O Diário (nada) Secreto – Capítulo 4

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa

Capítulo 2 – Jogo de Interesses

Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa

Capítulo 4 – A Semana Seguinte
Claro que eu podia imaginar que a semana seguinte seria diferente. Que o colégio estaria impossível, apinhado de comentários – bons e ruins, principalmente – e que algumas coisas estariam, no mínimo, mudadas.
Mas eu não estava preparada pra semana que viria. Nem um pouco.
A começar…
Pela Bela.
Dez entre dez manhãs com ela no ônibus eram um constante falatório sobre meus problemas ou sobre a Suellen. Sempre. Vez ou outra, nossos assuntos cotidianos eram substituídos por algum estudo ou assuntos da escola em geral, mas era tão raro que eu não estava acostumada.
Como explicar, então, aquela doce segunda-feira em que o assunto foi o Willian, pra variar um pouco?
Culpa minha, claro. Eu perguntei. Mas não tinha a menor esperança de que ela realmente falasse, me contasse alguma coisa. A Bela não era muito do tipo detalhista quando o assunto era garotos, fosse porque ela nunca tinha ninguém, fosse por ser muito reservada. Logo, foi estranha a resposta dela quando eu perguntei:
– O que exatamente aconteceu naquele banheiro?
PS: Eu não contei a ela que eu e, bem, todos no recinto vimos muito bem o que aconteceu lá dentro.
– Ah, claro, deixa eu te contar! – ela exclamou, toda animada de repente.
Então, se ajeitou na poltrona o ônibus e começou a me contar.
Devo dizer que tive um péssimo desempenho em tentar conter o meu espasmo.
– Vocês trancaram a gente lá, e ai ficou aquele silêncio por um bom tempo. – a Bela começou, e então parou quando viu a minha cara – O quê?
– Nada, nada. – dei um pigarro, com medo de que ela mudasse de idéia – Continue.
– Certo. Bom… – e foi em frente – A gente ficou quieto por, sei lá, dez minutos? Aí, ele me perguntou se aquilo tinha sido idéia minha.
– E o que você respondeu? – perguntei, desnecessariamente.
– Que era claro que não!
– E ele?
– Ele não acreditou. Ai ele falou que você tinha ido falar com ele pra tentar agitar alguma coisa, e que se eu quisesse ter ficado com ele eu podia simplesmente ter ido falar com ele.
– Ta brincando!
– Não! E aí, bom… – ela riu, meio sem graça, meio pervertida – Aí eu disse que se era só disso que eu precisava, tudo bem então, mas que eu não ia falar nada.
– Não ia falar nada?
– Aí eu beijei ele.
A Bela disse isso com tamanha naturalidade que meu queixo caiu.
Quem era ela e o que ela tinha feito com a minha melhor amiga?
– O.M.G. pra você! – exclamei, atônita, enquanto ela ria.
– E foi demais, foi demais, Lolita! – continuou – Eu achei que, sei lá, ele fosse me empurrar ou qualquer coisa, mas não! Ele só me beijou de volta e a gente ficou lá até que alguém abriu a droga da porta, e a gente pôde sair!
– Céus!
– E mesmo assim a gente ficou a noite toda, e eu sei lá, mas acho que ainda vamos ficar!
– Céus duplos!
– O quê?
– Você definitivamente não é a Belatriz! Quem é você?
Nós duas rimos, e então sobrou só o silêncio.
– Eu fico feliz por você. – eu disse então, e ela apenas sorriu de um jeito desajeitado.
Após algum tempo, foi ela quem me perguntou:
– E você e o Ricardo?
Ela não parecia com raiva como geralmente ficava quando se tratava dele. Não insinuou que eu era uma idiota e que estava me enganando. Simplesmente perguntou.
– A gente ficou na festa. – eu respondi, com um meio sorriso duvidoso – Eu não sei como vai ser daqui pra frente, mas ele meio que deu a entender que gosta de mim. Acho que as coisas vão ser diferentes.
– Vão, vão sim.
Nós nem tínhamos idéia!
Fomos as primeiras a descer do ônibus quando este estacionou na frente da escola. Ainda estávamos conversando sobre a festa, quando eu bati os olhos na nossa mesa de sempre.
