
– Tanto faz. Acho que seria pior se a gente entrasse.
Ele me olhou com uma cara confusa, mas antes que pudesse perguntar por que, eu vi alguém surgindo atrás dele.
Alguém de cabelos cacheados enormes e tingidos de ruivo, com uma camiseta vermelha que dizia BLOCO DAS FANFARRONAS em letras amarelas, e um shorts tão curto que marcava o que não devia.
Eu sabia que não devia ter vindo!
– AH, CACETE! – a garota gritou, parando logo atrás do Victor, que virou correndo de susto – KARINE MEDEIROS, EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ VOLTOU, SUA CRETINA!
É, oi pra você também!
Mas eu estava do lado do meu namorado, e por mais que eu quisesse cavar um buraco no asfalto e enfiar minha cabeça fundo o bastante pra achar uma mina perdida de ouro, eu apenas sorri e fingi surpresa.
– Anita! – eu exclamei, abrindo os braços. Ela me deu um abraço fedendo a suor, cigarro e cerveja – Caramba, quanto tempo!
– Sua piriguete, achei que nunca mais fosse te ver! – então lançou os olhos maquiados pra Victor – E quem é esse pedaço de mau caminho?
– É o Victor, meu namorado. – respondi, com um sorriso envergonhado pra ele. Victor apenas riu de volta.
– NAMORADO O MEU CU! – Anita gritou de repente, causando meu coração disparar – Se você ta namorando, então eu dei pro Gabriel! Você lembra do Gabriel, né?
– O que você tem feito desde que terminou o colegial? – resolvi perguntar, quase tremendo, com medo de que a situação ficasse, bem, ainda PIOR do que já estava.
– Ah, eu estou trabalhando como recepcionista num hotel. – de repente, ela puxou um cigarro do que eu esperava ser o bolso de trás do shorts e o acendeu – Paga uma mixaria! Agora sério, bisca, por que você não avisou que estava vindo? Eu ia juntar toda a galera se eu soubesse!
Talvez seja porque eu estava tentando evitar justamente isso?
Ok, ela está bêbada. É perdoável.
– Sério, você tem que aparecer no Yacht Clube, ta tendo uma festa louca lá, vai durar o carnaval todo! – Anita continuou, entre tragadas de cigarro e jogar fumaça na nossa cara – Está demais. Prometa que vai aparecer!
– Eu vou tentar. – menti. Eu não tinha nenhuma intenção de passar a menos de dez quilômetros daquele clube.
– Eu te vejo lá! Te adoro!
Então se foi, trançando as pernas.
E eu troquei um olhar nervoso com Victor, já começando a andar.
Eu estava errada. Encontrar a parte feminina do meu passado também não era nada legal.
– Quem era essa? – Victor quis saber. Por que é que todo mundo fica curioso quando pessoas aparecem gritando na rua? Ele podia ter guardado as perguntas!
– Ah, Anita. – eu respondi, com um sorrisinho amarelo – Eu estudei com ela no colegial.
– Wow, ela xinga todo mundo assim mesmo?
“Só quando ela sabe que está falando a verdade”, eu pensei. Mas ao invés disso, eu disse:
– É. Mas ela estava meio bêbada.
– Muito bêbada! – ele riu – Por que ela não acreditou que você estava namorando?
– Ah, você sabe que você é o meu primeiro namorado. – tecnicamente, acrescentei mentalmente.
– Ah, é. Timidez, né?
– É.
Eu vou pro inferno quando eu morrer. Eu vou pro inferno e vou assar até virar churrasquinho pra pagar todas as mentiras que eu conto.
Mas como eu poderia contar a verdade a ele?
Então eu apenas continuava mentindo.
Voltamos pra casa enquanto eu queria me enterrar viva.

[continua…]

2 thoughts on “Conto: Meu Passado me Condena (parte II)

  1. Hhaha
    poxa, eu estava acreditando que a Karina era uma good girl… Mas bem, o titulo é sugestivo… Só que nem tinha parado pra pensar nessa questão do 'namorado' sério!!!
    Tadinho do Victor, so naïve! Hahaha
    Aguardando os proximos….

    bjss
    Hey Evellyn!

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