O Diário (nada) Secreto – Capítulo 10

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa

Capítulo 2 – Jogo de Interesses

Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa

Capítulo 4 – A semana seguinte

Capítulo 5 – Cíúmes

Capítulo 6 – Proibido é mais gostoso

Capítulo 7 – Quem tem medo do lobo mau?

Capítulo 8 – Verdades e Declarações

Capítulo 9 – Junina

Capítulo 10 – Beach, Bitch!
Segunda-feira pela manhã, eu estava um lixo.
Não havia bebido. Mal havia comido. Não havia dançado, nem me divertido. Cheguei em casa cedo e fui pra cama cedo.
Mas quem disse que eu conseguia dormir?
Pior do que passar meses assistindo as cenas torturantes do namoro da Giovanna com o Edson era vê-lo beijando a minha outra prima quando eu achei que a droga do pesadelo tinha acabado. Quero dizer, era a minha vez, não era? Ele não tinha entregado aquele bilhete sem motivo nenhum!
Então por que diabos ele não simplesmente empurrou a Sabrina quando ela foi pra cima dele? Por que ele deixou? Por que ele beijou de volta?
De tanto pensar nisso, não consegui dormir. No ônibus, nem tentei fazer de conta que estava prestando atenção a qualquer um dos lamentos usuais da Bela, e uma hora ela simplesmente desistiu. No banco da frente, a Sabrina e a Giovanna conversavam.
Será que a Sabrina lembrava? Ela estava bêbada, mas tão bêbada a ponto de não saber o que estava fazendo? Será que a Giovanna sabia? Se soubesse, será que se importava?
Eram perguntas demais. Eu tinha que parar com aquilo.
O ônibus parou na frente da escola, e eu desci. Passei direto pelo Edson, encostado no portão. Não sabia se ele estava esperando por mim, mas eu sabia que não estava nem um pouco afim de falar com ele. Simplesmente entrei e subi, quinze minutos antes que o sinal batesse.
Ia ser uma semana daquelas.
Tive prova logo na primeira aula. Respondi a maior parte das coisas sem prestar atenção ao que estava fazendo. Eu já estava detonada no boletim de qualquer maneira. Demorei dez minutos pra fazer a prova e entregar, antes de me afundar na carteira.
Meu celular vibrou no meu bolso e eu, cuidadosamente, o puxei. Mensagem de texto.
Precisamos conversar.
Era a Sabrina.
Eu não tinha certeza se queria conversar com ela. Então, não respondi.
Senti um farfalhar no meu pescoço e pus a mão, recebendo um pedaço de papel. O abri no colo, e Bela tinha escrito:
Gênio, me passa a questão 7.
Eu não tenho a menor idéia de qual é a resposta, Bela.
O que você fez na prova? Desenhos?
Basicamente.
Qual é o seu problema? Pode olhar pra ver se alguém respondeu a questão 7 pra mim?
Não.
Chata.
Amassei o papel tão logo o recebi de volta, mal humorada demais pra levar a discussão adiante. Bufei e me inclinei sobre a carteira, mas meu celular vibrou antes que eu pudesse fechar os olhos.
Lolita, é sério! Dá pra me encontrar na hora do intervalo?
Que porcaria! Essas pessoas não têm o menor senso de respeito? Se tivessem, saberiam que às vezes os outros não gostam de conversar logo depois de presenciar algo perturbador! O que há de errado com ela?
Me dá um tempo, droga!
Digitei, furiosamente, e apertei enviar. Menos de dois minutos depois, ela havia respondido.
Tudo bem. Mas não vai fugir de mim pra sempre.
Não. Só tempo suficiente pra que eu supere tudo isso.
O que pode levar um ano ou dois.
Não respondi, e ela, graças a Deus, não me escreveu de novo. Cada vez que eu fechava os olhos, só conseguia visualizar a droga do beijo que era pra ter sido meu. Era tão injusto. O que quer que ela tivesse pra me dizer só ia piorar as coisas. Dava pra sentir.
Era melhor eu continuar na ignorância.
As semanas se passaram, e eu não voltei a falar com a Giovanna, muito menos com a Sabrina. Eu parecia um zumbi ambulante, sempre quieta, só olhando e escutando. Ou fingindo escutar.
O Edson não tentou me procurar. Diferente da minha prima, acho que ele me conhecia o bastante pra saber que eu queria distância dele – pelo menos por um tempo. Embora eu não soubesse bem por quanto tempo. Eu nem sabia direito o que eu estava fazendo.
