O Diário (nada) Secreto – Capítulo 9

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa

Capítulo 2 – Jogo de Interesses

Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa

Capítulo 4 – A semana seguinte

Capítulo 5 – Cíúmes

Capítulo 6 – Proibido é mais gostoso

Capítulo 7 – Quem tem medo do lobo mau?

Capítulo 8 – Verdades e Declarações

Capítulo 9 – Junina
Junho é uma época feliz!
Ok, na verdade, não tanto. Junho é o aniversário da minha mãe, o aniversário da Sabrina, e a época tenebrosa em que nós, do Colégio de Ensino Católico Santa Rita de Cássia, tínhamos que nos desdobrar e virarmos mutantes na hora de arrumar uma festa junina de arromba.
Porque assim eram as festas juninas do Santa Rita. Lotadas. Duradouras. Legais.
E a missão de arrumar a festa era dos alunos do primeiro ano.
Eu.
Nós.
Que beleza.
A parte boa era que ninguém tinha que enfiar a mão no bolso pra nada, porque o colégio fornecia tudo de que a gente viesse a precisar pra decorar e todas essas coisas. Além do mais, eu perdia as contas de quantas aulas a gente perdia desde o primeiro dia de aula do mês de Junho, até o dia da festa junina, que era sempre o primeiro final de semana depois do dia 13.
Que naquele ano, era o dia 16.
E, cá pra nós, dezesseis dias pra fazer tudo o que a gente precisava fazer era tipo uma tarefa ninja.
– A partir de hoje, eu quero ver todo mundo dessa classe trabalhando como nunca! – exclamou a nossa coordenadora mala – Todos os anos, a Festa Junina do nosso colégio é tradicional e movimentada. Eu realmente espero poder contar com vocês pra que esse ano não seja diferente!
Ninguém respondeu. Não havia muita opção quanto a isso.
Eu esqueci de mencionar que isso valia nota?
– Vocês irão dispor de todas as aulas de artes, educação física, religião e português para os preparativos, contando com o auxílio dos professores. – continuou – Começando na próxima aula.
Era uma segunda-feira, e a segunda aula era português. Fiquei aliviada de saber que teríamos tanto tempo por dia. Porque tínhamos aula de artes de segundas e quartas, educação física nas terças, e português e religião todos os dias.
Era bastante tempo.
Todo mundo estava cochichando e tendo idéias, e aguardando ansiosamente a hora em que o sinal iria bater e nos levar ao início de um trabalho absurdo que nos deixaria com calos nas mãos, dor nas costas e notas a mais.
Mas, pra falar a verdade, eu não estava nem um pouco preocupada com isso.
Olhei pra trás e vi a Sabrina e a Giovanna conversando. Unidas e fingindo sorrir. Desde o início daquela manhã, a Giovanna estava fingindo como nunca. Deu oi pra todo mundo como se nada tivesse acontecido, e não olhou pro Edson do instante em que ele sentou à nossa mesa até a hora do sinal pra primeira aula bater.
E, embora ela estivesse bancando a forte muito bem, e eu não a tivesse visto sequer ameaçar começar a chorar, eu sabia muito bem que ela estava aos pedaços. E a culpa que batia em mim por causa disso era uma droga.
Então o sinal bateu e eu respirei fundo. Lá vamos nós.
Local: ginásio do colégio.
Status: bagunça completa.
Resultado: nenhum ainda.
Já haviam se passado 40 minutos de aula, dos 50 dos quais nós dispúnhamos, e nada havia sido decidido.
Os materiais estavam aguardando para serem usados, eu estava ficando impaciente, e ninguém era capaz de decidir por uma coisa.
Porque alguns queriam desenhos, e outros achavam que as palavras estavam boas, alguns pensavam que as barracas precisavam de uma reforma, e outros que não estavam nem aí.
Não ajudava muito.
– Ah, que porcaria! – a Lana exclamou, surgindo do meu lado, com o Diego logo atrás dela.
