[CONTO] Te Ver de Novo – Parte VI

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Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V

Duas semanas.
Duas semanas haviam se passado desde a última vez em que Cadu saíra espumando de raiva da minha casa. Eu tinha visto a irritação e a mágoa nos olhos dele, tinha chorado com a decepção estampada no seu rosto, mas não conseguia acreditar que ele não fosse voltar.
Mas ele não ia voltar, ia? Não dessa vez. Não agora que eu tinha ultrapassado todos os limites.
– Filha, vem comer. – mamãe bateu à porta do meu quarto. A ignorei e acendi um cigarro.
Ela abriu a porta e imediatamente começou a tossir pela mistura perigosa de cigarro, incenso e janela fechada. Eu mal levantava da cama há dias.
– Rafaela, você não acha que já deu de drama por uma vida inteira, não? – ela perguntou, e acendeu a luz. Cobri os olhos com a mão, estranhando a claridade.
– Apaga essa merda!
– Não vou apagar coisa nenhuma! – ela veio até mim, tirou o cigarro da minha boca e o apagou no cinzeiro. Abriu a janela, e só então olhou pra mim – Anda, levanta daí.
– Não quero.
– Não quer? Ah, não quer? – ela riu de um jeito debochado, e reconheci meu próprio riso nela. Era o mesmo som que eu fazia pra Cadu quando duvidava da palavra dele. A trilha sonora que embalava o começo de cada briga.
Mamãe foi até o outro lado do quarto e pegou meu velho espelho de parede. Trouxe até a cama e o colocou diante de mim.
– Você já se olhou no espelho esses dias? – disse, e eu virei a cabeça pra não encarar meu reflexo – Anda, olha. É disso aqui que você está fugindo.
Olhei. A garota na imagem estava destruída, acabada. O cabelo castanho avermelhado estava ensebado e sem vida. O rosto estava manchado de maquiagem borrada, inchado e com olheiras fundas. Cicatrizes largas e rosadas enfeitavam seus braços. As unhas estavam roídas até o talo, ameaçando sangrar. Parecia uma refugiada de guerra, uma drogada, uma ninguém.
– Isso, isso aqui, foi o que aquele rapaz fez com você. – mamãe continuou, cada palavra desferindo um talho fundo no meu coração – Ele foi a pior coisa que já aconteceu na sua vida. Ele acabou com você e te deixou sozinha. E é se afundando que você acha que vai resolver o problema.
Enfim, mamãe levou o espelho. Solucei e comecei a chorar. Ela estava certa. Ela estava coberta de razão.
– Agora sai dessa cama e segue com a tua vida, minha filha. O pesadelo acabou.

————-

– Obrigada por isso. – falei, abrindo um pequeno sorriso. Não tinha consciência até então do quanto o perdão de Cadu era importante pra mim.
– Não precisa agradecer.
– E você não precisava perdoar. – fiz uma pausa, tentando encontrar as palavras certas – Eu fiz tudo errado. Eu era imatura, e insegura, e te amava demais. Eu sai completamente dos trilhos. Você não merecia isso.
– Nem você. – me surpreendi quando a mão de Cadu pousou sobre a minha. O toque quente e familiar era como um choque pra mim. Quis segurar sua mão de volta, mas não tive coragem de me mexer – A gente… era errado um pro outro. Eu não te fazia bem.
– A gente era certo um pro outro. – eu disse, tentando ignorar o nó na minha garganta e o tremor na minha voz – Só não era certo pra si mesmo.
Por alguns minutos, ninguém falou nada. O garçom veio, e Cadu pediu outra água, tirando sua mão da minha como um menino que foi pego roubando biscoitos do pote. Senti falta do peso e do calor da sua pele, mas não disse nada. Quando o garçom se foi, eu respirei fundo e tornei a perguntar:
– Por que isso agora, Cadu? Já se passou tanto tempo… pra quê mexer nisso de novo?
– Porque…
Cadu se remexeu na cadeira e tossiu. O que quer que ele tivesse pra dizer, não seria agradável. Cruzei os braços e esperei.
– Porque eu vou me casar.
Automaticamente, olhei pras suas mãos. Nenhum sinal de aliança. Mesmo assim, a informação me atingiu como um soco, e demorei a conseguir processá-la.
– E eu me dei conta de que não posso abrir um capítulo novo na minha vida enquanto alguns ainda estiverem pela metade.
Eu entendia perfeitamente o que ele queria dizer, mas não me parecia que aquilo o incomodasse tanto quanto a mim. Afinal, ele já tinha seguido com a sua vida – estava noivo, ia se casar. Era pra mim que a vida tinha parado. Era eu que, depois dele, nunca mais tinha me envolvido com ninguém, nem mesmo por um único dia.
– A nossa história nunca teve um fim, Rafaela. – ele continuou, com um olhar triste – A gente nunca se resolveu, não de verdade. E a culpa é toda minha por isso. Eu fui covarde demais pra encarar você de novo, pra colocar um ponto final nas coisas. Eu te abandonei. E isso nunca me saiu da cabeça.
Não consegui sustentar seu olhar por muito tempo. As lembranças vinham em enxurrada. Nunca tinha saído da minha cabeça também…

[continua…]

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