O Diário (nada) Secreto – Capítulo 7

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa

Capítulo 2 – Jogo de Interesses

Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa

Capítulo 4 – A semana seguinte

Capítulo 5 – Cíúmes

Capítulo 6 – Proibido é mais gostoso

Capítulo 7 – Quem tem medo do Lobo Mau?
– Carlota Rodrigues Paes!
Meu Deus do céu, quem foi que ligou a voz da minha mãe em amplificadores e colocou vinte caixas de som de potência máxima bem no meu ouvido?
Abri os olhos, e dei de cara com o chão da sala. Eu não fazia a menor idéia de como tinha ido parar ali.
Opa, peraí, eu lembrava sim. O Edson tinha me levado até em casa, e eu deitei ali porque estava mais perto. Mas antes disso…
O gosto na boca me deu uma dica. Vômito. Muito vômito. E pela dor de cabeça, a minha noite tinha sido cheia.
Onde é que eu estava mesmo?
– Carlota, quer levantar e olhar pra mim? – minha mãe tornou a falar, cada palavra soando como uma orquestra inteira tocando bem na sala minúscula do nosso apartamento.
Levantei e logo percebi que aquele era um erro fatal. Minha cabeça girou e eu tombei no sofá de novo. Tive vontade de rir, mas me contive, porque eu tinha certeza de que a minha mãe não ia achar a menor graça. Ainda mais me vendo daquele jeito.
Eu estava de ressaca. Pela primeira vez, e era uma ressaca braba! Daquelas que torcem o seu pescoço e amassam o seu cérebro, que te derrubam por um dia inteiro. Era o tipo de dia que você deitava pra nunca mais levantar.
Mas era também uma segunda-feira, então eu estava ferrada.
– Você foi àquela festa, Carlota? – me perguntou.
A resposta mal educada estava na ponta da língua, mas não era hora pra isso. Eu já estava fudida o suficiente pra fazer algo que piorasse a situação agora. Eu podia muito bem ficar de bico calado.
– Fui. – respondi, e fiquei impressionada por quão rouca eu estava. Será que eu tinha gritado ontem?
– Você enlouqueceu? – começou a gritar, furando o meu crânio e explodindo meus ouvidos por dentro – Num domingo, sem a minha permissão? Você mentiu pra mim, foi numa festa e se embebedou sabendo que você tinha AULA no dia seguinte! Você não tem juízo, menina? Cadê a sua responsabilidade, as coisas que eu te ensinei?
Pronto. Ia começar. O despejo de mãe sofredora que batalha pra criar os filhos, que crescem e pisam em cima de tudo o que elas fizeram.
Todas as mães são iguais!
Bem, eu não era obrigada a ficar escutando aquilo, era? Achei que não. Fiz uma cara de “estou morrendo” – que era inteiramente verdadeira -, pus a mão na cabeça pra tentar conter a dor iminente e fui andando pelo apartamento até a cozinha. Minha mãe foi atrás, falando consigo mesma, enquanto eu caçava um remédio pra enxaqueca, ressaca ou qualquer outro comprimido que pulasse dançando na minha frente.
Engoli um comprimidinho branco simpático e fui pro meu quarto. Minha mãe ainda estava falando. Isso é que é energia! Peguei meu uniforme e uma calcinha e fui pro banheiro. Ela ainda estava discursando e me dando bronca enquanto eu tomava banho.
A água quente do chuveiro ajudou, mas não resolveu muita coisa. Mesmo depois de eu escovar os dentes, minha boca ainda estava seca e com gosto ruim. Minhas roupas fediam a vodca com fumaça de cigarro, e eu rezei pra não ter fumado enquanto estava… fora de mim. Além disso, nem um milhão de banhos seriam capazes de anular minha dor de cabeça e minha ânsia de vômito. Eu estava um verdadeiro caco.
Quando saí do banheiro, devidamente vestida, minha mãe havia parado de falar e estava na sala, com cara feia. Fui pro quarto, peguei a mochila e consultei o relógio. Atrasada pra pegar o ônibus, mas ainda não para a escola. Ótimo. Era, de fato, o melhor dia pra pegar carona com a minha mãe!
Eu sou mesmo um acúmulo de azar ambulante!
– Vamos logo. – minha mãe disse, irritada. Eu nem me dei ao trabalho de responder. Só peguei minhas chaves e fui.
