[CONTO] Te Ver de Novo – Parte II

Se você ainda não leu a primeira parte deste conto, leia clicando aqui.

– Rafaela, me deixa entrar! – Cadu gritava, batendo insistentemente na porta. Eu encarava o teto com os olhos inchados de tanto chorar e o terceiro cigarro aceso pendendo entre os dedos.
– Vai embora! – gritei de volta – Eu nunca mais quero te ver!
– Gatinha, você não acha que está exagerando?
– Exagerando? – ri de um jeito psicótico e balancei a cabeça, me esquecendo de que ele não podia me ver – Você ainda não me viu exagerando, Carlos Eduardo.
– Você nem sabe o que aconteceu!
– Ah, não? Deixa eu te contar o que aconteceu. Aconteceu que você marcou de sair com uma vagabunda. Aconteceu que ela te mandou uma mensagem pra perguntar se tava “tudo em cima pra amanhã”. Aconteceu que você esqueceu o seu telefone comigo!
– Rafaela, a Jéssica…
– NÃO FALA O NOME DELA!
– É minha prima.
Me sentei tão rápido que me senti tonta. Prima? Nós namorávamos há quase três anos. Eu me lembraria de uma prima dele.
– Eu não conheço nenhuma prima sua chamada Jéssica. – falei, calmamente, com total desconfiança. Cadu suspira antes de me responder.
– Ela é lá de Araraquara. Eu mesmo não vejo ela desde antes de a gente começar a namorar. – uma breve pausa, e então continuou – Você está fazendo um escândalo porque eu vou rever uma prima que por algum milagre está vindo pra cá. E você nem me deixou explicar. Prima, Rafaela, minha prima.
Silêncio. Subitamente sinto todo o ódio ser lavado por uma sensação de pura vergonha. O que eu estava fazendo?
Por um bom tempo, ninguém diz nada, e meu coração acelera quando me dou conta de que ele pode ter ido embora. No lugar dele, eu teria ido. Eu era ridícula, patética. Cambaleando, fui até a porta e encostei o ouvido na madeira, esperando ouvi-lo do outro lado.
– Você ta aí? – perguntei.
– Uma hora dessas eu vou embora de verdade quando você mandar e aí você realmente nunca mais vai me ver.
Havia tanta certeza na sua voz que minha garganta subitamente se fechou. Não podia imaginar viver sem ele. Não queria imaginar. Me sentei encostada na porta e fiquei me perguntando se aquela possibilidade doía nele tanto quanto em mim.
———
– Ta pensando em quê? – Cadu me perguntou, e me assustei ao perceber que já devia estar perdida em devaneios há alguns minutos.
Olhei pra ele, tentando decifrar algo por trás do seu olhar interessado. Desde o início, eu havia tido a impressão de que havia mais em Cadu do que seu rostinho honesto deixava transparecer. Na minha cabeça, ele sempre tinha sido um exímio mentiroso, capaz de me fazer acreditar no que quisesse se contasse as coisas do jeito certo. Meu medo de perdê-lo era tão grande que eu não era capaz de confiar em ninguém além de mim mesma.
Hoje eu percebia que tudo não passava de paranóia. Cadu nunca tinha me enganado. Eu tinha enganado a mim mesma, continuamente.
– Em como isso tudo é surreal. – respondi. Não era de todo mentira. Eu estava mesmo refletindo um pouco sobre isso.
– Isso tudo o quê? – ele sorriu. Seu sorriso fez meu coração acelerar, e eu me remexi na cadeira, incomodada.
– A gente se encontrar. Aqui. – olhei em volta, e quando voltei a olhá-lo, percebi que fazia o mesmo – Justamente aqui.
– A gente viveu bons momentos aqui, né?
Tentei não pensar no quanto o seu olhar parecia feliz, nostálgico. Tentei não sentir o arrepio percorrendo a minha espinha. E mais do que tudo, tentei não me lembrar. Por anos, tinha me concentrado nas memórias ruins daquele tempo, nas lembranças capazes de me fazer aprender. Eu não me permitia sofrer por Cadu porque o nosso relacionamento só tinha me feito mal. Eu não me permitia amá-lo porque aquele amor me corroia. Me ater ao que o nosso tempo tinha de pior me servia de lembrete pra nunca mais ser aquela garota.
Mas ele estava certo. Tínhamos vivido bons momentos naquela lanchonete. Parecia outra vida agora.
[continua]

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