Recomeçar – Parte IV

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Parte I
Parte II
Parte III


Acordei com o barulho da Ingrid mexendo no computador. Abri os olhos lentamente, e então os fechei de novo, porque tinha luz demais na minha cara.
Que horas são, eu tentei perguntar. O que saiu foi algo como:
– Cuawowasoooo?
A Ingrid olhou pra mim e rapidamente apagou a tela do computador.
Mau sinal, mau sinal.
– Cara, você ta mal! – ela exclamou, me olhando como quem quer muito, muito mesmo dar risada, mas não pode. Eu levantei, bocejei e me espreguicei por uns dois minutos, e então eu pude falar:
– Que horas são?
– Duas da tarde.
– Nossa! – pus as mãos na cabeça, que doía e girava loucamente – To com uma dor de cabeça do inferno!
– O nome disso é ressaca! – ela se levantou e saiu, fazendo sinal pra que eu a seguisse – Não me admira, depois de tudo que você bebeu.
Ela seguiu pra cozinha, e eu espiei a sala. Não tinha mais ninguém lá. A Ingrid parou com um copo e uma garrafa de água na mão e me olhou.
– Relaxa, já foi todo mundo embora.
Ela me serviu um copo de água gelada e me passou um comprimido. Enquanto eu tomava, aquela expressão debochada voltou pro rosto dela, e ela respirou fundo umas três vezes, como se quisesse falar alguma coisa, mas sem saber como.
– Você lembra de alguma coisa da noite passada?
PÉSSIMO SINAL, PÉSSIMO SINAL.
– Ahn… não muito. Por quê?
– Olha, não briga comigo, ta? Tava todo mundo muito louco, e alguém teve essa idéia de…
Ai meu Deus, AI MEU DEUS!
– …gravar enquanto você falava, e vou te contar, você falou cada coisa…
– Me mostra isso JÁ! – mandei, colocando o copo na pia. A Ingrid estava segurando o riso de tal forma que estava ficando vermelha.
Fomos pro quarto, e ela ligou de novo o monitor do computador. Logo de cara, eu já vi a minha própria imagem, sentada no sofá da sala ao lado do Gustavo, com uma garrafa de cerveja na mão, parecendo uma mendiga louca, dessas que passeiam pelo centro da cidade. Imediatamente, quis morrer.
Então ela deu play, e eu senti todo o meu restinho de dignidade se esvaindo.
– Fala ai o que você tava falando antes, Babi! – a voz da Ingrid pediu, a câmera tremendo nas mãos dela.
– AAAAAAAAAAAAAH, nããããão, nããããão! – uma versão bizarramente bêbada de mim gritou, feito uma criança, e se escondeu no Gustavo.
EU ME ESCONDI NO GUSTAVO! TIPO ABRAÇADA NELE!
Ai Jesus!
– Fala, porra! – era a voz do Marquinhos. Mil risadas explodiram logo em seguida, e eu fui a mais escandalosa.
– Eu só falei que AGORA EU TO SOLTEIRA E NINGUÉM VAI ME SEGURAAAAAAAAAAAAAAAAAAR! – berrei, no ritmo daquela música de funk horrorosa.
Todo mundo gritou e brindou comigo.
– Aaaaaaaaaaaaaaaaaai, vocês são meus melhores amigooooooos! – eu continuei falando, e a cada segundo que assistia aquela cena patética, eu tive vontade de morrer mais e mais – Eu tava tãããão sozinhaaaaaaaaa e se não fosse vocêêês eu não sei o que eu ia fazeeer! MANDA OUTRA BREJA MARQUINHOOOOOOOOOOOOOOOS!
– Ingrid eu vou matar você com as minhas próprias mãos! – eu gritei pra minha amiga, enquanto ela se matava de rir às minhas custas. Apertei o pause e fechei o vídeo, absurdamente envergonhada.
– Calma que tem mais!
– COMO ASSIM TEM MAIS?
Ela clicou e abriu outro vídeo. Dessa vez eu estava brincando de twister com a Julieta.
Eu citei que eu estava brincando de Twister usando minissaia?
– Putaquepariu, como eu vou chegar naquela bolinha? – eu falei, mas não era bem pra isso que eu, ali na frente do computador, estava olhando.
Estava olhando pro Gustavo, no canto da tela, que parecia perfeitamente sóbrio enquanto encarava a minha bunda.