Desnecessário dizer que ela falou o caminho todo. Eu dormi durante uma parte do trajeto – e da bronca, por tabela -, mas tive que me distrair durante o resto. Quando cheguei na escola, eu estava um pouquinho pior do que antes.
– Quando eu chegar em casa, nós vamos ter uma conversinha! – ela exclamou, enquanto eu ia saindo.
Como se eu já não soubesse!
Entrei no Santa Rita exatamente quando o sinal tocou, sem nenhuma vontade de subir. Vários alunos do Ensino Médio pareciam se encontrar no mesmo estado de ânimo que eu. Eu podia apostar que a maioria estaria de ressaca. Aquela seria uma manhã e tanto!
– Oi, gente. – eu disse, quando cruzei com a Lana subindo, abraçada ao Diego, andando lado a lado com a Giovanna e o Edson. Nem sinal da Sabrina, ou da Bela.
Ótimo.
– Oi, Lolita. – o Diego cumprimentou. Ele era o melhor entre todos nós. Parecia animado, porém silencioso.
A Lana, cujos olhos escuros estavam adornados por olheiras roxas bem fundas, se limitou a sorrir e a minha prima nem isso – apenas bocejou, sem nem me dar atenção. Edson foi o único que veio até mim e me deu um beijo no rosto, me fazendo corar e deixando a Giovanna puta da vida.
Aquilo bastou pra que ela me fuzilasse o dia inteiro.
Entramos na sala, e nem mesmo depois que todos os alunos entraram – Bela chegou e se sentou atrás de mim, com a cara de quem poderia rir de mim a qualquer instante – a Sabrina não apareceu. Me segurei pra não perguntar o que estava acontecendo. Meu contato com a Nana nos últimos dias era o mínimo necessário, e ainda assim qualquer pequeno diálogo virava uma completa catástrofe.
Então, era melhor eu ficar na minha.
A aula começou, e eu simplesmente não podia prestar atenção. Em quase 15 anos, eu nunca tinha estado tão cansada. Nem com tanta dor de cabeça. Lá pelos 25 minutos de aula, que mais pareceram 25 anos, a Bela me passou um bilhete.
Que noitada, hein.
A letra da Bela estava melhorando com o tempo, mas ainda era ruim. Sempre borrada e meio torta, grossa e forte demais. E dava quase pra sentir o riso dela na minha nuca. Tremi de medo.
O que foi que eu fiz?  Eu perguntei, exprimindo meus próprios pensamentos em palavras escritas. Passei o bilhete de volta, e dessa vez realmente escutei-a rindo.
O que você NÃO fez é a questão, Lolita! Você faz alguma idéia do quanto você bebeu?
Na verdade, não.
Eu vou te contar. Quando eu te vi pela primeira vez, você já estava bem alegrinha. Cada hora que eu te via você tava com uma bosta duma garrafa diferente. GARRAFAS, Lolita!
Oh, céus! O que eu fiz, Bela? Por favor, diga que pelo menos ficou assistindo, já que não se mexeu pra me fazer parar de beber!
Ah, mas eu tentei. Você quem não deixou. De qualquer jeito, eu vi você beijando um garoto que eu nunca vi na vida, e teve uma hora que começou a quebrar as garrafas na parede. Isso foi muito sinistro, mas eu consegui te conter a tempo!
Jesus! E eu vomitei! É, eu lembro que eu vomitei!
É, eu enfiei o dedo na sua garganta.
Eca! Isso é bem nojento, você tem coragem! E estômago!
De nada. J
Eu estava realmente cercada de pessoas problemáticas.
O dia todo, Giovanna me observou.
Seus olhos me diziam a verdade que eu não queria escutar da boca dela, porque o dia em que seus lábios se abrissem pra dizer o que ela queria falar na minha cara, ela certamente começaria a berrar. Eu a conhecia o bastante pra saber disso, e não era algo que eu viveria pra contar. Mais e mais, tudo o que eu sentia e tudo o que viria a acontecer por causa disso me sufocava, e eu me via cercada.
Meu maior alívio foi subir no ônibus pra voltar pra casa. A ressaca tinha me pegado de jeito, e eu ainda estava mal, com dor de cabeça, dor no corpo e vontade de vomitar. Preferi guardar esses detalhes pra mim. Não ia querer que Bela enfiasse o dedo na minha goela de novo. Embora estivesse realmente precisando.
