O Diário (nada) Secreto – Capítulo 3

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa

Capítulo 2 – Jogo de Interesses

Capítulo 3 – As 7 Coisas que Não Se Deve Fazer Em Uma Festa
E aqui vai um detalhe importante pra se atentar durante esta gloriosa narrativa:
EU FAÇO SALTOS TEMPORAIS.
Com freqüência.
Sabe como é, pra não ficar enrolando no que realmente não importa e focar nos fatos que todo mundo quer saber. Não é como se todo dia fosse uma coisa impressionante de se viver, com fatos improváveis e coisa e tal.
Não, alguns dias são somente dias.
Então, vamos ao nosso primeiro pulo no tempo que nos leva da primeira e turbulenta semana de aula até a primeira semana de Março.
Viva!
Depois de mais um carnaval estúpido sem nada de interessante pra fazer, estávamos todos de volta à escola, na semana que precedia a primeira e tão ansiada festa daquele ano. Dos 300 alunos do Ensino Médio do Colégio de Ensino Católico Santa Rita de Cássia, pelo menos 200 estavam convidados. Seria uma festa grande, com cerimonial praticamente nulo e presença quase zerada de adultos.
O que era basicamente a condição padrão pra uma festa absolutamente inesquecível segundo os padrões dos alunos daquela escola.
E a Lana, é claro, estava a todo vapor.
– Ah, meu Deus, está chegando!! – ela exclamou, na segunda-feira de manhã. Eu e o Edson (nos falando ainda, calma e freqüentemente) quase rimos. Quase.
– Caramba, será que vai dar tudo certo? – ela perguntou, a ninguém em especial, na terça.
– Meninas, vocês vão, né? – foi quase uma intimação, na quarta. A Giovanna deu a entender que só iria se tivesse certeza de que algo aconteceria com certo alguém. Não tenho certeza se o certo alguém, sentado entre nós duas (aquilo estava se tornando um hábito muito estranho!) percebeu a indireta.
– Eu tenho que pedir pro Diego anotar as coisas pra mim na sexta, eu não vou vir… – comentou, ao acaso, na quinta.
E eu fico me perguntando o que ela teria dito se tivesse aparecido na sexta-feira, às vésperas da festa.
Não, melhor não imaginar.
O fato é que, na sexta-feira, não se falava em nada mais na maioria das bocas dentro da escola. Bilhetes voavam e garotas planejavam com ansiedade suas roupas, suas caronas, o que dar de presente, quem queriam conquistar.
E é claro que isso incluía…
Bem, a mim.
E à Giovanna, claro.
E à Sabrina, e à Bela. Ainda que essas duas últimas não estivessem realmente a fim a planejar o que fosse.
– Você acha mesmo que tem chance, Lolita? Sério?
Por isso eu amo tanto a Belatriz. Sempre tão positiva. Sempre me colocando tão pra cima. É emocionante, sabe?
– Sim, eu acho. – respondi, convicta e sem emoção. Ela balançou a cabeça e saiu da sala.
Estávamos na sala do meu minúsculo apartamento, que eu dividia com a minha mãe apenas. A Giovanna estava fazendo as minhas unhas enquanto a Sabrina terminava a lição de geografia de nós quatro, e a Bela se contentava em ver defeito em tudo. Era sexta-feira e nós estávamos discutindo as possibilidades da noite que viria.
A Giovanna parou de repente, com o vidro de base na mão esquerda. Ela olhou pro corredor por onde a Bela tinha entrado e monitorou, até que ouviu uma porta se fechando. Então virou-se, irritada, pra mim:
– Como você agüenta? – ela perguntou, num sussurro. A Sabrina reprimiu um riso.
– Ela só ta desse jeito porque ela ta tentando pegar o Willian há um tempão e não consegue! – sibilei de volta, igualmente irritada.
– Então, mudança de planos! – destampou a base e começou a passar nas minhas unhas – Se a gente quer fazer isso funcionar, essa garota vai ter que desencalhar. E vai ser amanhã!
– Sem chance! – a Sá comentou, e ouvimos a porta se abrir.
– Veremos!
Eu não duvidaria da capacidade da minha prima mais velha. Principalmente quando ela tem tanta certeza.
– Então… – a Bela disse, ainda no corredor, voltando pro sofá onde estava sentada – O que você pretende fazer?
– Eu? –indaguei.
– É.
– Não sei ainda, mas eu to te falando, Bela! – insisti, pela milionésima vez, talvez – Eu vou ficar com o Ricardo amanhã.
– Certo…
– Você deveria tentar ficar com alguém ao invés de se preocupar com o que a Lolita vai fazer, sabe? – a Giovanna disse, como se só pra puxar assunto, tão séria estava. Ela era ótima!
– Não sou disso… – minha amiga respondeu, apenas, e eu pude sentir certo nervosismo ali.
– Você nunca ficou com ninguém? – insistiu, e eu franzi a testa pra tentar não rir. Estava difícil. A Sabrina, trêmula de tanto se conter, não estava ajudando nem um pouco.
– Que diferença isso faz?
– Que diferença faz o que a Lolita vai fazer? Você deveria estar apoiando e procurando alguém pra beijar, pelo amor de Deus!
A Bela deu um riso sarcástico.
– Isso é tudo o que importa pra você? – perguntou, num tom ácido que ela geralmente dedicava somente à Suellen.
– Não, o que me importa é se eu vou ou não ficar com quem eu quero. – minha prima respondeu, sem se abalar, ou sequer olhá-la – Eu tenho vida própria, acho que você sabe o que isso quer dizer.
O clima ficou tenso, mas nenhuma outra palavra foi dita, até sobre isso até que a Bela foi embora, uma hora mais tarde.
Quando isso aconteceu, a sala pareceu se esvaziar como um balão. A Nana se jogou no sofá, gargalhando, e eu não precisava perguntar para saber do que ela estava rindo. Até eu queria rir.
– Certo, eis o que nós vamos fazer… – ela disse, quando parou de rir.
Sábado, oito de março, aniversário da Lana, oito e cinqüenta da noite.
Estamos paradas no trânsito adorável da cidade de São Paulo, atravessando a cidade para sair do bairro de Santo Amaro em direção à Mooca, onde vai ser realizada a festa.
Eu odeio gente rica por isso: pode pagar por um lugar melhor e mais longe, e esquecem que as outras pessoas podem encontrar certa dificuldade em chegar até ele.