O falatório era tanto que parecia ter trezentas pessoas ali, ao invés de trinta.
– Isso aqui ta uma zona! – eu reclamei, torcendo o nariz. A Lana cruzou os braços, pensando.
– Quer saber? – bufou – Dá um grito ai, Lolita.
– Pirou?
– Dá logo uma porcaria dum berro pra todo mundo parar e a gente organizar essa zona. Você berra, eu falo.
Girei os olhos. Lana maluca.
E ainda assim eu gritei:
– GENTEEEEEEEEEEEEE!
E fiz isso tão alto que a minha garganta doeu, e todo mundo parou no mesmo instante e virou pra nossa direção. Foi a primeira vez no dia que vi a Giovanna rindo. Da minha cara.
O que, eu suponho, é um bom sinal.
– A Lana… – tentei soltar, com muito esforço – Quer falar.
Eu provavelmente ia ficar sem falar ou engolir direito por uns dois dias depois dessa. Que beleza!
– Olha, isso aqui ta muito desorganizado! – a Lana assumiu, num tom forte que só ela sabia usar – Vamos organizar essa bagunça.
Sem resposta. Graças a Deus, eu não queria ter que gritar de novo!
– Quem for a favor de desenhos, além dos escritos, levanta a mão! – ordenou.
Várias mãos se ergueram no ar. Praticamente metade da sala. A Lana contou e passou a informação pro Diego, que tirou uma caneta do ar e anotou na palma da mão.
Nerd!
– Quem quer só a parte escrita, levanta a mão!
O pessoal restante ergueu a mão. Outra vez, a Lana contou e repassou pro namorado.
– Quem é a favor de reformar as barracas, levanta a mão.
De trinta, uns 3 não se manifestaram. Lana contou, repassou e suspirou.
– Quem não liga pra nada? – perguntou.
Eu ergui a mão, bem como a Bela e o Willian. Me senti completamente inútil, mas se eu dissesse que sou uma não seria completamente mentira.
A Lana riu e repassou pro Diego.
– E quem precisa da nota que a gente vai receber? – perguntou, por fim.
E só ela e o Diego mantiveram as mãos abaixadas.
A Lana puxou a mão do Diego e releu o que estava escrito. Torceu o nariz e inspirou profundamente.
– Então ficou assim: – anunciou – Vamos reformar as barracas, colocar desenhos onde der pra colocar e ganhar nota!
Vários “uhuls!” e “viva!” saíram do pessoal, comemorando. Mas então, o sinal tocou, e, naquela aula, nós não tínhamos mais tempo pra fazer nada.
– Depois do intervalo, mão na massa! – ela berrou, com a concordância de todo mundo presente.
Com um último suspiro, fui me juntar às minhas duas primas. Elas ainda estavam conversando, de braços dados.
– Oi. – eu disse, com um meio sorriso.
Acho que eu ainda estava com medo que a Giovanna me atacasse.
– Oi. – as duas responderam, praticamente ao mesmo tempo.
– Está melhor? – perguntei pra minha prima mais velha, com uma careta. Ela assentiu, devagar.
– Eu vou ficar bem. – afirmou, sorrindo.
– Nós estávamos pensando no meu aniversário! – Sabrina exclamou, parecendo animada – Tipo, eu faço aniversário dia 17, no dia seguinte da Festa Junina e num domingo! Mas vou fazer 15 anos, então eu tenho que fazer alguma coisa!
– Claro que tem! – concordei, pensando que os meus 15 anos ainda estavam longe pra que eu começasse a planejar alguma coisa que substituísse a super-festa que algumas garotas tinham a sorte de ter. Como a Lana – Já pensou em alguma coisa?
– Em um monte de coisas! – respondeu – Mas ta difícil porque cai num domingo, e eu duvido que a minha mãe deixe eu fazer alguma coisa num domingo!
– Passa pro outro final de semana.
– Odeio fazer isso. Meu aniversário cai num final de semana, então vou fazer no dia!
– Então, o que você tem em mente?