Bela se sentou do meu lado após sabe-se lá quantos minutos de despedida do seu namorado – como ela me lembrava a caba dois minutos com seus comentários incansáveis. Me fazia desejar voltar à época em que ela só falava da Suellen. Pelo menos eu não sentia inveja. Quando ela se sentou, eu não pude segurar a minha língua. Eu precisava falar. Eu precisava admitir em voz alta. E nem esperei o ônibus entrar em movimento pra soltar:
– Você está certa. – parei. Ela me olhou, com uma sobrancelha erguida – Todo mundo estava certo. Eu sabia o tempo todo. Eu…
Eu não consigo falar. Eu não consigo dizer nem pensar nisso sem me sentir completamente horrível e assustada e com vontade de morrer, porque era a pior verdade do mundo e a pior coisa pra acontecer no pior momento!!!
– Você… – minha melhor amiga me encorajou a continuar. Não foi de muita ajuda.
– Eu realmente… – bufei – Eu realmente gosto do Edson.
Disse isso tão baixinho que não sei bem se ela me escutou. Primeiro me olhou, ainda confusa, então afrouxou a cara e pareceu tranqüila.
– Obrigada por admitir isso. – Bela afirmou, por fim, com ar de vitória – Tava me dando nos nervos ter que discutir com você sempre que você, sei lá, olhava demais. Vai facilitar minha vida por isso!
– Eu imagino… – suspirei e fui afundando no banco duro do ônibus da escola, me sentindo cada vez mais miserável – Eu estou ferrada!
– Por?
– Minha prima, ela vai me matar quando souber!
– Até parece que ela já não sabe…
– Obrigada, Bela, ajudou muito.
– Esqueça isso! – Bela puxou os fones por dentro da camiseta e pôs um na orelha esquerda – Ela é sua prima, tipo, família. Geralmente isso vem antes!
– Viria antes pra você? – indaguei, indicando Suellen, sentada no banco do lado com Lua. Bela rolou os olhos.
– Sempre há exceções… – respondeu, apenas – A Giovanna é uma boa pessoa, e ela te adora. Você me contou que costumavam ser amigas. Eu não entendo qual é o problema.
– O problema é que faz umas décadas que isso não é mais verdade, e a minha prima é uma adolescente completamente ciumenta, que sabe que eu gosto da droga do namorado dela! – chequei pra ver se ninguém tinha ouvido, e continuei – Ela não vai me dar um desconto só porque nós somos parentes!
– Você está exagerando!
– Não to, não! Se ela descobrir…
– Ela já sabe!
– Se ela resolver admitir isso como eu estou fazendo, aí a coisa vai pegar fogo! – e acrescentei, num murmúrio – Como se já não estivesse…
– Como assim? – a Bela perguntou, curiosa.
Rapidamente, resumi pra ela meus últimos confrontos silenciosos com a Giovanna, no qual ela me forçava a assistir enquanto ela ganhava o pr6emio que nós duas queríamos. Quando terminei de contar, Bela apenas ficou calada.
Por muito tempo nós permanecemos aqui. O ônibus foi esvaziando, até que só havíamos eu, ela e Suellen. Enfim, Bela se virou pra mim, com aquela cara pensativa, me obrigando a olhar pra ela. O fiz, e de imediato ela soltou:
– Sabe por que a Giovanna está fazendo isso, né? Te ameaçando?
– Ah… – pensei por um instante, e nenhuma razão além do puro ciúmes me vinha à mente – Não.
– Porque no fundo ela sabe… – Bela me disse – Que se ela fraquejar por um instante com você e você se aproximar do Edson e mostrar a ele que está gostando dele, ele não pensaria duas vezes.
– Não pensaria em quê?
– Você é burra? Ele não pensaria duas vezes em largar dela pra ficar com você!
Aquilo me pegou de surpresa. Eu nunca havia pensado nisso desde que eu e ele havíamos voltado a nos falar. Parecia uma perspectiva distante que o nosso relacionamento e os sentimentos de tempos atrás voltassem a ser o que eram. Eu nunca achei que isso pudesse se tornar verdade.
– Você acha? – indaguei, de modo meio vago. Bela deu um risinho abafado e sarcástico.
– Você tem alguma dúvida?
Eu não sabia. Não mesmo.