A Sabrina estava dormindo, debruçada sobre a própria mala. A Lana estava fazendo lição com a ajuda do namorado, Diego. E a Giovanna estava de mãos dadas, conversando e sorrindo para o Edson.
Fiz de conta que aquilo não era completamente anormal e me virei pra Bela de novo.
– …e eu não acho que ele queira alguma coisa séria! – ela estava dizendo, de maneira óbvia, e eu assenti.
– Também acho que não. – concordei, segundos antes de perceber que eu não fazia a menor idéia do que ela estava falando, mas que a minha concordância cabia muito bem ao que eu estava pensando naquele exato momento:
A Giovanna e o Edson não iam durar muito. Não mesmo.
Estávamos a meio caminho da mesa, quando o Willian apareceu e abraçou a Bela pela cintura. Eu dei um “oi” rápido pra ele e comecei a andar mais depressa, tendo duas opções excelentes à vista: segurar vela pros dois ali, ou pros outros dois casais na mesa.
Escolhi a segunda opção. E não fiquei nada satisfeita por isso.
Quando o sinal tocou, eu fui a primeira a me levantar e disparar em direção ao nosso prédio. Ninguém me deu atenção. Ninguém me deu atenção em momento algum. Eu não ia fazer falta. Então, simplesmente fui, e cheguei na sala antes que qualquer outro aluno no prédio o tivesse feito. Acendi a luz e me sentei na minha carteira de costume.
A sala começou a se encher de gente, o falatório aumentou. Eu fechei os olhos e encostei a cabeça na parede, desejando estar a quilômetros dali. Quando os abri de novo, somente a carteira do Daniel estava vazia, e o professor já estava escrevendo algumas coisas na lousa. O Ricardo estava sentado à minha frente, como de costume, copiando a matéria. Achei melhor não incomodar e comecei a fazer o mesmo.
Os 50 minutos de aula pareceram 50 mil, tão ansiosa eu estava. Precisava falar com o Ricardo e ter certeza de que tudo estava bem entre a gente. Precisava de um mínimo de felicidade pra não me sentir assim tão abandonada como eu estava me sentindo. Mas o tempo simplesmente não queria passar.
Então eu desisti de esperar acordada. Debrucei sobre a carteira e fechei os olhos.
E aí, bateu o sinal.
O professor saiu da sala e eu ajeitei o cabelo, me preparando pra cutucar o ombro do Ricardo, mas outra pessoa chegou primeiro. De maneira muito menos sutil, devo dizer.
Meu queixo caiu quando a Suellen soltou um gritinho agudo e veio correndo, saltitante, até a minha fileira. Achei que ela fosse me incomodar por alguma coisa, mas não. Ela veio, e o Ricardo estendeu a mão para ela. E então a puxou até ele. A Suellen se sentou na sua perna esquerda e deu um beijo nele.
Na boca.
O mundo caiu à minha volta e eu senti uma séria vontade de vomitar. Me levantei e corri pro banheiro, onde eu bati a porta com tanta força que teria sido capaz de quebrá-la com as minhas mãos. Me encostei na porta e deixei as lágrimas caírem em cascata.
Que porra era aquela?
Alguém bateu na porta e eu funguei.
– O quê? – quase gritei.
– Abre, Lolita. – era a Bela.
– Pra você dizer “eu te disse”? – eu ri, sem achar nenhuma graça, e funguei de novo – Não. Já to mal o suficiente, obrigada.
– Não é nada disso, abre.
– Bela, vai embora. Eu quero ficar sozinha.
Um minuto quieto se passou, mas eu sabia que ela ainda estava lá. Então, ela disse:
– Não demora. A Ângela já ta na sala.
(Ângela é a nossa professora de religião)
Fiquei mais alguns minutos, martelando tudo no banheiro, e então abri a porta. Peguei um papel pra limpar o rosto meio manchado de rímel, que tinha escorrido com todo o choro, e fui pra sala de cabeça erguida.
Tudo bem, então era isso. Enganada de novo. Mas ele ia me escutar, e ia me explicar. E então, ia se arrepender.