A Sabrina deu um sorriso diabólico, olhando de mim pra irmã mais velha.
– Você vai ver!
Na terça, o ginásio estava um caos.
Mesmo com a Lana gritando, e um monte de gente colaborando, ainda havia aquela parcela que não queria nem a pau fazer parte de nada.
E você pode entender isso como sendo Ricardo, Willian e Daniel com uma bola de futebol. Enquanto todo mundo trabalhava, eles davam chutes que acertavam as pessoas. Nada divertido.
Eu estava lá, sentada no chão junto com a Bela, recortando as letras enormes que iriam decorar as barracas. Depois de recortadas, ainda teríamos que pintar e colocar glitter em todas elas. Meus dedos já estavam caindo de tanto manejar a tesoura.
– Ah, chega! – a Bela exclamou, irritada como de costume, largando tudo no chão e deitando na quadra imunda.
– Bela, a gente tem mais umas mil letras pra recortar e eu não vou fazer meleca nenhuma sozinha! – avisei – Se você ta tão cansada, por que não busca a besta do seu namorado pra ajudar?
– Deixa o Will pra lá.
– Eu deixo, se ele pegar essa bola e enfiar…
– Tudo bem, tudo bem, eu falo com ele.
Ela se levantou, e foi até onde o Willian, o Daniel e o Ricardo estavam jogando. Falou alguma coisa, obteve umas respostas, falou mais um pouco e…
Começou a jogar com eles.
Eu mereço.
Meu alívio foi quando o sinal tocou e eu pude levantar e sair dali. Ainda faltava uma aula pro intervalo, mas quem liga? Qualquer coisa tinha que ser melhor do que cortar letras até seus dedos criarem bolhas!
Eu estava a caminho da sala, começando a subir as escadas quando alguém puxou o meu braço.
Quando eu olhei, era o Edson. Meu coração deu um duplo carpado dentro do peito. Respirei fundo, tentando me conter de todas as formas possíveis. Embora eu não soubesse muito bem o que aconteceria se eu nãome contivesse.
– O que foi? – eu perguntei, meio petrificada.
– Quer matar aula comigo? – Edson retrucou, e eu dei um risinho.
Quem liga pra aula, afinal?
Assenti, e ele me puxou, subindo pela escada secundária até o último e sempre vazio andar. Sentamos por ali, um ao lado do outro.
E eu ainda estava rindo sozinha.
– Ta rindo de quê? – quis saber. Olhei pra ele, com um sorriso bobo na cara.
– Eu já vi todo tipo de convite estranho, mas o seu foi o pior de todos! – brinquei, e ele riu comigo.
– Eu apenas fui original! – afirmou, e eu rolei os olhos.
– Claro, claro!
Os risos foram diminuindo, e no minuto seguinte só se ouvia nossa respiração e o meu coração martelando. Eu não devia estar ali. Não estava nada certo. Se eu queria evitar que alguma coisa entre nós acontecesse cedo demais, eu devia estar evitando a presença dele, e não me entregando a ela.
Mas eu sou uma burra teimosa, e estava ali. E eu sentia que podia acontecer a qualquer instante.
– O que vocês estão fazendo aqui em cima? – uma outra voz perguntou, severa e dura.
Então eu olhei, e então o Edson olhou, e a coordenadora nos olhou de volta.
O-ou.
– Mãe, você tem que assinar a minha advertência.
Foram as piores palavras e mais difíceis de dizer da minha vida. Porque, quando eu disse isso, eu sabia que qualquer chance de sair do meu castigo estava destruída pra sempre. Depois dessa advertência, eu ficaria surpresa se minha mãe não me amarrasse num tronco pra me encher de chibatadas.
– Sua o quê?
O tom que ela usou foi ainda pior do que eu estava imaginando que seria.
Eu era uma Lolita morta!
– Advertência. – repeti. Minha mãe estendeu a mão.
– Deixa eu ver isso. – mandou.