Mas nós estávamos indo, e íamos chegar. Faltavam dez minutos pra festa começar oficialmente, então nós não estávamos assim tão atrasadas. Ainda.
Na realidade, estávamos a mais ou menos três quilômetros de casa e já estávamos paradas no trânsito. A gente não ia chegar NUNCA!
É, eu estava meio nervosa com toda a perspectiva da noite. Tinha que rolar, tinha que dar certo! E não ia rolar e nem dar certo se eu simplesmente não chegasse!
Tudo parecia conspirando contra nós. Eu, a Giovanna e a Sabrina nos remexíamos no banco traseiro do carro dos meus tios, bem-vestidas – porém, não bem comportadas – e contando os minutos que levava pra cada farol abrir, pra cada trecho congestionado passar.
Já eram quase nove e quarenta da noite quando, enfim, meu tio parou na frente de um salão de festas mais do que chique. Requintado. E caro.
Podia ver a Giovanna sorrir e soltar exclamações de surpresa enquanto a Sabrina só olhava tudo com muito interesse. Eu não estava muito certa de como estava reagindo – eu conhecia a Lana e a família dela há anos, nada daquilo era muito novo pra mim quando se tratava deles. Todas as festas eram grandes e chiques, por que a mais importante da única garota da família não seria?
A entrada do salão era decorada com espelhos enormes e suntuosos, e uma luz baixa e meio avermelhada criava o clima perfeito pra festa que já rolava a toda do lado de dentro. Eu e meu singelo vestido preto de corte reto, sem muito decote ou algo a se mostrar, avancei na frente, um pouco mais confiante do que realmente me sentia. Quando alcançamos as portas principais, de vidro fumê, virei-me para encarar as minhas primas.
Elas estavam muito mais bonitas do que eu. Não só por seremrealmente muito mais bonitas. Mas também por se arrumarem deveras melhor.
A Sabrina não deixava nada muito à mostra. Estava com um conjuntinho básico de calça legue preta e um top azul escuro bordado com contas mais claras, as costas protegidas por um bolero cinza chumbo. Os cabelos escuros estavam amarrados num rabo alto, e brincos pesados de argola pendiam das orelhas. Só de olhar pras botas  de bico fino dela, meus pés já doíam.
E a Giovanna…bem, ela parecia uma super-modelo de qualquer maneira, certo? Tinha dado um corte no cabelo, e ele agora estava curto e desfiado pra todos os lados ao mesmo tempo, arrumados numa posição que lembrava a de quem tomou um choque, graças ao fixador. Lhe caía bem, como tudo. Incluindo o vestido vermelho apertado e curto, de uma única alça e decote em V, que deixava à mostra…
Bem, tudo aquilo que todos os garotos queriam ver.
E ela não estava nem aí. Simplesmente porque não precisava estar. Nada nunca importava pra ela, se alguém falava bem ou mal. Ela seria assunto de qualquer maneira. E, ao contrário do que aconteceria com qualquer outra garota naquele vestido, ela não parecia uma puta. Parecia ter saído da capa de alguma revista ousada.
Nós três respiramos fundo e abrimos as portas de vidro para adentrar o salão, sendo recebidas por fumaça e música alta.
Como já era de se esperar, a festa de quinze anos da Lana estava programada pra ser tudo o que uma festa de quinze anos não costuma ser: algo exclusivamente jovem. Não haviam parentes dela que não fossem primos de no máximo 20 anos, não havia traço de nenhum tipo de tradição, exceto talvez pelos banners gigantescos com as suas fotos estampadas, os fotógrafos e câmeras perseguindo-a por todos os lados, o jantar sendo servido numa extremidade do salão e seu vestido branco bufante como o de uma princesa, balançando alegremente quando ela veio nos receber.
– Que bom que vocês vieram! – ela exclamou, mais alegre do que jamais a tinha visto, e nos abraçou – O pessoal ta todo por ai. Lolita, a Bela ta em algum lugar perto da mesa de som, e os garotos alvo da noite estão em pé em algum lugar perto do banheiro, então, mãos à obra, certo?
– Não se preocupe! – eu garanti, com uma piscadela nervosa.
“Não se preocupe, porque eu já estou me preocupando bastante”, deveria ter dito. Eu estava uma pilha de nervos!
– Vocês viram o Diego? – ela perguntou então, parecendo meio triste por um segundo, antes de sorrir para alguém e acenar.
– A gente acabou de chegar, desculpe. – a Sabrina respondeu, e a Lana deu um sorrisinho torto, antes de começar a andar de novo em outra direção qualquer.
Certo. Então a festa tinha começado.
Pra valer!
– Prontas, senhoras? – eu perguntei, meio nervosa, mas tentando soar como se fosse uma brincadeira. A Sabrina deu um riso abafado, enquanto a Giovanna empinou o nariz e pareceu ganhar ainda mais imponência.
– Prontas pra arrasar. – ela me respondeu, e então nos olhou pelo canto do olho – Pelo menos finjam que vocês estão prontas, pelo amor de Deus!
Olhei dela para a Sabrina, que já estava ajeitando a postura e erguendo o rosto, uma imitação perfeita da irmã mais velha.
Sem chance que eu conseguisse ficar daquele jeito!
Então, simplesmente respirei fundo e saí andando, com as duas em meu encalço.
O estranho nisso tudo é que, apesar de toda a minha falta de preparação psicológica e evidente falta de jeito em relação às outras duas, todos estavam olhando para nós. Não pra elas, pra nós, como um todo. Por onde passávamos, os caminhos se abriam, os olhos fitavam primeiro a mim, depois a elas, fazendo crescer minha confiança. Talvez eu não estivesse assim tão mal.
Quando alcancei a mesa onde a Bela estava sentada, meu estômago revirou, pois não havia somente uma cadeira ocupada. Haviam duas.
Na outra, estava o Edson, olhando de frente pra nós.
Paramos em frente a eles e eu levei um segundo pra me lembrar de sorrir. Tudo parecia demais naquela noite, como se eu estivesse prestes a conquistar o mundo, ou cometer um crime. Tudo depende do ponto de vista.
Olhei pra mais adiante da mesa, e vi um grupinho de garotos reunido. Na verdade, só vi um em especial.
Ele era lindo de qualquer jeito. Era gato de uniforme, suado, sujo, cansado, feliz, triste e com raiva. Era fofo de todos os jeitos, perfeito independente do que estivesse fazendo.