Pois, nessas semanas, não vi ele se aproximando de nenhuma das minhas primas nem uma única vez. O que me dava duas possibilidades: a) ele e a Sabrina estavam tendo um rolo escondido, ou b) tinha sido só um beijo e eu estava sendo ridícula.
Fosse o que fosse, eu não chegava perto demais pra saber. Passei o resto do mês de junho lutando pra não ficar com mais de uma recuperação, e consegui. Quando chegou o boletim no final do bimestre, eu tinha no mínimo um 6 em todas as matérias. Já era alguma coisa. Esse boletim, pelo menos, eu poderia mostrar pra minha mãe.
Foi o que eu fiz. Ela olhou, fez uma careta, e então assinou.
– Já é alguma coisa. – afirmou, ecoando meus pensamentos – Está livre do castigo.
O que não significava coisa alguma quando não se tem a menor vontade de sair. Então eu comemorei com um saco de pipoca e “Um Amor Para Recordar” na televisão.
Eu estava na parte em que ia começar a tão esperada peça de teatro, quando o telefone tocou. Eu estava vidrada, então puxei-o do gancho e atendi mecanicamente, sem nem parar pra olhar no identificador de chamadas.
– Alô?
– Ahn, a Lolita, por favor? – disse uma garota do outro lado da linha. Engoli mais um punhado de pipoca antes de responder.
– Sou eu.
– Ah, oi. É a Sabrina.
Pausei o filme e me sentei no sofá, sem saber o que dizer. De repente, era como se a minha pressão tivesse caído, e eu me sentia meio tonta. Respirei fundo.
– Oi. – eu disse. Minha voz tremeu um pouco.
– Eu queria conversar com você, Lolita. – minha prima pediu, com a voz cuidadosa – Será que eu podia passar por aí?
– São sete e meia da noite. – eu afirmei, como se fosse um grande problema.
– Não importa. Acho que a gente precisa se resolver.
Parei de respirar por uns instantes. Não conseguia sequer pensar direito.
– Tudo bem. – concordei, lentamente. “Eu acho,” acrescentei, em pensamento.
– Bom.Te vejo daqui a pouco.
A Sabrina desligou antes que eu tivesse a chance de fazê-lo. Fiquei uns bons minutos encarando o telefone antes devolve-lo ao gancho. Então dei play no filme de novo, mas não conseguia mais prestar atenção.
Quarenta minutos depois, o interfone tocou. Ouvi minha mãe reclamando lá do quarto dela, então corri até a cozinha e o atendi. Era o porteiro, perguntando se autorizava a entrada da Sabrina. Autorizei. E fiquei de plantão com a porta aberta pra minha mãe não reclamar da campainha.
Minha prima chegou com o rosto sério, sem nem se esforçar pra dar um meio sorriso que fosse quando me cumprimentou. Deixei que ela entrasse, e então a levei pro meu quarto. Ela se sentou na minha cama meio desarrumada, e eu me sentei na cadeira da escrivaninha.
Por um bom tempo, ninguém disse nada. Eu, porque não tinha nada que eu pudesse dizer, e ela, provavelmente porque não sabia por onde começar. Eu apenas fiquei ali, olhando pra ela, esperando que ela dissesse alguma coisa que eu não queria escutar.
Porque eu tinha certeza de que nada de muito positivo viria daquela nossa conversa.
Nem sei quanto tempo se passou, até que ela bufou e disse suas primeiras palavras:
– Eu sinto muito.
– Pelo quê? – eu perguntei. Não queria dar uma de cretina, mas queria ouvir ela dizer. Queria que ela dissesse pra mim o que tinha feito. Ela bufou de novo.
– Por ter beijado o Edson. – respondeu, tão baixo que mal era audível – Na minha festa. – acrescentou, um pouco mais alto.
Ouvi-la dizer só me fez sentir pior, e eu tive vontade de chorar. Mas eu me segurei.
– Você estava bêbada. – constatei. Mas era mais uma pergunta que uma afirmação. Ela balançou a cabeça.
– Eu sabia o que eu estava fazendo, Lolita. – me disse – E na hora eu realmente achei que fosse uma ótima idéia. Eu só me dei conta de que você tinha visto depois que você desapareceu.
Não respondi nada. Talvez, se eu abrisse a boca, eu começasse a soluçar e chorar. Era melhor ficar calada.