Eu estendi o papel, onde a coordenadora tinha escrito que havia me encontrado no meio da terceira aula cabulando aula no terceiro andar. Minha mãe fez uma cara que só podia ser comparada com a expressão feroz de um serial killer.
– Cabulando aula, Lolita? – ela quase gritou. O que não era bom, pois eram oito da noite, e os vizinhos podiam reclamar – Eu não acredito!
Assinou o papel com tanta força que poderia rasgar.
– Eu não sei mais o que esperar de você! – me devolveu a advertência – Suma da minha frente!
Eu nem pisquei pra atender ao pedido.
Na manhã de quarta-feira, a primeira coisa que eu recebi ao entrar no ônibus foi uma Bela muito irritada. Não era exatamente uma surpresa. Eu só precisava sentar e ouvir as reclamações. Ser amiga da Bela de vez em quando era bem simples.
– Você não vai acreditar! – ela exclamou, furiosa, quando eu me sentei ao seu lado. Dois bancos atrás, a Giovanna e a Sabrina conversavam sobre alguma coisa, que devia ser muito mais interessante e divertida que qualquer coisa que a Bela pudesse ter a dizer naquele estado de nervos. Mesmo assim, me sentei.
“Melhor amiga”, eu pensei, repetidas vezes. “Ela é sua melhor amiga”. É isso ai. Eu posso me considerar um tipo de mulher-bomba!
– Tente. – encorajei. A Bela bufou antes de começar.
– Ontem, eu estava conversando com o Willian e a minha irmã passou de mãos dadas com o Daniel. – contou. Também não foi nenhuma surpresa. Não para mim – E o Will deu a entender que tem alguma coisa rolando, mas quando eu perguntei o quê, sabe o que ele me disse?
– Não.
– Que não vai me contar, porque eu vou tentar ferrar o lance dos dois!
Olhei para a Bela, com a maior cara de “qual é o seu problema?” do mundo. Ela me devolveu com um olhar duro de raiva.
– Primeiro: – comecei – Se você soubesse de alguma coisa, Bela, sinceramente, o que você faria?
Ela não me respondeu. Provavelmente porque ela sabia que não ia adiantar mentir pra mim, nem que era necessário dizer a verdade. Ela sabia melhor que eu que qualquer chance que ela tivesse pra ferrar com a vida da irmã gêmea, ela agarraria.
– E segundo: – prossegui – O Willian te deu a resposta sem querer, e você nem se ligou!
– Ele o quê? – me perguntou, com uma careta.
– Ele disse que você ia “tentar ferrar com o lance dos dois”. – expliquei – Então quer dizer…
– Que tem um lance. – então ela sorriu, e pôs as duas mãos no rosto, comemorando – Ah, Lolita, você é demais! Tem um lance! Tem um lance!
Me arrependi de ter aberto a boca, então. Eu tinha entregado tudo nas mãos dela pra destruir uma coisa legal de duas pessoas que se gostam. Essa não!
O pior é que eu não podia fazer nada sem deixar a Bela uma fera comigo de novo. Se eu tentasse alertar a Suellen e ela descobrisse, quem ia dançar seria eu. Se eu tentasse desdizer o que eu tinha dito, ela ia dizer que eu estava protegendo a Suellen e ia fechar a cara de novo. Independente do que eu tentasse fazer pra reverter tudo, era eu quem ia me ferrar.
Eu tinha libertado o monstro. Lolita muito má!
Tentei tirar tudo isso da cabeça quando o ônibus parou na frente da escola e nós descemos. A Bela ainda sorria, e eu sabia que a sua cabecinha estava matracando alguma coisa. O que eu preferia nem saber. Quem sabe se eu não soubesse, eu seria menos culpada nessa história.
Não. Eu duvido muito disso.
Lana e Diego já estavam na nossa mesa, fazendo uma lição qualquer que eu ia precisar copiar depois. Estava para pedir esse favor a eles quando a Sabrina chegou e atirou uma pilha de convites na mesa. Convites de um rosa intenso, com letras coloridas. Brilhava tanto que chegava a doer.