Não prestei atenção em nenhuma das duas longas aulas de religião. Fiquei rabiscando a carteira com o lápis, quase furando a madeira ou quebrando a ponta do grafite. Meu coração parecia a bateria de uma escola de samba, de tão forte e acelerado que estava batendo. Eu queria morrer explodindo, ou matar alguém. De preferência, uma loira biscate que se parecia muito com a minha melhor amiga.
Quando o sinal tocou pro intervalo e todo mundo começou a descer, eu cutuquei o Ricardo sem pestanejar. Ele se virou para mim com um ar de surpresa.
– Oi, Lolinha. – ele disse, todo simpatia, e eu ignorei o fato de que ele ainda achava que podia usar o apelido que me dera quando nós éramos, de fato, nós.
– A gente pode conversar? – indaguei, séria, e ele ergueu uma sobrancelha.
– Agora?
– Depois que todo mundo sair.
– Certo…
Esperamos, sentados, eu olhando diretamente para ele, ele fugindo do meu olhar. O vi fazendo sinal pra Suellen, que então saiu, nos deixando, enfim, sozinhos.
– Então… – ele murmurou, e eu fiquei de pé. Ele me imitou.
– Eu só queria entender… – comecei, e me senti completamente idiota.Tirando satisfação de algo como aquilo parecia perfeitamente infantil – Na festa da Lana, eu achei que tinha rolado alguma coisa. Entre a gente.
– E rolou. – o Ricardo afirmou com veemência, e meio confuso.
– Não é o que parece. – cruzei os braços – Ricardo, eu te fiz uma pergunta aquele dia, se você não se lembra. Eu perguntei se você gostava de mim. Você disse que sim.
– Eu não estava mentindo.
– Então de onde saiu essa de você me dizer isso no sábado e estar com a Suellen na segunda?
– Lolinha, olha…
– Não me chama de Lolinha, eu deixei de ser a droga da Lolinha na sétima série!
Ele se calou. Meu tom deve ter-lhe mostrado que eu não estava brincando. Ou talvez fosse meu olhar raivoso.
– Lolita, desculpa se eu te passei a impressão errada lá na festa, ta? – me disse, e eu quis quebrá-lo em pedacinhos.
– E qual é a impressão certa? – perguntei, quase sem voz.
– Foi legal e tudo ter ficado com você de novo, só que…não é o que eu achei que fosse.
– Como?
– Eu te conheço, você é uma garota legal. Merece mais do que eu. Um cara que goste mais de você. E não sou eu.
Eu dei um meio sorriso e respirei fundo pra não começar a chorar.
– Ótimo! – exclamei – Muito bom! Se eu soubesse que você ia brincar comigo de novo, talvez eu tivesse me preparado. Que pena que eu esperei mais de você, então.
E saí.
Não fui para o pátio. Fiquei zanzando pela escola.
Ele brincou comigo. Agora, ia pagar.
Na terça, eu estava mais calma, e pronta para bancar a superior. O ignorei por completo, da mesma forma como ignorei quase tudo à minha volta – ficava bem mais fácil de suportar qualquer coisa desse jeito. Outra vez, a carteira do Daniel estava vazia, mas isso não foi nem de longe o fato mais interessante do dia.
Ou devia dizer problemático?
No Santa Rita, as aulas de computação costumam juntar duas ou mais classes pequenas. A minha tinha apenas 27 alunos, um número baixo para um primeiro colegial originado de uma oitava série de mais de 50 em seu total. Logo, nós compartilhávamos a aula de computação com o segundo ano, ainda menor do que a nossa sala: 20 alunos, apenas.
Sentei ao lado da Sabrina, a atual única solteira no nosso grupo, além de mim. A Giovanna estava cabulando aula pra ficar com o Edson na biblioteca, como a minha priminha tinha me contado. Detalhes que eu preferia não ficar sabendo. Os dois computadores ao lado dela estavam desocupados.
Cada garoto do segundo ano que passava dava oi pra ela. Sorria pra ela. Mexia com ela. A Sabrina, educada como sempre, se limitava a sorrir de volta e responder. Me perguntei quando ela tinha ficado assim tão popular.
– Você conhece eles? – perguntei, após chegar à conclusão de que nem eu sabia seus nomes.
– Não. – a Sabrina me respondeu, direta e simplesmente – Nunca vi!
– Então por que eles estão te cumprimentando? – indaguei, meio perdida.