Eu não estava exatamente apavorada quando ouvi a porta do apartamento ser destrancada. Minha mãe podia ser meio durona, mas eu sabia que nossa conversa seria mais uma conversa entre dois seres humanos do que uma série de gritos ensurdecedores seguidos de um castigo que seria pior do que ficar amarrada num tronco levando chicotadas.
Ou pelo menos era nisso que eu queria acreditar. Porque a dona Abigail parecia bem puta da vida quando me viu jogada no sofá numa ressaca daquelas.
Fiquei no meu quarto, preferindo esperar que ela viesse me pegar pela orelha do que ir diretamente pisar sobre a bomba. Não tinha certeza se aquela minha atitude ia melhorar ou piorar alguma coisa, mas mesmo assim.
Ouvi toda a fúria da mamãe ser descontada na porta, nas chaves, nos pratos e nos talheres enquanto ela batia as coisas umas nas outras, fazendo um estardalhaço desnecessário para as seis horas da tarde. Fiquei na minha, com o rádio desligado e o computador quieto, apenas sentada na minha cama sem fazer nada.
Eu tinha que admitir. Agora eu estava apavorada. Ela ia comer meu fígado!!!
– Lolita! – ela berrou, quando já eram quase sete.
Minha própria mãe me chamando de Lolita? Cara, isso chega a dar medo!
Me apressei a ir até ela. Na minha cabeça, até o menor dos atrasos seria um problema. E, pela cara da minha mamãe enfurecida na mesa da cozinha, ela pensava a mesma coisa.
– Sente-se. – ordenou, em voz de comandante.
Me sentei. Embora a janela aberta da cozinha fosse algo muito mais tentador.
Mas a queda não valeria o esforço.
– Agora você vai me explicar exatamente o que aconteceu ontem. – continuou, e eu bufei, nervosa.
Então eu disse que tinha a festa e que eu queria ir. Disse que não havia ninguém do outro lado da linha quando eu fingi que a Bela tinha me ligado, e que eu nunca fui pra casa da Bela quando saí de casa, mas sim direto pra festa – não queria meter minhas primas nessa confusão. Disse que fiquei lá até quatro horas da manhã e bebi mais do que devia. Não contei que a Bela enfiou o dedo na minha garganta, nem que a Lana tinha ficado pior do que eu, nem que eu não fazia a menor idéia do que tinha acontecido enquanto eu estava muito louca de tanta pinga.
Minha mãe não parecia contente quando finalizei minha narrativa. Parecia pior. Suspeitei que estivesse ficando roxa de tanta raiva.
E, sem mais nem menos, ela começou a gritar.
– VOCÊ ME DESOBEDECEU E MENTIU PRA MIM E DIZ ISSO COMO SE NÃO FOSSE NADA? NÃO ACREDITO QUE VOCÊ SIMPLESMENTE SAIU NUM DOMINGO E ENCHEU A CARA, VOCÊ TEM NOÇÃO DO QUE PODIA TER ACONTECIDO? E SE TIVESSE TIDO ALGUM ACIDENTE? E SE VOCÊ TIVESSE ENTRADO EM COMA ALCÓLICO? QUE TIPO DE RESPONSBILIDADE É ESSA, MOCINHA?
Meu Deus, porque toda mãe acha que a gente não escuta? Tipo, se elas simplesmente falassem com a gente num tom humanamente aceitável para manter os ouvidos intactos, nós iríamos escutar do mesmo jeito.
Se eu ficar surda quando for velhinha, eu já sei a quem culpar!
– AGORA OUÇA BEM, MOCINHA! – como se eu não estivesse ouvindo!! – VOCÊ ESTÁ DE CASTIGO, ESTÁ ME ENTENDENDO? DE CASTIGO! É DA ESCOLA PRA CASA E DE CASA PRA ESCOLA, E EU NÃO QUERO OUVIR A PALAVRA “FESTA” DENTRO DESSA CASA. DE AGORA EM DIANTE VOCÊ NÃO SAI MAIS PRA LUGAR NENHUM, ATÉ MOSTRAR QUE EU POSSO CONFIAR EM VOCÊ!
– Sim, mamãe. – concordei, baixinho. Não funcionou pra que ela baixasse a voz.
– SUMA DA MINHA FRENTE!
E eu fiz isso bem rapidinho.
Quando eu for mãe, nunca vou gritar com o meu filho. Vou ser calma e me esforçar pra mantê-lo na minha sem precisar acabar com seus tímpanos pra isso.