– O que é isso? – a Lana perguntou, pegando um convite. Minha prima mais nova se sentou, animada ao lado dela. Era estranho vê-las como “amigas” depois dos tempos tensos que elas tinham passado há não mais de um mês.
– Os convites do meu aniversário! – anunciou, entregando um pro Diego, um pra Bela e um pra mim – Festa na piscina, domingo!
Era o que dizia o convite. Pra comemorar seus quinze anos, ela tinha decidido fazer uma festa na piscina, numa chácara escondida em algum lugar de São Paulo. Pensei na minha mãe, furiosa com a minha advertência.
– Acho que não vou poder ir. – soltei, e ela e Giovanna me olharam como se eu tivesse dito algo como “eu matei um cachorro pra comer no almoço”.
– O quê? – Sabrina quase gritou – Por quê?
– Ainda estou de castigo, lembra? – só pra não citar que eu tinha me ferrado mais por ter cabulado aula ontem. Com o Edson. Alguém ali perto não precisava saber desse tipo de coisa.
– Ah, você vai! – a Giovanna sentenciou, com uma determinação perigosa – Pode deixar que a gente convence a tia!
– É, somos suas primas, família, ela não vai te impedir de ir nessa festa! – a Sabrina exclamou, com um sorriso – Você vai presenciar a melhor festa do ano, priminha!
Eu só podia sonhar com o que esperar dessa festa.
É incrível a velocidade que o tempo passa quando a gente tem a cabeça atolada de coisas.
Passei aqueles dias que precederam a festa junina sofrendo pra agüentar os gritos da Lana e a falta de cooperação da Bela, que preferiu juntar-se ao namorado do que me ajudar. Vi minhas primas de cochicho, se recusando a me contar o que tanto falavam uma com a outra. Perdi os dedos fazendo decorações, e me estressei com tudo que tivesse a ver com São João, São Pedro e Santo Antônio.
E, enfim, era dia 16.
Como se não bastasse tudo o que eu já vinha passando por conta daquela droga de festa junina, ainda tive que chegar logo pro primeiro turno das barracas. Eram ainda onze horas quando eu cheguei, de cabelo trançado, batom vermelho e até umas sardinhas. E lá fui eu pra barraca do algodão doce.
O movimento durante a parte da manhã era mínimo. A maior parte das pessoas só chegava depois do meio-dia. No primeiro turno, éramos eu, Bela, Ricardo e mais umas três pessoas da minha sala com quem eu quase não conversava. Tudo estava bastante parado, então eu pude simplesmente sentar e observar como tinha ficado legal o nosso trabalho.
E foi uma surpresa muito grande quando eu simplesmente pisquei e o Edson se materializou na minha frente.
– Quando é o algodão doce? – ele quis saber, abrindo um sorriso.
Ele estava vestido como geralmente ficava fora da escola. O cabelo preto caía até mais ou menos embaixo da orelha, desajeitado de um jeito que só ficava legal nele. A camiseta hoje era do Dream Theatre, preta com uns desenhos estranhos em cores fortes. A calça jeans escura e o All Star preto destruído completavam o visual.
– Um real. – respondi, me sentindo meio boba ao perceber o meu próprio sorriso pra ele. O Edson riu.
– Achei que você pudesse fazer de graça pra mim. – brincou, e eu dei de ombros.
– Eu faria, mas sabe como é essa escola!
– Sei. Mercenária.
– Exatamente.
– Então… cadê? Estou esperando.
Só então me dei conta de que ele estava falando sério sobre o algodão-doce: tinha até uma nota de um real estendida pra mim. Peguei um palito e fui pra máquina, tentando não olhar pra ele pra não me distrair e destruir o doce.
– Pronto. – e entreguei o palito com o algodão-doce meio desfigurado para ele. Com a outra mão, peguei a nota e puxei.
Tinha alguma coisa embaixo.
– A gente se vê. – e saiu.
Guardei a nota na caixinha, mas mantive na mão o pedaço de guardanapo dobrado que o Edson tinha me dado junto com o dinheiro. Meu coração martelava forte, e eu respirei fundo, abrindo-o.