Mas o Ricardo de camisa branca e calça social era simplesmente…
Sem palavras, meus amores!
Foi então que a Giovanna puxou a mim e à Sá, dando as costas à Bela e ao Edson.
– O negócio é o seguinte, meninas: – começou, e eu já sabia o que viria então – Se quisermos ter paz essa noite, a senhorita gótica aqui atrás vai ter que desencalhar. Então é hora do plano A.
– Certo. – concordei, e nós duas olhamos pra Sabrina.
– O que eu faço? – ela perguntou, meio histérica, meio desesperada. Quase me fez rir.
– Senta lá e segura aqueles dois ali! – a Nana instruiu, o mais baixo que pôde sem que a voz fosse abafada pela música – Conversa sobre qualquer coisa, e a gente vai conversar com o Wilson.
– Willian! – corrigi.
– Tanto faz!
– Por que eu tenho que segurar o Edson também? – a Sabrina quis saber, parecendo mais nervosa.
– Porque eu não quero perder ele de vista, então fica fria! – a Giovanna pegou na minha mão e começou a me arrastar, enquanto a Sabrina ia se sentando, toda sorrisos, sem saber por onde começar.
1°: Não planeje rolos pras suas amigas sem a permissão delas. Pode não dar certo.
Nós duas andamos alinhadas e perfeitas sobre nossos saltos finíssimos, em direção à extremidade do salão onde estavam reunidos os mais fantásticos e comentados garotos do Santa Rita. Além do Ricardo, o Daniel, o Willian e o Henry estavam presentes. Dois garotos lindos e bronzeados do segundo ano também estavam por ali. Cada um segurava um copo de cerveja.
– Olá! – a Giovanna disse, com toda a simpatia que lhe cabia e seu melhor e mais irresistível sorriso. Os garotos retribuíram com curtos “ois” e olhares carregados de adoração por suas curvas – e, sem dúvida, pelo seu vestido!!
– Willian, a gente pode levar um papo com você? – minha prima sugeriu, e a reação geral foi imediata. Socos no ombro, exclamações idiotas sobre sua sorte e todo esse tipo de coisa que só possuindo um cromossomo Y pra entender.
– Claro, claro… – ele disse, e já começou a desarrumar o cabelo desgrenhado.
Ele tinha a aparência desgrenhada, pra falar a verdade. O Willian era aquele cara que não tinha jeito, e aparecia numa festa daquele porte com os mesmos jeans de sempre, seu velho Adidas branco encardido e a primeira camiseta que encontrasse no armário. Tinha o cabelo escuro meio ondulado e olhos amendoados incríveis, que vez ou outra estavam estragados por alguma mancha roxa – olheira ou marcas de briga? Ninguém tinha certeza – ou uma vermelhidão de quem não dorme há dias – ou fuma há dias, quem sabe!
E não parecia muito a fim de conversar.
– E ai? – ele disse, e a minha prima suspirou. Caras normais não deviam dizer “e aí” para ela, geralmente.
Mas o Willian nunca contou na minha lista de caras normais.
– Will, nós estamos com um pequeno probleminha. – ela respondeu, ainda muito simpática – O que quer dizer que você está com um pequenoprobleminha.
– O que eu tenho a ver com os problemas de vocês? – perguntou, confuso. A Nana me cutucou.
– Uma amiga nossa está afim de você. – soltei, uma só vez, pra não ter que parar pra pensar ou medir as palavras.
– Afim de mim? – e riu – Sei.
– É a Bela. – concluí, e ele pareceu impressionado.
– Belatriz?
– É.
– Irmã da Suellen?
– É.
– Afim de mim?
– É! – bufei – Caramba, você é surdo?
– Olha, o que nós queremos saber… – a Giovanna interveio a tempo de ele escapar de um tapa na cara – É se rola. Você e ela.
– Não sei, ela é meio estranha…
– Willian, você é meio estranho! – exclamei, irritada – Ela realmente quer ficar com você e não é de hoje. Só que ela é covarde. Nem sabe que a gente ta aqui falando com você.
– Vai ou não? – insistiu a minha prima, e ele ergueu as sobrancelhas.
– Não! – ele respondeu, quase num grito, e depois deu risada, parecendo meio sarcástico – Sei lá. Não.
E nos deu as costas.
A Giovanna bufou, parecendo uma bomba prestes a explodir a festa a pleno vapor. Consultei o relógio. Dez horas.
– Hora do plano B. – ela me disse, e eu me limitei a concordar.
Tínhamos ido longe demais pra voltar atrás agora. Eu só esperava não me arrepender por isso.
– Vou lá, então. – afirmei, e nos separamos: eu de volta pro grupo dos meninos, a Giovanna em direção à nossa mesa.
Aquilo não ia prestar.
2°: Não tranque pessoas no banheiro feminino
– Henry. – chamei – Você, o Dani e o Ricardo, venham aqui.
Os três garotos se olharam e murmuraram qualquer coisa inaudível antes de caminharem até mim. Eu estava tensa.
– Fala. – o primeiro disse, curioso. Dei uma olhada rápida para o Ricardo antes de dizer alguma coisa; ele estava sorrindo pra mim.
E eu quase derreti.
– Eu preciso da ajuda de vocês… – comecei, e percebi o quanto era estúpido pouco antes de dizer em voz alta – Pra trancar duas pessoas no banheiro.
Certo, parecia muito mais estúpido depois de dito em alto e bom som!
Dá pra entender porque os três riram antes de o Daniel me perguntar:
– Quem?
– A Bela e o Willian. – respondi, embora desejasse que não tivesse sido necessário. Os três uivaram e gargalharam ainda mais.
Que ótimo!
– Eu to falando sério! – insisti – Eu tentei por bem, agora vou ter que tentar por mal!
– Tudo bem! – o Henry exclamou, ainda rindo tanto que estava a ponto de chorar – O que você quer que a gente faça?
– Quando eu der o sinal, vocês vão dar um jeito de atirar esse garoto no banheiro feminino, ou no berçário, o que estiver mais próximo! E ai, eu vou levar a Bela até lá, e é só uma questão de colocá-la junto.
– Só isso?
– Ahhh, não! Na verdade, preciso que alguém vigie a porta pra ninguém entrar ou sair dela.