O meu eu da tela ficou com a bunda todinha empinada pra cima pra conseguir colocar uma das mãos na bolinha vermelha. Então, de cabeça pra baixo, eu olhei falei:
– Iiiiiiiiih, o Gugu ta vendo a minha calcinhaaaaaaaaaa!
De novo, desesperada, eu fechei o vídeo.
– Não quero ver mais nada! – sentei na cama da Ingrid, abismada – Meu Deus do céu, o que foi isso?
A Ingrid, é claro, estava se acabando de rir.
– COMO EU NÃO ME LEMBRO DISSO? – gritei. Ela veio e se sentou do meu lado.
– Babi, meu amor, você nunca bebeu, é natural. – a Ingrid riu mais um pouco – O pessoal te adorou! Já estamos marcando pra semana que vem!
– Você pirou? Como eu vou sair com eles de novo depois desse vexame?
– Babi, todo mundo já deu vexame, alguns muito piores! Relaxa, ninguém vai te zuar por causa disso.
Claro. Ta legal.
Mas aquilo iria ser pra sempre a vergonha da minha vida.
Naquela semana, eu sai pra procurar emprego.
Era fim de ano, portanto, conclui que qualquer coisa provavelmente serviria. Fui até o shopping mais próximo de casa e me candidatei pra todas as vagas de empregos temporários que eu pude arranjar.
Se eu havia aprendido uma coisa no tempo que havia passado, era que me ocupar era a melhor maneira de fazer com que o coração não doesse. Toda vez que eu não tinha nada pra fazer, me pegava pensando no Jorge. Toda vez que eu pensava no Jorge, me coração parecia apertar de uma maneira que o fazia doer por horas. Eu me enterrava no sofrimento, e ele doía mais. Um ciclo infinito pro qual eu não queria estar disponível.
Fui chamada de volta por várias lojas, e tive a imensa sorte de conseguir emprego de empacotadora de presentes – olha só o ponto a que a gente chega! – numa loja de sapatos. Um emprego que realmente não paga muito bem, e que me garantiria ocupação das 13h até as 22h direto, de segunda a domingo, com direito a uma folga por semana que eu não pretendia usar.
Estava ótimo. E lá fui eu, toda feliz pro meu primeiro dia de trabalho.
Anderson, o gerente da loja, me deu uma camiseta pra vestir, um crachá, me deu as boas vindas mais secas que eu já recebi na vida, e me mostrou onde estavam todos os materiais. Não me apresentou a ninguém da loja e rapidamente me mandou assumir o meu lugar, porque a loja estava lotada. Eu fui.
– Olha só quem está aqui! – é a primeira coisa que eu ouço.
Olho pro lado e quem eu vejo no caixa?
O Gustavo.
Eu fiquei imediatamente tão vermelha quanto é humanamente possível, e me perguntei de onde eu tinha tirado aquela merda daquela idéia afinal. Eu ia me demitir AGORA MESMO!
O Gustavo não deve ter percebido o quanto eu fiquei totalmente chocada/abismada/envergonhada, porque tudo o que ele fez foi sorrir pra mim – e Deus pareceu jogar um holofote sobre aquele sorriso, que brilhava como se ele pertencesse a um comercial de creme dental – e vir me dar um abraço.
UM ABRAÇO!
DE ONDE ELE TIROU QUE EU MERECIA UM ABRAÇO, MEU DEUS?
Eu retribui. Porque, afinal, o que mais eu podia fazer?
– Tudo bem com você? – ele me perguntou, como se a gente se conhecesse a séculos. Eu fiquei sem ação, muda.
Então fui salva por um cliente! Graças a Deus!
Ele atendeu uma senhora com a mesma simpatia com que estava me tratando. Eu não lembrava de ele ser tão legal no dia em que…
Ah, é claro que eu não me lembro. Porque eu bebi horrores. E paguei todos os piores vexames NA FRENTE DELE.
Como eu ia trabalhar ao lado daquele cara?
Ele repassou duas caixas de sapato pra eu embalar, e me deu uma piscadela. Eu teria morrido mais, se isso fosse possível, mas não acredito que fosse. Fiz aqueles que deveriam ser os dois piores pacotes de presente que alguém já fez na vida, e a senhora olhou feio pra mim antes de se despedir com doçura do seu caixa preferido.