– Eu gosto dele, Lolita. – afirmou, e fez uma pausa. Talvez pra deixar a faca entrar bem fundo no meu peito e dilacerar o meu coração, porque aquilo doeu como nada antes – Não de um jeito idiota como a Giovanna, e com certeza nada como o que você sente. Mas eu gosto dele. E eu sempre fiquei na minha.
Senti as lágrimas escorrendo, e continuei em dizer nada. O que poderia ser dito numa hora como essas? “Que legal”?
– E eu disse isso pra ele na festa. – continuou – Antes de… você sabe. – riu consigo mesma – Eu não sei de onde eu tirei que eu poderia ter chance. Quero dizer, nem a Nana teve, certo? Sabe o que ele me disse depois que eu o soltei?
Balancei a cabeça negativamente. Eu não sabia onde ela queria chegar, mas só estava piorando. Eu ia começar a soluçar a qualquer segundo.
– Ele me disse que não podia fazer nada, porque ele gosta de você.
Olhei para ela, meio surpresa, meio feliz, e ainda chorando. Não era como se eu não soubesse que ele realmente sentia. É só que, sei lá. Por um instante – ou melhor, por umas semanas – tinha sido muito difícil de acreditar.
– É, ele disse isso. – a Sabrina reafirmou, passando a mão pelo cabelo sedoso – E eu vou te falar, Lolita, doeu. Mas eu não me importo, sabe? Eu não ligo mais, porque eu sempre soube que eu não teria a menor chance. E eu só quero que você seja feliz. Que ele seja feliz. Que vocês sejam felizes juntos.
Eu dei um sorrisinho. Era realmente legal da parte dela. Mas eu ainda não conseguia dizer nada.
– Me desculpe por ter sido uma vaca, ok? Foi um momento de fraqueza!
– Está tudo bem. – eu afirmei, fungando, e verdadeiramente acreditando nas minhas próprias palavras. A Sabrina sorriu.
– Não suma nessas férias. – pediu, se levantando.
– Não vou sumir.
E então ela se foi.
Na semana seguinte, já era a primeira semana das férias de Julho. Bela disse que ia pra Campos do Jordão com a família, então não falei mais com ela, enquanto morria de tédio no meu apartamento, isolada do mundo.
Isso até meu telefone tocar naquela tarde de quinta-feira.
– Vai arrumar as suas malas agora! – a Giovanna exclamou, do outro lado da linha, antes mesmo de eu terminar de dizer “alô”.
– Pra ir aonde? – eu perguntei, confusa, já me levantando e indo pro quarto.
– Vamos pra praia, Lolita! Eu, você, a Sa, mamãe e papai.
– E a minha mãe…?
– Já falamos com a tia, ta tudo em cima. A gente passa ai em umas duas horas.
Ceeerto. Eu nem tive tempo de responder, porque ela já tinha desligado na minha cara. Então corri pro quarto e comecei a puxar as coisas do armário.
Menos de duas horas depois, nós já estávamos com o pé na estrada. Minhas primas com as janelas abertas, uma em cada ponta, meus tios conversando na frente, e eu espremida no meio, falando com a minha mãe pelo celular.
…e não se esqueça de passar protetor antes de ficar no sol. – eu odeio recomendações de mãe. Elas acham que a gente tem o quê, dois anos de idade? Eu fico surpresa por ela não me lembrar de tomar banho! – E, filha, vê se não come muita porcaria, certo? Tenta se alimentar direito.
– Pode deixar comigo. – resmunguei. A pior parte era fazer de conta que eu estava prestando atenção.
– Me liga quando chegar, tudo bem?
– Ta. Mas não vou te ligar todo dia!
– É claro que não. Filhos.
– É, isso aí. Tchau, mãe!
– Se cuide!
Desligar foi um alívio. Mas olhar pela janela e perceber que o tempo não está nenhum pouco desejoso de praia… isso não foi. Nem um pouco.
A casa que meus tios haviam alugado em Itanhaém – uma cidade a umas duas horas de São Paulo, no litoral paulista – era simples e confortável. Dois quartos, dois banheiros, sala e cozinha.Uma mesa de plástico com quatro cadeiras e uma rede na varanda. Uma churrasqueira desmontável e uma máquina de lavar velha nos fundos. O suficiente.
Enquanto eu e as minhas primas desfazíamos nossas malas e lutávamos por um espaço no único guarda-roupa do nosso quarto – que também tinha um espelho, um beliche e uma cama de casal -, meus tios saíram pra comprar comida. A Giovanna, por ser a mais velha, imediatamente reivindicou a cama de casal, e eu e a Sabrina – o clima entre a gente meio tenso ainda – tiramos no par ou ímpar para ver quem ficava com a parte de baixo do beliche. Ela perdeu. Eu, em compensação, perdi espaço no armário.