Eles pareceram relutantes, mas concordaram. Eu agradeci e voltei pra minha mesa – não sem antes sorrir muito pra um certo príncipe de olhos verdes.
Quando cheguei, a Giovanna estava sentada entre o Edson e a Bela. O primeiro estava em dúvida se dedicava sua completa atenção a o que quer que a Sabrina estivesse dizendo animadamente, ou à Giovanna e sua beleza monumental.
Pobrezinho. Devia ser mesmo difícil.
As tentativas da Giovanna de roubar a atenção do Edson foram para o esgoto quando me sentei ao lado da Bela. Consultei o relógio: dez e quinze.
Não devia ser muito cedo pra executar um plano maligno, certo? Quanto mais cedo, melhor.
– Oi, Bela. – eu disse, sem conseguir disfarçar que tinha realmente alguma coisa errada. Ela me olhou com o canto do olho.
– Oi, Lolita. – respondeu, suspeita – Ta tudo bem?
– Excelente!
– E o que ta rolando?
Olhei pra Giovanna. Ela me instigou a responder somente a verdade. Ou parte dela.
Virei-me para os garotos, que estavam me observando, e chacoalhei a cabeça de leve. Eles entenderam o recado.
Então, de novo para Bela.
– Tem alguém te esperando no banheiro. – afirmei, torcendo pra que a minha mentira não desse muito na cara.
Se bem que não era ao todo uma mentira. Se pararmos pra pensar, ele estaria esperando. Só que contra a sua vontade. E não sabia pelo que – ou quem – estava esperando.
– Como? – ela indagou, com uma careta.
– O Willian. – disse, então – Ele está te esperando. No banheiro.
– Lolita, o que você fez?
– Posso ter dado a entender que você queria ficar com ele…
– O QUÊ? – e se levantou – EU VOU MATAR VOCÊ, CARLOTA RODRIGUES PAES!
– Bela, relaxa! – e me levantei também – Vai até lá e fala com ele, não custa nada! Ele não está te esperando à toa, acho que ele também quer alguma coisa!
– Ah, eu vou mesmo até lá! Mas é pra desfazer essa mentira absurda!
A Bela começou a caminhar em direção ao banheiro, e eu fui atrás, seguida da Giovanna.
– Eu não acredito que você fez isso comigo! – a Bela gritou – Você não podia, não tem nada a ver com você! Que droga, Lolita, por que você foi se meter na minha vida?
Chegamos ao banheiro e ela olhou em volta. Nãohavia ninguém. Nem mesmo os outros meninos.
Eles eram bons!
– Cadê ele? – ela perguntou, num grito estridente.
E então, as coisas aconteceram rápido.
Primeiro, o Daniel surgiu do nada e girou a maçaneta do banheiro feminino.
Depois, o Henry e o Ricardo praticamente pularam na nossa frente, cada um segurando um braço da Bela, e ela começou a gritar tão alto que poderia ter chamado a atenção de todos os convidados – se alguém sequer ligasse pra ela.
E então, ela também foi trancada no banheiro. Dois garotos que eu nunca vi na vida – provavelmente parentes por parte de pai do Henry, porque eram ambos louros de olhos verdes – apareceram para vigiar a porta.
– Bom trabalho, garotos! – exclamei, vitoriosa, enquanto os murros na porta começavam, seguidos de gritos estridentes da minha melhor amiga, implorando pra sair.
Não tão cedo, querida…
3°: Não dê as costas ao seu ex e novo melhor amigo sem ter algo para distraí-lo.
Estávamos indo em direção à mesa quando topamos com a Sabrina, toda animada.
– E aí, deu tudo certo? – nos perguntou.
– Claro que deu! – a Giovanna respondeu, igualmente animada – Um plano de Giovanna Mendel Paes nunca falha!
– Eu imagino!
– Onde você ta indo? – perguntei, então – O banheiro ta interditado temporariamente!
– Claro, claro! – ela riu – Eu vou buscar alguma coisa pra beber! Alguma coisa com alto teor alcoólico!
– Então eu vou com você! – a Nana disse, e se virou pra mim – Você, vai lá fazer companhia pro Met. Nós não queremos perder ele de vista!
Você não quer! – corrigi – Tragam alguma coisa pra mim!
– Sem problemas!
Eu voltei para a mesa, onde o Edson ainda estava sentado, uma cerveja na mão, sem mostrar nenhum sinal de animação muito maior do que quando nós chegamos. Me sentei ao lado dele, sorrindo mais naturalmente do que esperava.
– E ai, o que foi aquilo? – ele me perguntou, e eu dei risada antes de responder.
– Aquilo foi a Belatriz se descabelando pela minha tentativa de facilitar a vida dela! – respondi, e ele riu também.
– Facilitar como?
– Sabe como é. Tentando fazer ela ficar com o cara que ela quer. Não consigo entender por que isso seria ruim.
– A Bela é estranha.
– É.
– Ta gostando da festa?
– Ta legal. Bonita. – então meus olhos distraídos captaram algo, ou melhor, alguém acenando. Chamando.
Alguém muito bonito.
– Mas pode melhorar. – afirmei, sem pensar, e senti os olhos do Edson pesando sobre mim como uma bigorna de ferro.
– Como? – indagou, curioso.
– É cedo ainda, tem tempo pra ficar mais animado. – disfarcei, com um sorriso meio sem graça – Por enquanto, pode ficar melhor se as minhas primas aparecerem logo com a minha bebida!
– O bar ta um inferno! – o Edson exclamou, e eu fiquei aliviada de ver que ele não tinha percebido que eu estava mentindo.
– Considerando que mais da metade dos alunos do Santa Rita está aqui, dá pra imaginar…
– Minha irmã chamou muita gente! Gente que ela nem conhece!
– Até parece que você não estuda lá há, tipo assim, mil anos! – rolei os olhos – Quando tem uma festa, não interessa se você conhece todo mundo ou se todo mundo vai. Deixe de chamar uma única pessoa e você será linchado pelo resto do ano!
– Ainda bem que eu faço aniversário em dezembro então!
Nós dois demos risada, e então ficamos quietos.
Onde estava a Giovanna quando eu precisava dela, droga?
Olhei de novo pra onde tinha visto o Ricardo. Ele ainda estava lá, ainda estava me olhando, e ainda estava me chamando.
Fiz sinal pra ele esperar.
– Quem é? – o Edson me perguntou, de repente, e eu tomei um susto.
– Quem é o quê? – perguntei, soando completamente imbecil.