– Não faço a menor idéia, mas como eu sou muito educada eu faço de conta que conheço e respondo.
– Que maravilha!
– Ta assim desde ontem. Uns quatro ou cinco caras do segundo e do terceiro já passaram por mim e me dão oi e eu não faço a menor idéia do por quê!
– Você não se lembra? – disse uma voz aguda e maliciosa atrás de nós. Eu não precisei me mover pra saber quem era.
A Ariane se sentou ao lado da minha prima, acompanhada de uma oura garota do segundo ano. Eu a conhecia o suficiente para saber que ela só vinha se sentar longe do seu habitual círculo de amizades quando tinha algum objetivo – que geralmente envolvia fofoca – em mente. E eu duvidava que dessa vez fosse diferente.
A pergunta era: o que ela sabia? Ou o que estava tentando saber?
– E aí… – a Sabrina começou a dizer, olhando de mim para a outra – Ariane? – arriscou. Ainda não tinha decorado os nomes de todo mundo.
– Você se lembra de mim! – a Ariane exclamou, deliciada, e a sua amiga riu com gosto enquanto ligava o computador – Que linda!
– Eu costumo ter uma boa memória. – a minha prima afirmou, e girou a cadeira para encarar somente a tela do computador.
– Mesmo depois de beber?
Nós duas a olhamos quase ao mesmo tempo. Estava sorrindo de orelha a orelha.
– Do que você está falando? – a Sabrina perguntou, para o deleite da maior fofoqueira da escola.
– Sábado. – ela insistiu – Festa da Lana. Umas doses a mais de vodca, cerveja, ou seja lá o que você tomou. Esqueceu disso também?
– Não, não esqueci. – o tom da minha prima era cauteloso, e meus olhos passavam entre as duas como se eu estivesse acompanhando uma partida de tênis – Aonde você quer chegar?
– Sabrina, não me leve a mal… – tirou uma lixa de unha do bolso da calça e começou a lixar as unhas da mão esquerda – Eu não sei como era lá no interior, mas nós temos uma regra por aqui. Quem brinca com fogo costuma se queimar, sabia?
– Então é melhor você não acender o pavio.
– Tão nervosinha! Prefiro você quando ta bêbada! Muito mais tranqüila!
– Você não sabe de nada!
– Ah, eu sei! – a Ariane riu e baixou a voz – Eu sei muito mais do que você sabe sobre aquela noite, pelo visto. E não só eu, pode ter certeza.
– Por exemplo? – a Sabrina girou novamente a cadeira, ficando frente a frente com ela. Eu prendi a respiração, temendo o que viria a seguir.
– Por exemplo… – e se aproximou de nós duas – Que você ficou com todos os garotos daquela fileira ali, ó!
O meu olhar e o da Sabrina acompanharam até onde a Ariane estava apontando. A última fileira da sala de computação tinha os 6 dos 10 lugares ocupados por garotos, todos olhando na nossa direção. Olhei, assustada, para a minha prima, e vi que ela estava corando.
– Não fiquei! – insistiu, mas eu vi a incerteza presente na sua expressão.
– Eu não espero que você se lembre, claro. – então, a Ariane suspirou – Mas eu não mentiria pra você. Pergunte pra qualquer um que foi à festa se quiser.
A Sabrina me encarou, em pânico, a boca aberta para perguntar. Eu estava formulando a resposta, quando fomos interrompidas pela Ariane novamente.
– Menos pra sua priminha, claro. Ou pra sua irmã. Elas estavam ocupadas. – eu lhe lancei um olhar destruidor, mas ela não se abalou – Aliás, Lolita, eu soube que você foi substituída. É sério isso?
– Vai se fuder. – sibilei, e ela riu.
O resto da aula foi tensa. A Sabrina parecia nervosa, enquanto eu estava roxa de raiva e as outras duas não paravam de cochichar e rir. Foi um alívio quando finalmente o sinal tocou e nós pudemos sair daquele inferno.
– Eu nunca mais vou beber numa festa! – a Sabrina exclamou, a caminho da sala – Você viu aquilo? Eu não acredito que eu cheguei a esse ponto!
– E eu não acredito que você está preocupada com isso! – disse eu – Sá, relaxa, certo? Já foi!
– Eu não sou a minha irmã!
