Conto: Meu Passado me Condena (parte III)

Leia antes:
Parte I
Parte II

Almoço.
Eu, meu pai, Victor e Mãe Idira estávamos à mesa.
Eu estava torcendo pra meu pai não fazer nenhum comentário sobre os tempos de colégio. Nenhuma pergunta do tipo “ela te contou de quando comprou briga com a professora na sétima série?” pro meu namorado, porque aquele era o tipo de coisa capaz de arruinar a imagem que eu tinha criado pro Victor.
Pelo menos Mãe Idira me entendia. Ela já tinha captado muito bem a mensagem de que, pro Victor e até pra mim mesma, a Karine era uma garota simpática, calma, tímida, esforçada e carinhosa. Durante todo o dia, eu tinha feito o máximo pra fazer meu pai entender isso também.
Mas aparentemente o receptor de mensagens mudas dele está quebrado.
Deve ser por isso que eu não tive (muita) vontade de gritar quando ele respirou fundo e perguntou, olhando do Victor pra mim:
– E ai, o que vocês fizeram até agora?
Mas eu não tive tempo de responder. Na verdade, eu mal pude abrir a boca, porque enquanto eu pensava num jeito bom de colocar as coisas, meu namorado sorriu e respondeu, com aquele poço de educação que lhe cabia:
– Andamos pela cidade, fomos até a escola da Karine, e encontramos com uma amiga dela do colégio.
Nessas horas é bom ter um namorado que não gosta de falar. Mas ao invés disso, eu me apaixonei bem pelo mais extrovertido, educado, paciente e adorável garoto dentro do campus da minha faculdade. Em momentos desesperadores, eu quase me arrependia pelo meu coração tê-lo escolhido. Quase.
– Ah, é mesmo? – meu pai disse, animado. Eu lancei um olhar desesperador na direção de Mãe Idira, mas ela tinha se levantado pra pegar água – Quem?
– Ana… Aninha… amor, qual era o nome dela?
Por que ele tinha que me trazer pra dentro daquela conversa?
– Anita. – respondi, tentando não ficar vermelha. De raiva ou de vergonha eu já não sabia bem.
– Anita Martins? – meu pai me perguntou. Eu concordei com a cabeça – Aquela moça é uma perdida. Dizem por ai que só vive em festas e bebendo, que chega a cair na rua, vergonha da família!
– Ela realmente não parecia muito bem. – Victor concordou, antes de pegar mais um pouco de feijão.
– E no colégio não era nada melhor! – meu pai continuou – Eu nunca entendi como você conseguiu ser amiga dela. Um mau exemplo daqueles. – e olhou pra mim.
Ah, pai, se você soubesse…
Mas então, Mãe Idira veio ao meu resgate, sentando à mesa e perguntando:
– Gostou da comida, Victor?
– Muito boa, Idira. – ele sorriu.
Mas meu pai tem sérios problemas em manter-se quieto. Ele mudou o rumo da conversa, contudo, pra minha felicidade.
– E o que vocês pretendem fazer hoje à noite?
Eu e Victor nos olhamos. Ele deu de ombros.
– Não planejamos nada. – meu namorado respondeu por nós dois. Então meu pai resolveu que sugerir seria uma boa idéia e soltou:
– Por que vocês não vão na festa de carnaval do Yacht Clube? – ele disse. E eu desejei afundar a cabeça no lugar mais próximo – Dançar, encontrar seus amigos? Aposto que tem um monte de gente que você quer que o Victor conheça.
Ah, não, na verdade.
– Eu não sou muito de dançar. – murmurei, só pra descobrir que meu pai se lembrava de algumas coisas que ele não deveria.
– Você adorava dançar quando era mais nova! – ele apontou. Ruborizei, mas mantive os olhos fixos no meu prato.
– Nós estamos cansados da viagem. Acho que seria melhor ficar em casa. – tentei de novo. Mas dessa vez, foi Victor quem me cortou.
– Eu posso agüentar. Não estou tão cansado assim. – ele disse, com um sorriso que só quem pensa que está agradando consegue dar – E vai ser legal encontrar seus amigos. Você não você ninguém há tanto tempo, tenho certeza de que você está com saudades.
Quase engasguei com essa. Dei uma tossidinha, e engoli. Tentei pensar em algo pra dizer, mas não conseguia. Eu não queria que parecesse que eu estava fugindo de alguma coisa – porque eu estava. Fugindo aos gritos, na verdade. Fugindo pra sempre, ou enquanto eu pudesse.
De preferência pra sempre.
Então eu respirei fundo, forcei um sorriso e concordei, dizendo:
– Então vamos. Vai ser legal.
Na verdade não vai ser legal. Não vai ser nada legal. Eu tenho certeza absoluta.

[continua..]

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