– Você tava acenando pra quem? – insistiu.
Merda!
– Pra ninguém, eita! – dei um risinho nervoso – Piração!
– Ta bom…
E então, pro meu alívio, a Giovanna chegou. Sem a Sabrina, mas com a minha bebida, que eu não fazia a menor idéia do que era, mas peguei e bebi um gole mesmo assim. Era boa.
– Cadê a Sá? – perguntei, após o primeiro gole – E o que é isso?
– A Sá ta em algum lugar por ai, eu perdi ela de vista no caminho. – a Nana me respondeu, sentando-se aonde outrora a irmã estivera sentada – E isso se chama Espanhola.
– Ah, ta, valeu. – esvaziei o copo no terceiro longo gole, e me levantei – Eu vou… procurar por ela. Aproveito e falo com a Lana, é capaz até de as duas estarem juntas.
– É, vai lá! – a Giovanna instigou, naquele tom de “sai fora” clássico.
E eu saí.
Mas nem de longe fui procurar pela Sabrina.
Meu caminho estava traçado em direção ao Ricardo, parado exatamente no mesmo lugar. E eu não estava preocupada se alguém – O Edson – veria alguma coisa. Ainda porque, ele estava ocupado, não estava?
4°: Não induza o namorado nerd da sua irmã a beber.
– E aí? – foi tudo o que eu consegui dizer, quando me aproximei. Ele estava lindo. E cheiroso.
E me esperando.
– Achei que ia me trocar pelo Met. – o Ricardo disse, fazendo um beicinho lindo. Eu dei risada e cheguei mais perto.
– Só estava guardando lugar. – virei pra trás, e vi que o Edson e a minha prima conversavam e riam. Sem problemas, então.
– Vamos dar uma volta?
– Claro!
Ele sorriu e passou a mão pela minha cintura. Eu estranhei, mas sorri de volta e fiz o mesmo.
Parecíamos um casal que não éramos andando por uma festa lotada de pessoas conhecidas que estariam fazendo fofoca no segundo seguinte. Mas espere um pouquinho: não era isso o que eu queria?
A resposta é sim!
Razão pela qual eu não reclamei e me deixei guiar.
A volta que nós demos foi atravessar o salão, passando pelo bar apinhado de gente, pela cabine do DJ, pela Sabrina, que estava dançando com um copo na mão – bêbada, já, as dez e quarenta e oito da noite? – e pela Lana, que saiu do seu estado de êxtase por si própria para ficar em êxtase por mim.
Então, fomos parar na ante-sala de espelhos que levava até o salão principal. Eu não tinha notado quando chegamos, mas havia pequenos sofás pretos espalhados por ali, e o barulho era mínimo. Não havia ninguém ali, exceto por nós dois.
Nos sentamos, o Ricardo com o braço passando pelo meu ombro, eu com a cabeça meio tombada no seu ombro. Confortável, segura, insegura. O que viria a seguir?
Eu estava prestes a descobrir.
– Lolita? – ele chamou. Eu virei a cabeça até estar perto o bastante para poder tocá-lo com o nariz, olhando-o nos olhos.
– Eu. – eu disse.
Com tantas coisas a dizer, isso é o máximo que eu consigo! Que espécie de ser humano sou eu?
– Você ta linda hoje. – afirmou, um segundo depois, me fazendo corar – Sempre.
– Obrigada.
– Posso te dar um beijo?
A resposta que eu queria dar, aquela irracional de quem gosta, de quem deseja, estava pulando na ponta da minha língua enquanto eu o encarava. Mas a que eu tinha que dizer, ou melhor, a pergunta que eu tinha que fazer, estava mais clara no meu cérebro do que nunca.
Talvez aquela não fosse a melhor hora. Talvez eu devesse simplesmente ter dito “sim” e ter perguntado o que fosse depois. Mas eu perguntei mesmo assim:
– Como eu vou ter certeza de que eu não vou me machucar dessa vez?
– Não vai. – ele me respondeu, de maneira simples e direta – Mas as coisas são diferentes agora. Eu sou diferente. E eu realmente te quero dessa vez.
– Você gosta de mim? – insisti, me sentindo uma completa idiota.
– Eu estaria aqui se eu não gostasse?
– Eu não consigo mais acreditar em você…
Desviei o olhar e me afastei um pouco, como se precisasse de mais ar pra respirar. Imaginei o que qualquer uma – exceto, talvez, pela Bela – diria para mim naquela hora: que eu era mesmo uma idiota.
– Então deixa eu provar. – ele sussurrou para mim, e eu me virei novamente.
Sem mais tempo para pensar.
Foi então que ele me beijou.
E foi muito, muito melhor que na primeira vez que nós ficamos!
Podem ter se passado alguns segundos ou vários minutos ou mesmo horas, antes que eu fosse chamada ao mundo real de novo. E mesmo assim, isso só aconteceu porque alguém abriu a pesada porta de vidro que levava ao salão e entrou arfando.
Parei de beijar o Ricardo para virar e dar de cara com uma cena ridícula que eu nunca esperei ver na vida.
Alguém já viu um nerd bêbado?
O Diego estava arfando, andando meio torto e com os óculos quase caindo da cara. Andou, andou e, finalmente…caiu.
Aos meus pés.
– Oh, meu Deus! – eu quase gritei, me levantando assim que ele caiu – Diego!
Me ajoelhei ao lado dele e o virei de barriga para cima. O Ricardo se abaixou ao meu lado e deu uns tapinhas nada suaves na cara dele.
– Acho que ele bebeu demais. – disse, e eu chacoalhei a cabeça freneticamente.
– O Diego não bebe, Ri! – exclamei – Meu Deus, a Lana vai matar tanto ele quando vir isso!
Então, a porta abriu pela segunda vez, e quem entrou foi o Henry, seguido do Daniel. Os dois estavam gargalhando.
– Ele caiu, cara! – o Henry quase gritou, batendo na mão do Daniel.
– Dez conto como ele vai vomitar antes do final da festa! – o outro apostou, e eles apertaram as mãos.
Então eu entendi tudo. Levantei e fui até eles.
– Henry, você fez isso? – perguntei, boquiaberta.
– Não, Lolita, eu ofereci a bebida! – respondeu – Foi ele quem aceitou!
– Seu cretino, tem alguma idéia do que a Lana vai fazer quando ela ver o Diego nesse estado?