– Devia ser, numa hora dessas. Que diferença faz se estão falando de você? Ninguém tem nada a ver com a sua vida!
– Aquela Ariane é um monstro!
– Você agora está oficialmente integrada ao Santa Rita, parabéns!
Nós duas rimos, ambas sem ver graça em absolutamente nada. Entramos na sala e a Giovanna já estava lá, parecendo no paraíso.
Precisei de muito esforço pra permanecer calma enquanto eu me sentava.
Na quarta-feira, os ânimos estavam um pouco mais exaltados, mas por outro motivo. Era dia da primeira prova daquele bimestre, e pra começar seria logo de química. Seria só na última aula, mas todos já estávamos desesperados.
O Diego, sempre expert em todo tipo de matéria que envolvia cálculos e fórmulas, tentava explicar, simultaneamente, a matéria para mim, minhas primas e a Bela, com a ajuda da Lana. Não estavam tendo muito sucesso. Eu estava uma pilha de nervos, e bem ao lado do casal do Edson e da Giovanna, os dois de mãos dadas. A Giovanna tinha dificuldade para prestar atenção por causa do Edson. A Bela era um completo fiasco em química, tal como a Sabrina. O grupo menos propício a aprender o que fosse de última hora.
Já na sala, enquanto eu tentava enfiar alguma coisa na cabeça, vi o Ricardo e o Willian – o Daniel tinha faltado de novo, a Bela disse que ele estava doente – consultando a apostila de química e fazendo anotações minúsculas num pedaço de papel. Cola.
Todo mundo cola quando está na escola. Fato. Mas quantos de nós podem realmente se aproveitar da cola alheia para um outro uso que não na própria prova?
Era a minha chance.
Fosse porque estávamos todos ansiosos, fosse porque tinha prova, o dia passou num piscar de olhos, e logo já estávamos com somente lápis, caneta e borracha sobre a mesa – alguns de nós. O Ricardo tinha lápis, caneta, borracha e cola sob a borracha – e a prova à nossa frente.
Durante meia hora, eu fiz o que pude com as dez impossíveis questões de química que eu tinha que fazer. Pra falar a verdade, tudo o que eu respondi com certeza foi o meu nome, número de chamada e série. Dali pra frente, era nada além de mera suposição. Eu tinha deletado a matéria da minha cabeça como que por magia, e agora desejava mesmo uma varinha de condão pra conseguir resolver aquela prova.
Bufei e consultei o relógio que ficava em cima da lousa. Faltavam ainda quinze minutos, e eu não sabia fazer mais absolutamente nada.
– Posso entregar, professora? – perguntei, meio alto demais naquela sala milagrosamente silenciosa. Ela assentiu.
Eu, então, puxei meu caderno que estava dentro da mochila e arranquei um pedaço de uma das folhas. Escrevi, em letras grandes e claras “O RICARDO TEM UMA COLA EMBAIXO DA BORRACHA” e entreguei a prova.
Baixei a cabeça e fingi que estava dormindo. A sala estava quieta o suficiente pra que eu escutasse a professora se levantando e andando até a minha fileira. Ergui ligeiramente meu rosto e abri um dos olhos, a tempo de ver a professora erguer a borracha e encontrar o papel com as anotações que ele fizera.
Fiz um esforço bruto pra não rir quando ela tomou a prova do Ricardo, que não teve chance de protesto. Levou-a até a mesa e rabiscou um ZERO robusto no topo.
Nada tão doce quanto a vingança, certo?
Eu ainda estava rindo disso na quinta-feira, após ter sido aplaudida e parabenizada pela Bela, pela Lana e pelas minhas duas primas. Não era muito o que eu tinha feito, mas no mínimo tinha conseguido fazer com que ele se ferrasse em alguma coisa! Agora eu estava pronta pra ignorá-lo como merecia.
Infelizmente para o Ricardo, foi naquela quinta-feira que o Daniel apareceu, recuperado do que quer que ele tivesse. Nós saímos da sala na primeira aula em direção à quadra – era dia de educação física -, que já estava ocupada por um quarteto estranho.
De um lado, o Ricardo. Do outro, o Daniel. No meio, o professor e a Suellen.
E eu tenho que dizer, a cara do Daniel não era nada boa.
