Leia primeiro:
Nosso último ano novo juntos era uma memória particularmente dolorosa. Tinha sido incrível. Como em todas as viradas de ano, eu acreditava com todas as forças que iria ser diferente, que podia mudar. Não queria arriscar perdê-lo.
Mas, como todas as promessas de ano novo, aquela se foi com as ondas do mar, tão vazia quanto qualquer outra. Não mudei. Não mereci. E antes mesmo de o ano acabar, ele tinha me deixado.
– E como andam as coisas com você? – Cadu perguntou, me trazendo de volta à realidade. O garçom enfim apareceu e anotou nossos pedidos. Só então pensei numa resposta.
– Bom… – bufei. Era uma pergunta difícil. No geral, a minha vida estava boa. Mas naquele momento específico, dizer que tudo estava bem me parecia uma mentira deslavada. Eu sentia que estava desmoronando – To terminando a faculdade. To trabalhando. Comprei um carro. Vou viajar pra Buenos Aires nas próximas férias.
– Parece que vai tudo bem.
Assenti, e por um segundo ponderei se deveria perguntar como andava a vida dele. Eu não tinha certeza se queria saber a resposta. Não queria ouvir como ele estava muito melhor sem mim, ou como tudo tinha dado certo no final. Mesmo que ele merecesse. Mesmo que pra mim tudo tivesse se ajeitado.
Mas era egoísmo demais, então perguntei. Cadu deu de ombros e disse que tinha feito um ano de intercâmbio em Londres pra melhorar o inglês, e que agora estava no quarto semestre de Relações Internacionais. Que tinha sido demitido do estágio há poucos meses, mas estava procurando outro. Seus pais tinham se mudado pra Araraquara e agora ele morava sozinho no pequeno apartamento de sempre.
– Sua vida é bem mais interessante que a minha. – brinquei, remexendo o canudo no copo de refrigerante sem muita emoção.
– Não é bem o que eu imaginava que seria.
Resisti à tentação de perguntar o que exatamente ele imaginava que seria. Ao invés disso, perguntei:
– Mas você está feliz?
Não sabia se Cadu tinha consciência do quanto aquela pergunta realmente pesava. Eu não queria saber se naquele momento ele estava feliz, ou se ele podia se considerar uma pessoa feliz. Queria saber se ele se sentia genuína e profundamente feliz. Queria saber que, apesar de tudo, eu não havia estragado a vida dele.
Ele me encarou por um bom tempo antes de responder. Por um segundo, achei que ele fosse me contemplar com o silêncio; seu bom e velho silêncio das perguntas sem resposta, em que o eco das minhas dúvidas bastava pra rebater a resposta que eu procurava. Mas ele respirou fundo e respondeu:
– Sim. É, eu estou feliz.
—————–
– Por favor, Cadu, não vai embora! – implorei, tentando segurá-lo enquanto ele tentava a todo custo alcançar a porta da sala. Eu estava ridícula, enfiada numa velha camiseta dele que eu guardava comigo, o rosto inchado de tanto chorar – Fica comigo!
– Ficar com você pra quê? – ele se virou e me segurou pelos pulsos, me chacoalhando com delicadeza pra não me machucar, apesar de estar vermelho de raiva – Pra você ameaçar as minhas amigas? Pra invadir o meu e-mail, pra me acusar de coisas que eu não fiz? Me diz, é pra isso que você quer que eu fique? Você não quer um namorado, você quer um cachorrinho pra manter na coleira!
Não respondi. Sabia que ele estava certo. Todas as vezes, ele sempre estava. E era exatamente o que tornava tudo tão insuportável.
– Olha pra gente, Rafaela. Olha pra você! Eu não te faço bem! Esse namoro ta acabando com a gente!
– Não, não ta! – tentei abraçá-lo, mas ele desviou, e é como se o meu coração fosse dilacerado – Ficar sem você é o que vai acabar comigo! Por favor, não me deixa! Eu amo você!
– E eu amo você. – colocou as mãos no meu rosto e me olhou de um jeito que só consigo descrever como desesperado – Mas você não entende. Fica vendo coisa onde não tem. Eu queria tanto, tanto, tanto que você percebesse que não tem mais ninguém nesse mundo pra mim!
– Me perdoa, me perdoa!
O abracei com força, e, enfim, Cadu me abraçou de volta. O alívio vai calmamente acalmando as minhas lágrimas, enquanto ele me beijava sem parar.
Mais do que tudo, queria que ele entendesse. Entendesse que não era de propósito, que eu não conseguia evitar. Eu o amava demais, e esse era o meu erro. Qualquer coisa que ameaçasse tirá-lo de mim, mesmo que só na minha cabeça, era um pesadelo.
– Eu vou mudar, eu juro que eu vou mudar. Mas por favor, não vai embora.
– Eu não vou embora. – sussurrou, passando a mão pelo meu cabelo – O que eu vou fazer com você, gatinha?
– Só.. fica comigo. Me dá outra chance.
– Sempre. Eu sempre vou te dar outra chance.