Bela chegou no último segundo e me deu um susto imenso gritando:
– O que é isso?
Eu dei um grito, e ela riu. Puxou o bilhete da minha mão, e eu o peguei de volta antes que ela lesse.
Te vejo na festa hoje, dizia o bilhete, na letra estranha que ele tinha. Me observe.
– Oh, meu Deus! – a Bela exclamou, aparentemente se contendo pra não gritar.
Eu apenas assenti, pois não sabia o que dizer.
“Oh, meu Deus” parecia ser uma ótima definição do que eu estava sentindo.
– Bela, o que eu vou fazer? – perguntei, meio pasma, meio feliz, meio preocupada – A Giovanna vai estar lá!
– A Giovanna vai estar preocupada demais enchendo a cara pra prestar atenção, Lolita! – minha melhor amiga falou, relendo o bilhete – Até parece que você nunca foi a uma festa com ela.
– E até parece que eu não conheço minha prima o bastante pra saber que ela vai estar de olho mesmo se estiver caindo e vomitando! – rolei os olhos – Não vai rolar.
– Vai rolar, é claro que vai rolar! Eu posso te dar cobertura.
Mordi o lábio, confusa.
“Não vai rolar”, minha mente insistia. Não vai dar certo. É claro que não. Não pra mim.
Eu ainda não conseguia acreditar que a minha mãe tinha deixado que eu saísse do castigo para ir à festa da Sabrina, sem que ela estivesse por perto. Fosse o que fosse que minhas primas tinham dito pra ela, havia funcionado, e ali estava eu. Sem nem ao menos um horário pra voltar pra casa.
Apesar de ser Junho, e teoricamente estar começando a esfriar segundo a estação do ano, o domingo começado bem quente. A Sabrina devia ser uma bruxa do tempo, porque uma hora antes da festa, eu já estava suando e sonhando com a piscina.
E agora que eu estava lá… eu simplesmente não entrava.
Eu estava sentada numa das espreguiçadeiras dispostas ao longo da área da piscina do buffet que ela tinha alugado. O DJ tocava as melhores músicas enquanto tinha um churrasco rolando em algum lugar. Pra uma festa organizada em poucos dias, estava muito boa. E cheia. Definitivamente cheia.
Os 15 anos da Sabrina estavam sendo, até agora, com umas duas horas de festa, a festa de aniversário mais cheia a que eu já tinha ido. Nem mesmo a festa da Lana tinha estado tão lotada. Mal tinha espaço na piscina. Um dos motivos pelos quais eu não estava entrando.
O outro era que, depois de ver a Giovanna naquele corpo absurdo dela desfilando de biquíni, resolvi que não vali a humilhação. Convenhamos, eu estava uns cinco quilos acima do peso e meu bumbum tem mais celulite do que é permitido pelo Ministério da Saúde. Eu estava mesmo era poupando as pessoas.
Por isso, eu me limitava a ficar com o biquíni por debaixo do vestido bem largo azul claro, com meus chinelos e meus óculos de sol, assistindo o movimento. Acompanhada da minha melhor amiga e completamente anti-sol, mar e piscinas, Bela.
– Cara, aquele biquíni que a Ariane está usando é um horror! – ela comentou, em voz baixa, só para mim, me fazendo rir – Aliás, você viu a Suellen?
Eu não ia comentar, mas eu a tinha visto sentada com o Daniel bem longe de onde todo mundo estava. Enquanto eu procurava pelo Edson. Mas isso não vem ao caso.
– E você parece a Ariane reparando no que as pessoas estão usando! – brinquei, embora o biquíni dela fosse mesmo um horror. Verde com uns desenhos estranhos. E pequeno demais.
Eca.
– Eu não devia ter vindo, sabia? – bufou – O Will disse que não vem, e eu odeio essa droga desse sol na minha cara. Me lembre por que eu estou aqui, por favor.