– O que ta pegando? – escutei várias pessoas perguntando, e olhei para a Bela e o Willian, ao meu lado.
– Já to vendo tudo… – a minha amiga murmurou, e o Willian concordou, em silêncio.
– O que foi? – perguntei aos dois.
– O Daniel não sabia que o Ricardo tava ficando com a minha irmã. – a Bela me respondeu, e então eu também vi tudo.
Eu não sei se eu já comentei, mas a Suellen e o Daniel eram uma história antiga. Dois primos com um histórico longo de casos. Um histórico que todo mundo conhecia. Eles tinham dado o primeiro beijo juntos, ficado escondido e quase chegaram a namorar. A Suellen já tinha, aparentemente, superado aquela fase, mas não o Dani. Ele já tinha tido outras garotas, mas todo mundo sabia que ele gostava dela. E ele não se preocupava em disfarçar.
E agora, um dos seus melhores amigos estava com ela. Já era bem difícil pra ele quando qualquer garoto da escola ficava com ela – e olha que já tinham sido muitos! -, imaginem então sendo o Ricardo.
– Você acha que ele vai… – comecei a perguntar, mas os cochichos se tornaram cada vez mais altos, se silenciando só quando o Ricardo começou a falar.
– Cara, fica frio! – ele pediu – Vamos conversar numa boa!
– Eu não quero conversar, velho! – o Daniel quase gritou – Eu quero quebrar a porra dessa sua cara de porrada!
– Daniel, pára com isso! – a Suellen exclamou, esganiçada, indo em direção ao primo. Parecia cena de cinema, com direito a público e tudo – Ninguém vai bater em ninguém!
– Su, fica na sua, deixa eu resolver isso com ele. – o Ricardo disse, e ela o olhou, meio incerta, antes de se afastar dos dois.
– Vamos, garotos, não me obriguem a chamar a direção! – o professor afirmou, e pôs a mão sobre o ombro do Daniel. Ele não desviou os olhos do Ricardo, parecendo furioso.
– Você vai se arrepender por isso, cara! – declarou – Muito! Ta me escutando?
Ele não respondeu.
– Podia ter sido qualquer um, qualquer um! – continuou – Menos você! Você era meu amigo, meu irmão! Aí você vai e pega a Suellen?
Somente silêncio. Então o Daniel deu as costas, e todos pensamos que o espetáculo tinha acabado. Os cochichos estavam ameaçando recomeçar quando ele simplesmente girou outra vez e se atirou com tudo pra cima do Ricardo, enfiando o punho no seu rosto com toda a vontade. E repetiu o soco mais duas vezes, depois que caíram no chão.
Os gritos ecoaram pelo pátio enquanto o professor, o Willian e, acreditem ou não, o Diego tentavam separar os dois. Os óculos do Diego caíram e se quebraram, o Willian tomou uma cotovelada no nariz – que começou a sangrar – e ninguém parecia forte o suficiente pra segurar o Daniel. Alguém teve a brilhante idéia de chamar os inspetores e as freiras, e a briga tornou-se uma confusão de escalas absurdas.
Quando, enfim, eles estavam afastados o suficiente pra avaliar os danos, a camiseta do Daniel estava rasgada e o Ricardo estava sangrando e cheio de marcas no rosto. Não só as freiras apavoradas e os inspetores estavam presentes, como professores e alunos que haviam sido atraídos pra fora de suas classes pra ver a confusão.
Os dois foram levados à enfermaria – um de cada vez, cuidando para que tivessem o mínimo de proximidade – e em seguida à sala da coordenação, onde foi dada uma sentença de três dias de suspensão para cada um, mais uma semana de serviços prestados à escola para o Daniel.

Eu sorri em silêncio, satisfeita com tudo, quando estava acabado. Se eu não o tinha feito pagar o suficiente, certamente alguém tinha. Eu iria ajudar o Daniel de alguma maneira, como forma de agradecimento!

[continua… dia 04 de Agosto]

1 thought on “O Diário (nada) Secreto – Capítulo 4

  1. To muito feliz por você ter recomeçado a escrever "O Diário", e eu que tanto te cobrava né, kk
    Mas que bom que você trouxe de volta a vida de Lolita e seus amigos pra minha vida novamente.

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