– Ela não vai ver nada, desencana!
– E como você pretende esconder isso?
– Tem razão. Então, talvez a gente deva esperar pra ver o que acontece.
– Não vamos ter que esperar muito! – o Daniel disse, parecendo prestes a ter um colapso de tanto rir.
Todos olhamos para as portas de vidro, se abrindo novamente. A Lana vinha entrando com seu vestido bufante.
– Alguém viu o Diego? – perguntou, como quem não espera resposta.
Eu estava pronta pra dizer alguma coisa, quando os dois garotos saíram da frente, revelando o Diego, que estava começando a tentar se levantar.
A Lana guinchou e empurrou quem estava em sua frente – eu incluída – até chegar ao namorado e começar a gritar com ele.
– Seu idiota, o que você tomou?
– Lana! – eu chamei, mas ela não me deu atenção.
– Meu amorziiiinho! – o Diego disse, estendendo os braços para ela. O Henry e o Daniel riram. O Ricardo teve a educação de se conter.
– Amorzinho o cacete! – a aniversariante berrou, e o empurrou pra que caísse no chão de novo – Eu não acredito que você resolveu tomar a bosta do primeiro porre da sua vida logo na droga da minha festa! Todo mundo podia morrer de tanto encher a cara hoje, menos você!
– Lana! – eu insisti.
– Cala a boca, Lolita! – gritou, e eu nem me abalei – Seu idiota, imbecil, burro, eu vou chamar a sua mãe agora pra ela vir te buscar…
– Lana! – foi a minha vez de gritar – Dá pra você me escutar?
Ela se virou, irada, para mim. Parecia querer me trucidar com todas as suas forças – a mim e a quem mais aparecesse na sua frente.
– O que é? – sibilou.
– Foi o seu irmãozinho quem fez isso com ele! – contei, e seus olhos se estreitaram até virarem duas fendas.
– Como é?
– O seu irmão e o Daniel ficaram dando bebida pra ele até ele ficar nesse estado. – ouvi o Diego vomitando, e não pude olhar. Fiz uma careta e continuei – Eu aposto como o Diego nem sabia o que estava tomando!
– Você me deve dez. – o Daniel disse pro Henry, com um tapa suave no seu peito. Então saiu correndo pelas portas de vidro, enquanto a Lana ia, decidida e decididamente irada, até o irmão.
– Você! – berrou, dando um soco na sua barriga. Ele se inclinou de dor – Não me interessa como, faça ele melhorar!
O cheiro de vômito estava ficando mais forte, enquanto o garoto continuava vomitando sabe-se lá aonde – eu não me arriscava a olhar.
– Vou chamar os caras da limpeza. – o Ricardo murmurou no meu ouvido, e me deu um beijo rápido antes de sair também. Eu estava começando a passar mal.
– O que você quer que eu faça? – o Henry perguntou.
– Isso é um problema seu, mas eu quero o meu namorado capaz de ficar de pé e falar, me entendeu? – a Lana apertou as bochechas do irmão de um jeito tão forte que eu senti dor – Se você estragar a minha festa, Henry, eu acabo com você, eu te juro! Ponha esse garoto bem e de pé na próxima hora ou você vai se arrepender de ter nascido na mesma família que eu, ta me entendendo?
Ele assentiu bem depressa. Não dava pra duvidar dela numa hora como aquela.
A Lana o soltou e disparou para fora da ante-sala. Eu a segui, me sentindo muito melhor no segundo em que entrei no salão apinhado de adolescentes, livre do cheiro de vômito.
5°: Não procure nada que não queira encontrar
Comecei a atravessar o salão, esbarrando e cumprimentando um monte de gente conhecida, em direção à minha mesa. Até que encontrei com a Sabrina.
– Alguma idéia do que aconteceu com a Lana? – ela me perguntou.
– Por quê?- questionei.
– Ela passou como um furacão por aqui, parecia que o mundo tinha acabado ou sei lá o quê!
– Foi mais ou menos isso. O Henry encheu a cara do Diego.
– De porrada?
– Não! – pensando por esse ângulo, poderia ter sido pior – De bebida!
– Ah, meu Deus! E aí?
– Ele ficou bêbado, muito bêbado, caiu e a Lana viu. – lembrar da cena me embrulhava o estômago – Foi bem tenso.
– Acho que eu consigo imaginar. Onde você ta indo?
– Eu to só…
Olhei pra frente e deixei a minha frase suspensa no ar. O que eu vi não me pegou completamente de surpresa, mas certamente me fez esquecer por completo o que eu tinha ido fazer ali.
– U-O-U! – a Sá exclamou, e eu tive que concordar.
– Uou mesmo!
Quando eu deixei a mesa, os dois estavam conversando.
Agora, quando eu voltei, o estágio tinha avançado da conversa casual para a…bem…pegação.
A coisa estava forte ali.
O que eu tinha vindo fazer mesmo?
– Melhor a gente não incomodar, né? – eu sugeri, agarrando o braço da Sabrina e dando meia-volta, ao mesmo tempo em que ficava corada, vermelha como um tomate.
Mas que maravilha!
– O que foi aquilo? – a minha prima sibilou com voz aguda no meu ouvido. Eu não respondi. A pergunta era sobre as duas enguias envolvidas num beijo alucinante ali atrás ou sobre a minha reação descabida?
– Vamos dar uma olhada na Bela. – resolvi, num átimo, para desviar a atenção dos outros dois.
Fomos até o banheiro, onde os dois garotos louros ainda estavam na frente da porta do banheiro feminino, impedindo algumas garotas, que eu reconheci como sendo do segundo e do terceiro ano do Santa Rita, de entrarem. A discussão estava ficando feia.
– Com licença! – pedi, cutucando quem estava na minha frente. Para mim, os dois guris abriram passagem, enfurecendo ainda mais as outras garotas presentes.
Certo, já fazia o quê, mais de meia hora que eles estavam ali dentro? Se nada havia acontecido ainda era porque não tinha que acontecer!
Respirei fundo e destranquei a porta. Fechei os olhos e a abri.
– Oh, meu Deus! – foi o quase grito da Sabrina.
– Ai, caramba! – os dois garotos disseram, quase num uníssono.
– Aquela ali é a… – uma garota começou a perguntar.
– É, é ela! – a outra garantiu.
– E o…
– Ah, fala sério!
Foi então que eu abri os olhos.