Com o caixa livre, ele se virou pra mim com aquele sorriso absurdo mais uma vez e me disse:
– E então, tudo bem?
Pausa pra processar uma resposta. Dez… nove… oito…
– É… primeiro dia de trabalho. – foi o que eu disse. Não era nem uma boa resposta, mas ele sorriu.
– É duro. Não sabia que você ia trabalhar aqui! A Ingrid não me falou nada!
– A Ingrid nem sabe.
– Ah, ta.
Outro cliente. E uma fila gloriosa atrás deste.
Fui salva pela próxima meia hora.
O dia inteiro, tudo o que eu fiz foi dar respostas vazias pro Gustavo. Eu não conseguia ficar perto dele. Fosse pelo fato de que o metro e noventa e os ombros largos dele me intimidavam, ou pelo modo como o sorriso colgate se encaixava bem naquele rosto de olhos escuros e cabelo marrom chocolate, ou pelo fato de que eu estava com a maior vergonha da minha vida, eu não conseguia olhar pra ele sem corar e desejar estar morta.
No fim do dia, eu resolvi que precisava pedir desculpas pra ele com urgência. Não ia conseguir viver daquele jeito, e não estava afim de procurar outro emprego. Então, no fim do expediente, quando a loja estava fechando e não havia praticamente mais ninguém exceto eu, ele, o gerente e alguns vendedores que não estavam prestando atenção. Eu me virei e pus a mão no braço dele.
Foi como um choque elétrico, e eu corei mais do que qualquer coisa. Ele olhou pra mim de imediato, como se estivesse esperando por isso. Eu travei pelo segundo em que os nossos olhos se encontraram, e me lembrei então do que eu precisava fazer.
– Eu… eu queria te pedir desculpas.
Precisei de um minuto inteiro pra falar isso, porque estava gaguejando. Ele me olhou ainda mais fundo – se é que isso era possível – e sorriu como se eu fosse a coisa mais fofa do mundo. O que, é claro, fez com que eu corasse ainda mais.
– Pelo que?
– Pelo vexame aquela outra noite. – onde tem um buraco? Quero me enterrar AGORA – Eu falei e fiz umas coisas absurdas, e você teve que aguentar uma Babi bêbada enquanto isso…
– Bom, a Babi bêbada é bem divertida. Eu não me importaria se tivesse que aguentar ela de novo.
– Ah… – eu estava pegando fogo de tanto corar àquela altura do campeonato – Eu sou bem mais legal sóbria. E bem menos desagradável.
– Eu adoraria conhecer esse lado da Babi que não termina vomitando na minha calça. Deve ser interessante.
– Eu vomitei na sua calça? – eu perguntei, de imediato, apavorada. O Gustavo riu.
– Não, calma, relaxa. – ele gargalhou, e eu quase acompanhei. Mas a visão daquele sorriso ofuscava a minha capacidade de rir – Então, sei lá, acha que é capaz de se manter sóbria enquanto joga boliche?
– Vou fazer tantos strikes que você é quem vai ter que encher a cara!
– Ok. Sexta a gente resolve isso depois do trabalho.
Dito isso, ele me lançou mais um sorriso destruidor, e foi embora.
E só depois foi que eu me toquei que ele tinha acabado de me chamar pra sair. E que eu, sem perceber, tinha aceitado.
Ai meu Deus!

2 thoughts on “Recomeçar – Parte IV

  1. MEU DEUS BABI! SUA SUA SUA SUA! AAAFE
    ~le Maria surta e pula e descabela~
    URGH. Tá bom que ficou bêbada, tirando essa parte, PORRA GURIA!! *o* LARGA E NÃO SOLTE O GUSTAVO!*0*

    estou abalada agora…. vou ali chorar minha forever alonidade. kkk

    LARI parabéns, menina!! *_* gamei demais! Dx Tadinha de você que aguenta meus surtos! kk

    Beijão!

  2. Larissaaa, é impressionante como seus contos se encaixam em momentos da minha vida! hahahaha
    o conto é muito bom, como tudo o que vc escreve, sou fã (meio fantasma, mas sou). eu só podia ter a mesma sorte da Babi, ne, mas vida real é fogo…

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