Mas de uma coisa eu tinha certeza: minha vida agora seria um verdadeiro inferno.
Na verdade, eu adoraria que a minha mãe fosse o maior dos meus problemas. Maio chegou e eu ainda estava de castigo. Pra piorar, notas.
O segundo bimestre estava apenas começando, e eu recebi o boletim do bimestre anterior. Minhas notas me deram um susto. Quando minha mãe assinasse aquilo, ela ia me deixar de castigo pro resto do ano. A média no Santa Rita era 6, e eu tinha 5 em matemática, 4,5 em física e 5,5 em química e geografia. Eu estava completamente ferrada!
– As recuperações começam na semana que vem. – a professora de química explicou, depois de terminar de passar a matéria. Eu estava tão preocupada com o que fazer com aquele boletim que nem tinha prestado atenção na aula.
Eu ia precisar de uma boa desculpa pra ficar no colégio até mais tarde. Isso sem contar que ia precisar assinar o boletim no lugar da minha mãe!
– Tragam os boletins assinados até sexta-feira, quando irão receber o cronograma das provas. – ela continuou, segundos antes do sinal bater – Até a próxima aula!
A professora saiu, e virei pra encontrar uma Bela num estado muito mais atônito do que o meu.
– O quê? – perguntei, com uma careta de dor.
– Eu fiquei com 4,5 em RELIGIÃO! – ela quase gritou – Tipo assim, quem além do Willian fica de recuperação em religião?
– É uma matéria muito difícil! – exclamou o namorado, do outro lado da sala. Bela mostrou a língua pra ele.
– Eu to de castigo e peguei quatro recuperações, Bela! – eu exclamei, me sentindo uma derrotada – Minha mãe vai me matar!
– Quer que eu assine pra você?
– Por favor! Mas ainda preciso de uma desculpa pra justificar porque eu vou ter que ficar na escola até mais tarde na semana que vem.
– Diga que tem um trabalho pra fazer comigo! – a Sabrina sugeriu, vinda do nada e se abaixando na nossa frente – Peguei quatro recuperações também. Só que… – deu uma olhada rápida no meu – Inglês ao invés de geografia.
– Eu não sei do que vocês estão reclamando! – Bela bufou, impaciente – Peguei recuperação de religião, inglês, matemática, física, química e história. Eu vou passar uns cem anos de castigo e estudando enquanto apanho!
– A menos que tire dez em todas as provas. – completei, rindo.
– O que é completamente impossível, porque eu ainda tenho que fazer os trabalhos e as lições de casa que nunca acabam! Eu odeio a escola!
– Junte-se ao time! – Sabrina resmungou.
Então o professor chegou e todo mundo ficou quieto.
Bela assinou meu boletim e eu dei a desculpa do trabalho pra minha mãe. Ela ligou pra casa da minha tia, e ela confirmou. Aposto que ela não faz a menor idéia de que a Sabrina está com quatro recuperações e a Giovanna com três. Eu tinha aprendido com os anos escolares que quanto menos se contar sobre a escola pros seus pais, melhor. Você não quer dar mais um motivo pra eles gritarem com você.
Então a semana seguinte chegou e, já na segunda-feira, lá estava eu, pra fazer a prova de geografia. Nem a Sabrina, nem a Bela e, graças a Deus, nem a Giovanna estavam no colégio à tarde. Aquele dia era apenas pra recuperação de geografia, e não havia muita gente ali. O que era péssimo, pois indicava que eu fazia parte de um seleto grupo de inúteis completos para a sutil e simples arte de decorar informações que se escutam todos os anos da escola.
Tinha acabado de almoçar e estava subindo pra estudar um pouco na biblioteca antes da prova, quando tropecei com o Edson no caminho.
De todas as pessoas, ele. Meu coração tremeu e pulou e acelerou. Ele deu um sorrisinho nervoso pra mim.
– Geografia, hã? – brincou – Somos dois. Toca aí!
Abriu sua mão enorme e eu bati. Fiquei meio surpresa quando ele abraçou meus dedos com os dele, e precisei de um esforço mental enorme pra tirá-los dali.
– Então… – eu disse, pra quebrar aquele silêncio que me deixava encabulada – Estudou?
– Nem um pouco. – o Edson admitiu – Fiquei tocando guitarra. A Sabrina me mostrou as músicas dela e eu estava tocando.