E desejei nunca ter aberto aquela porta.
Minha melhor amiga não tinha percebido que todo mundo estava vendo. Não tinha nem noção de que havia umas seis garotas da escola e dois meninos que ela nunca tinha visto na vida observando aquela cena, soltando exclamações, comentários.
Ela não notou nada disso porque estava ocupada num amasso sem tamanho com o Willian. E quando eu digo sem tamanho é porque a coisa estava feia – pra quem vê, não pra quem faz! – mesmo!
Tipo ser jogada contra a parede.
E ter sido erguida até ficar da altura dele, o que quer dizer uns bons dez ou quinze centímetros.
E ter desistido de ficar com os pés no chão, e achado mais prático simplesmente passá-las em torno da cintura dele.
– Alguém ainda quer usar o banheiro? – eu perguntei, boquiaberta. Era engraçado, horrível, e eu não conseguia parar de olhar.
– Não, nada disso! – uma das meninas exclamou rapidamente em resposta, e eu fechei a porta.
– A gente usa o dos garotos mesmo! – uma outra sugeriu, e ninguém contestou.
– Fiquem de olho! – pedi aos garotos, e eles concordaram.
Saí de lá até meio tonta.
– Vou procurar o Ricardo. – disse à Sabrina, e ela sorriu, encantada.
– Você conseguiu? – perguntou, e eu assenti, quieta.
Toda a minha animação por esse fato tinha evaporado nos últimos minutos.
– Vai lá, então! Vou procurar alguém pra beijar!
– Certo…
Nos separamos, mas eu não sabia onde procurar, nem se queria.
Eu precisava respirar primeiro.
6°: Não jogue bolo na aniversariante – se puder evitar, claro.
O Ricardo me encontrou uns dez minutos depois, no bar. Eu estava pedindo mais uma espanhola, ainda tentando tirar da cabeça as duas cenas desconcertantes – a da Giovanna e do Edson se engolindo e da Bela tirando o atraso no banheiro. Se havia uma vantagem naquilo era que eu não iria mais ficar com nojo se o Diego aparecesse vomitando na minha frente.
– Oi. – ele disse, ao meu ouvido, e então beijou o lóbulo da minha orelha.
Não deu pra não sorrir.
– Oi. – respondi, e peguei a minha bebida. Girei até ficar cara a cara com ele, e ele me deu um selinho.
Nós dividimos a bebida, e então andamos até a pista, pra dançar junto com todo mundo. Era estranho e muito bom ao mesmo tempo. Eu me sentia ligada a ele como nunca antes, como se tudo estivesse certo após um enorme período de erros consecutivos. Como alguma coisa poderia estragar aquilo?
Então a minha prima arrastou o Edson para a pista, praticamente ao nosso lado, sorrindo pra mim como a garota mais realizada desse mundo, e eu perdi a vontade de dançar. De sorrir. De ficar de pé.
Tudo de repente e por nada.
– Vamos sentar. – eu disse pro Ricardo, tentando fazer de conta que era uma decisão própria nem um pouco baseada em fatores externos.
Ta bom!
– Vamos! – ele sorriu pra mim e eu tive dó de enganá-lo daquele jeito.
Mas afinal, ele tinha me enganado uma vez, certo? Podia considerar aquilo como um troco.
Fomos até a minha mesa, e ali nós voltamos ao que estávamos fazendo antes de sermos interrompidos pelo Diego e seu surto de bebedeira.
Dez pra meia-noite, a música parou abruptamente e as luzes se acenderam. Todo mundo parou na pista e começou a gritar, e eu inevitavelmente tive que desviar minha atenção do beijo do garoto perfeito pra entender o que estava acontecendo.
– Ei, aqui! – a voz da Lana soou em cheio por todo o salão, ampliada pelas caixas de som. Todo mundo – incluindo eu e o Ricardo – começou a procurar de onde vinha.
– Aqui, gente! – ela insistiu, e então eu localizei.
Ao lado de onde estivera a mesa de jantar – porque ela tinha desaparecido – havia um mini-palco onde ficava a mesa do bolo e um toldo branco gigante. Nesse toldo, havia uma sombra esguia, que eu entendi que só poderia ser ela.
Em instantes, todo mundo já olhava na mesma direção.
– Obrigada! – a Lana disse, então. Eu me levantei pra ver melhor, e a sombra começou a andar de um lado para o outro, sempre atrás do toldo.
– Já é quase meia-noite… – começou – E eu estou tentando entender por que ninguém cantou parabéns pra mim!
Todo mundo riu junto com ela, então as luzes baixaram até sobrar somente o holofote que iluminava o toldo por trás, fazendo surgir a silhueta da Lana.
O microfone fez um ruído alto e irritante, de queimar os tímpanos. Quando parou, foi substituído por uma música eletrônica agitada, e a Lana atravessou o toldo.
Sim, ela ATRAVESSOU o toldo. Primeiro, abriu um buraco com as mãos. Depois outro com a sandália. E foi abrindo os furos, destruindo até haver um buraco grande o bastante pra ela poder passar. E tudo nela estava novo: o cabelo, a coroa, as sandálias – agora eram douradas, com um tipo de fita que ia se enrolando ao longo da panturrilha até a altura dos joelhos – e o vestido. Nada mais do vestidinho de princesa. Agora era um vestido de balada, branco e dourado, com um decote em coração que jogava seus peitos no teto e saia tipo bailarina. A coisa mais brilhante e mais bonita que eu já havia visto!
Sem dúvida, algo a entrar para a história e para as mentes invejosas das garotas da escola!
Um funcionário do bufê arrastou a mesa do bolo – ela estava sobre rodinhas! – até a Lana e acendeu as velas coloridas. Os irmãos mais velhos apareceram do nada ao lado dela e puxaram o parabéns, que encheu o salão de uma forma muito mais intensa do que a música.
– Vem, Lolita! – disse então alguém atrás de mim, e começou a me puxar. Eu soltei a mão do Ricardo e cedi, notando depois que estava sendo arrastada pela Bela.
– Aonde nós estamos indo? – eu perguntei.
– Jogar bolo na Lana! – me respondeu.
– O quê? – eu quase gritei, e ela riu.
– Idéias da sua prima e do Edson! Vamos logo!
– Eu não vou fazer isso! – e parei. Ela parou junto.
– Fala sério, Lolita! – me puxou de novo – Claro que vai! Ela não vai ligar!
