[CONTO] Te Ver de Novo – Parte III

Antes, não deixe de ler:

Parte I
Parte II

– Meu deus, cadê o garçom? Eu vou acabar comendo a mesa! – reclamei. Eu sempre saía da aula morta de fome. Naquela sexta-feira, Cadu tinha me convidado pra almoçar numa lanchonete há poucas quadras do nosso colégio.
– Calma, gatinha! – ele riu, e ruborizei. Já estávamos juntos há quase um mês, e ainda não estava acostumada com a naturalidade com que ele me chamava de “gatinha”.
– Foi mal. Fico nervosa quando to com fome.
– Então é melhor eu deixar pra te perguntar o que preciso perguntar depois que você estiver de barriga cheia.
Parei. Perguntar? O que ele precisava me perguntar?
– O que é? Pode falar. – eu disse, tentando acalmar a ansiedade que já me subia à cabeça.
– Eu não. Vai que eu falo e você tenta me arrancar o braço com os dentes. – ele brincou, mas eu já estava séria.
– Fala, Cadu!
Ele me encarou por um minuto com aquele sorriso brincalhão pendendo no rosto bonito. Então respirou fundo e disse:
– Não é nada de mais. Só quero saber se você não ta afim de namorar comigo.
Nada de mais. Nada de mais. Era tudo de mais!
Ao invés de responder, me inclinei sobre a mesa e o beijei, pegando-o de surpresa. Fiquei ali até minhas costas começarem a doer, e só então voltei a me sentar. Estava todo mundo olhando pra gente.
– Isso foi um sim? – ele me perguntou, meio atordoado.
– Isso foi um “claro”.

————

– É. Tivemos mesmo. – concordei lentamente, balançando a cabeça.
– Bom, melhor chamar o garçom, senão daqui a pouco você tenta arrancar o meu braço com os dentes. – Cadu brincou, e eu prendi a respiração. Será que de todas as lembranças, ele estava pensando no mesmo que eu?
– Eu não faço mais essas coisas. – falei, tentando soar bem humorada quando, no fundo, estava apenas sentindo vergonha – Eu mudei.
Cadu me olhou e não respondeu.
– Como vai a sua família? – ele me perguntou, e percebi que estava só arranjando desculpas pra manter o silêncio longe. Agradeci silenciosamente por isso.
– Todo mundo bem. – respondi, dando de ombros – Meu pai continua trabalhando de taxista. A minha mãe abriu uma doceria…
– Eu sei. – Cadu me interrompeu – Eu parei lá um dia desses. Por acaso, sabe? Eu vi a sua mãe atrás do balcão, mas ela estava no telefone.
– Ah…
– E o Eduardo? – quis saber, se referindo ao meu irmão mais novo. O Edu era cinco anos mais novo que eu. Na época em que eu e Cadu começamos a namorar, ele o idolatrava. Via em Cadu um herói, o irmão mais velho que sempre quisera ter. Sempre brigava comigo quando eu brigava com o Cadu.
– Ele se forma esse ano no colégio. – falei, sorrindo – Disse que vai prestar vestibular pra economia. Ta até namorando.
– Caramba, já?
– Pois é.
– Como o tempo passa rápido! Parece que foi ontem que…
Cadu se deteve antes que falasse demais. Deixou a frase morrer e rapidamente desviou o meu olhar.
Mentalmente, completei a frase de várias maneiras, todas as quais eu podia ouvir saindo da boca dele. O silêncio se prolongou na compreensão, e só percebi que estava segurando a respiração quando lentamente soltei o ar e concordei num sussurro:
– É. Parece.

————

Os fogos enchiam o céu de luz e fumaça. O barulho ensurdecedor dos estouros se misturava ao das ondas e aos gritos de centenas de pessoas à nossa volta. Enquanto a família dele corria e brindava, me contentei em ficar sentada na areia, com a cabeça encostada no peito de Cadu.
– Feliz ano novo, gatinha. – ele disse no meu ouvido, e me deu um beijo estalado no rosto.
– Feliz ano novo. – me virei e o beijei. Seu beijo doce, familiar, calmante, curativo – Obrigada por passar mais um ano comigo. Eu sei que às vezes eu não te mereço…
– Não fala assim! – ele exclamou, mas eu continuei.
– Mas eu vou mudar. Eu te prometo que vou mudar. Vou fazer tudo diferente esse ano, você vai ver. Vou merecer estar do seu lado, todos os dias.
– Eu te amo muito, sabia?
– Não mais do que eu amo você.

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