– Legal… – murmurei, pensando em quanto tempo ele devia passar na casa da minha prima pra que pudesse até pegar acordes das músicas da Sabrina, que ela nunca mostrava nem pra mim. Todo mundo devia estar bem íntimo.
– E você?
– Fingi que estudei. Minha mãe me pôs de castigo, você sabe.
– É verdade. Muita encrenca por causa daquele domingo, hã?
– Eu estava bem mal.
Edson fechou a boca, tremendo. Eu sabia que ele queria explodir de dar risada às minhas custas, e imaginei qual era a novidade da bêbada do dia.
– Vá em frente. – encorajei, mal humorada. Ele escancarou a boca e gargalhou.
Era uma delícia ouvi-lo rir. Ainda que ele estivesse rindo por eu ter sido uma bêbada maluca completa há uma semana atrás.
– Desculpa. – ele pediu, e não parecia estar realmente sentido por isso – É que você bêbada é uma coisa muito louca, e aí você me lembrou disso e não deu pra segurar!
– Qual é, você nunca tomou um porre? – brinquei, e ele foi aos poucos parando de rir.
– Tomei uma vez, naquela festa em que eu te disse…
Emudeceu e parou de rir. O desconforto foi instantâneo. Nenhum de nós gostava de lembrar daquele dia. Especialmente quando agora estávamos tão bem.
Ok, “bem” talvez não seja a melhor palavra. “Melhor” se encaixa com mais eficiência à nossa situação. Pois, dado ao nosso passado e à atual posição das coisas no presente momento, eu supunha que não estávamos exatamente bem.
Não pra mim, pelo menos!
– Di? – uma voz melodiosa chamou. E não tardou até meu pesadelo aparecer, em uma forma loira e escultural.
Giovanna não gostou de ver que nós estávamos sozinhos no andar silencioso da biblioteca. A sua mudança de expressão foi drástica e óbvia até pro Edson, que olhou de mim pra namorada, e de novo pra mim. Eu murmurei alguma coisa, e saí de fininho.
Mal tinha chegado ao piso térreo quando a minha prima apareceu. Ela parecia furiosa, e eu sabia que o confronto que eu tanto temia tinha chegado. Eu só esperava que ninguém ouvisse. Não era exatamente o tipo de coisa que eu queria que caísse nas graças da Ariane, por exemplo. Publicidade sobre a minha vida pessoal na escola era tudo o que eu menos precisava àquela altura.
A Giovanna, no entanto, não parecia muito preocupada com nada disso. Eu suspeitava que ela nem se lembrava mais que estávamos no colégio, e iria começar a gritar a qualquer minuto. Preparei os ouvidos no momento certo, quando ela soltou, alto, porém não aos berros:
– Eu não quero que você fique perto do meu namorado.
Por um instante, não soube o que dizer. Eu não sabia como lidar com a situação, porque eu não tinha o que dizer em minha defesa. De que ia adiantar se eu dissesse que não tinha procurado pelo Edson? Nada que eu dissesse poderia deixar aquilo melhor, apenas pior.
– Antes que você possa dizer alguma coisa… – ela continuou, então – Vamos deixar tudo bem claro. Eu sei o que ta rolando aqui. Vocês dois têm um passado. Ele já me contou isso. O Edson já me contou tudo.
Aquilo foi realmente uma surpresa. Considerando o fato de que nós dois nunca mais havíamos dito nada um ao outro sobre o assunto, e eu evitava falar disso com qualquer pessoa, eu estava completamente chocada de saber que ele havia mencionado isso justamente com ela. Ainda por cima que teria dito tudo a ela.
– O que ele não sabe é que você ta afim dele agora. – minha prima foi em frente, me deixando cada vez mais presa no chão, paralisada de surpresa – Eu sei, Lolita. Eu sei que você gosta do meu namorado. Então, vamos deixar as coisas bem claras, certo?
Ela se aproximou, e naquele segundo, eu achei que fosse me bater. Imaginei que me dava um soco bem forte e dolorido no meio da cara e me xingava ou alguma coisa do tipo. Aquelas cenas de briga bem sangrentas que se vê em filmes.
Mas a Giovanna parou a questão de centímetros do meu rosto, olhando diretamente pros meus olhos enquanto ameaçava:
– Chegue perto dele e eu acabo com você.
Deu as costas e foi embora.
Agora eu tinha certeza de que estava muito, muito ferrada mesmo!

[continua… dia 03/11]

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