– Se ela me matar, a culpa vai ser toda sua!
Encontramos com a Giovanna e a Sabrina já perto do palco. A Lana estava cortando o bolo, e o Diego tinha aparecido, milagrosamente de pé e melhor do que eu esperava, ao lado dela, com um sorriso bobo no rosto. Nós quatro subimos no palco ao mesmo tempo em que ela estendia o primeiro pedaço de bolo para o namorado.
– Agora! – a Giovanna exclamou para o Edson, e tudo aconteceu muito rápido.
Ele e o Henry meteram a mão no bolo. A Lana abraçou o Diego. As minhas primas correram para a mesa do bolo, e puxaram eu e a Bela com elas. A Lana e o Diego se soltaram, e ela se virou para sorrir pros convidados mais uma vez.
E então tomou uma rajada de bolo no rosto e no vestido. Junto com o namorado.
– Filhos da mããããe! – ela gritou, a princípio, enquanto todo mundo no salão ria.
Eu já estava ficando com medo de que ela ficasse puta da vida, quando ela simplesmente afundou a cara dos dois irmãos no bolo e berrou:
– Guerra!
A próxima coisa que se viu foi todo mundo tomando bolo, água, salgadinho, refrigerante, drinques e o que estivesse mais próximo, na cara.
Quando foi declarado o fim da guerra, dez minutos mais tarde, eu estava cheia de bolo e refrigerante no vestido, a Lana estava lavada de todos os docinhos da mesa e cada convidado estava mais sujo do que jamais ficou em festa alguma.
Ah, sim. Não sobrou muito do bolo para contar a história. Ou pra ser comido.
7°: Não beba se não souber beber.
A festa continuou rolando, e eu continuei junto com o Ricardo. As coisas entre nós estavam ótimas, soberbas, e eu estava no paraíso.
Mas também estava no inferno.
Eu estava com o cara que eu queria há anos, mas não agüentava ficar num raio de dois metros de onde a minha prima mais velha estava se pegando com o Edson. Era incômodo de uma maneira completamente estranha.
Além do mais, eu não podia deixar de perceber como todo mundo me percebia. Olhava pra onde eu ia, falava de mim. Eu não podia ser feliz por um instante que já virava fofoca?
Lá pelas três da manhã…as coisas começaram a desandar.
Felizmente, não para mim!
Estávamos dançando, e alguém teve a brilhante idéia de arrastar algumas mesas para o centro da pista. A primeira a subir foi a Lana, estreando o palco, chamando atenção para o fato de ser a única que agia como louca sem precisar estar bêbada para isso. Para a minha surpresa, o Diego a acompanhou. Não demorou muito até ele estar tonto demais e precisar descer.
As mesas continuaram servindo de palco para meninas e meninos subirem, dançarem, provocarem. Cada uma das meninas do segundo e do terceiro ano do Santa Rita ali presentes achou que seria uma boa idéia subir e chamar um garoto, ensaiar coreografias ousadas. Foi engraçado até alcançar o limite, e tornar-se desagradável.
Quando elas desceram, foi a vez da Suellen e da Lua subirem.
Elas não estavam bêbadas. Nada disso. Elas estavam bêbadas há uma ou duas horas. Agora estavam muito, muito, muito pior!
A música mudou. De psy, tornou-se mais lenta.
Uma música de strip-tease.
– Não! – exclamei, boquiaberta, e olhei pra mesa do DJ.
A Bela estava lá. Rindo como louca. Ela e seu novo garoto Willian.
Como se eu já não soubesse…
– Caraca! – foi o grito do Ricardo, e eu voltei o olhar de novo para as mesas no centro da pista.
A Suellen já tinha metade do vestido erguido, revelando nada mais do que a calcinha cor da pele. Os uivos e assobios masculinos eram crescentes enquanto ela enrolava pra tirar o que fosse, abaixava e subia a saia do vestido preto que usava, soltava o cabelo preso, brincava com a sua platéia ansiosa.
Mas ao seu lado, a Lua já estava sem o corpete. O sutiã apertava os peitos pequenos, deixando-os maiores do que jamais foram, e ela rebolava, girava, dançava completamente fora do ritmo da música.
Fiquei mais do que aliviada quando o meu celular tocou.
– Alô? – atendi, quase desesperada. Ao meu lado, o Ricardo já tinha deixado de me dar atenção, mas o choque me impedia de ficar brava.
– Carlota, eu estou na porta. – minha mãe disse, do outro lado, e eu quis ajoelhar e agradecer a Deus – Chame as suas primas.
– Um minuto!
Desliguei o telefone e cutuquei o Ricardo. Ele se virou para mim como se estivesse saindo de um transe ou algo parecido.
– Oi!
– Eu estou indo. – disse a ele, e pela sua concordância, pensei que não tivesse me escutado.
– Tudo bem.
– Tchau.
Dei-lhe um beijo – ou uma tentativa, porque ele continuava sem prestar atenção em mim – e o deixei para procurar pelas minhas primas.
Primeiro encontrei a Giovanna, ainda abraçada ao Edson, alheios à confusão que assomava o salão. A chamei sem olhar diretamente para ela, avisei que estávamos de saída e pedi pra que me esperasse do lado de fora enquanto eu procurava pela Sabrina. Saí rápido demais pra não ter que ver enquanto os dois se despediam.
Rodei o salão todo em busca da Sabrina, só pra encontrá-la vomitando num vaso de plantas de mentira.
– Cacete! – murmurei para mim mesma, antes de ir até ela, tendo o cuidado de respirar pela boca – Sá?
– Oi… – ela respondeu, e voltou-se para mim. Me olhou e começou a rir.
Era patético!
– Já parou de vomitar? – perguntei, irritada, e ela assentiu, ainda rindo – Vamos, a minha mãe chegou.
– Deixa só eu pegar mais um copiiinho! – ela guinchou, tentando ficar de pé e vacilando no processo. Eu a segurei antes que caísse e passei seu braço pelo meu ombro.
– Sem copinho! – saí andando, praticamente carregando-a nas costas – Nada mais de bebida!
– Como você é chaaata!
– E como você é bêêêbada!
– Ah, eu sou, há, há, há!
Rolei os olhos e a arrastei pelo salão até o lado de fora, onde tive que praticamente jogá-la dentro do carro, dando graças a Deus que tinha acabado aquela noite!

[continua… dia 07 de Julho]

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