– Pra me dar cobertura. – quase sussurrei. Estava apavorada com a idéia de a mina prima descobrir alguma coisa.
– Aliás, onde está esse indivíduo? – Bela se sentou, ergueu os óculos de sol e começou a olhar em volta – Qual é a dele, afinal?
– Talvez ele esteja esperando todo mundo ficar louco o suficiente pra que ninguém sinta a nossa falta.
Pensar nisso me deu um calafrio, uma agitação na boca do estômago. Dois fugitivos, dois amantes escondidos. Nos imaginei buscando algum lugar pra se esconder – o vestiário, perto das árvores, dentro da cozinha? – e o que aconteceria então. Só de pensar em beija-lo, de verdade, pela primeira vez, era como se…
Como se eu fosse explodir.
Mal ouvi quando a Bela comentou:
– Não vai demorar muito.
Então olhei pra frente, pra ver a pilha crescente de latas e garrafas de cerveja, enquanto a Giovanna dançava, empoleirada nos ombros de um cara do terceiro ano.
É. Não ia demorar muito.
Já era entardecer quando o vi pela primeira vez.
Edson chegou usando chinelos, bermudas e, pasmem, uma camisa branca de manga curta, aberta até a metade. Mesmo de longe, ver seu peito nu e o começo da sua barriga foi como receber uma descarga elétrica, mas eu fiquei onde estava. Ele sorriu pra mim, e começou a caminhar.
Foi e foi cada vez mais longe. Olhei de novo pra piscina. O mesmo cara que tinha erguido minha prima estava agora aos beijos com ela. Metade das pessoas estava comendo, ou dançando. A maior parte estava bêbada.
É, acho que ninguém ia sentir a minha falta.
– Fica de olho nela. – pedi pra Bela, antes de me levantar. Ela ergueu as sobrancelhas e fez uma careta de nojo.
– Pode deixar comigo. – respondeu, a contragosto.
Eu levantei e fui andando na direção em que tinha visto o Edson ir minutos antes. Ele tinha andado rápido, pois não estava em nenhum lugar à vista.
Continuei andando. A verdade era que eu não sabia onde procurar, e não poderia fazer um sinal, tipo chamá-lo, sem que eu também chamasse atenção de alguém que pudesse estar por perto. Fui até bem embaixo, no estacionamento, e voltei. Nada.
Onde estava ele, droga?
Então ouvi risos, e palavras que não faziam sentido. Vinham de algum lugar mais à frente, pensei, enquanto subia, em direção à piscina. Seguindo o som, fui parar até um pouco atrás do vestiário.
Eles não me viram, mas eu os vi dali onde estava, atrás de uma árvore. A Sabrina estava sentada com as pernas meio tortas e uma garrafa de vodca na mão. Ela ria e falava coisas sem sentido. O Edson estava de pé ao lado dela, com uma cara confusa, olhando pros lados.
Ela estava tão obviamente bêbada que tive pena dele. Estava para ir até lá, quando, de repente, a Sabrina largou a garrafa e agarrou o braço dele com as duas mãos, puxando-o.
– Qual é, Sabrina? – ele perguntou, com uma risada meio rouca. Parei e fiquei assistindo.
– Eu preciso te contar um segredo! – ela falou, e, aos poucos, o Edson foi abaixando, rindo. Ela levou um dedo ao lábio e fez – Shiu! É segredo!
– Tudo bem. – concordou, como quem não tem escolha.
Minha prima ficou de joelhos – com certa dificuldade, meio que tombando pros lados – e se inclinou no ouvido dele, com as mãos em concha, pra ninguém mais ouvir. Pareceu ter levado horas pra dizer o que fosse, tamanha era a minha curiosidade em saber o que ela estava cochichando.
Mas ela estava bêbada, então não devia ser nada de importante.
– Você…? – Edson começou a dizer, mas foi subitamente interrompido.
Por um beijo.
Um beijo dela.
Um beijo que ele não parou.

Então eu dei as costas e fui embora, porque não queria ver mais nada.

[continua… dia 05/01]

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