Já que eu não ia ter lugar pra colocar as minhas coisas mesmo, simplesmente tirei da mala os lençóis, arrumei minha cama e larguei a mala onde estava, no chão, ao lado do beliche. Abri a janela e fui fazendo o mesmo pela casa inteira. Agora que eu estava ali, estava meio enérgica.
Fui arrastando os chinelos até a varanda. O tempo estava meio nublado, porém quente. Me apoiei no portão baixo, olhando para as casas e para o movimento – ou falta dele – na rua.
Eu estava distraída demais pra dar atenção a coisas simples como alguém me observando. Deve ter sido por isso que eu não vi quando ele parou, bem ali, do outro lado do muro, e ficou me olhando com cara de bobo. E tomei um susto quando escutei sua voz, tão familiar e tão ausente por tanto tempo, dizendo:
– Lolita?
Me virei num salto, o coração na boca, sem acreditar no que eu estava vendo.
– Edson? – balbuciei.
De todas as praias no mundo ele tinha vindo parar na mesma que eu. De tantas ruas e tantas casas na cidade, ele estava na minha rua, na casa ao lado.
Eu devia ter mesmo muita sorte!
– O que você ta fazendo aqui? – ele perguntou, tão incrédulo quanto eu. Era estranho vê-lo de camiseta branca ao invés de preta e com uma bermuda azul. Claro demais pra ele.
– Passando as férias? – dei um risinho nervoso, mas não tinha graça nenhuma – Isso é muita…
– Coincidência? – Edson rolou os olhos – É um jeito de ver as coisas.
Resisti ao impulso de perguntar como ele via as coisas. Eu estava dividida por dentro entre a parte que adorava tê-lo ali, tão perto, e a parte que queria que eu pegasse o próximo ônibus de volta pra São Paulo. Respirei fundo.
– Eu vou ver se elas precisam de ajuda lá dentro. – eu disse, arranjando uma desculpa pra sair logo dali. Estava quase entrando quando ele perguntou:
– Elas? Quem mais está ai com você?
– A Sabrina e a Giovanna. – respondi, sem me virar pra olhá-lo.
Mas acho que ele entendeu o recado.
Entrei e parei logo na sala, caindo sentada no sofá duro. Era realmente inacreditável o tamanho da minha sorte idiota. Eu ainda estava considerando voltar pra casa quando as minhas primas apareceram na sala, cada uma com uma vassoura.
– Com quem você estava falando? – a Giovanna quis saber.
Eu fiz cara de idiota. Não porque queria me fazer de idiota – não tinha nenhuma possibilidade de a Giovanna aceitar isso como resposta -, mas sim porque eu estava tão abismada com o que tinha acabado de acontecer que não conseguia processar a pergunta que ela tinha me feito.
– Nós ouvimos vozes. – a Sabrina explicou, demonstrando um pouco mais de compreensão – Lá fora.
Pensei por um segundo antes de responder. O que seria melhor? Esconder a verdade e esperar que elas descobrissem sozinhas, ou simplesmente prepara-las para o fato de que o conhecido ex da Giovanna, o cara que só eu sabia que tinha beijado a Sabrina semanas atrás e o garoto por quem eu estava apaixonada, exatamente aquele cara estava passando as férias na casa ao lado?
Ia ser complicado. Mas decidi que mentir não era a melhor saída.
– O Edson é nosso vizinho.
As duas caíram sentadas e boquiabertas no sofá ao lado.
– Ele está sozinho? – Giovanna perguntou, baixinho. Dei de ombros.
– Imagino que não.
– Isso é muita… – Sabrina começou a dizer, e eu não consegui me controlar pra completar a frase.
– Coincidência? – sugeri. Ela assentiu – É, acho que sim.
Algo me dizia que aqueles dias não iam ser nada fáceis.
Dia 1:
Eram seis da tarde do primeiro dia. Eu estava na minha cama, olhando pro nada, pensando em nada, fazendo nada.
Mal tínhamos chegado e eu já fazia questão de ir embora, correndo se fosse necessário. Onde estava a justiça desse mundo?
– Ei, Lolita? – alguém me chamou. Olhei pro lado, tão rápido que me senti meio tonta. Era a Sabrina.
– Ah, oi. – respirei fundo e esfreguei a cara nas mãos. Minha prima sentou na cama ao meu lado.
– Eu e a Giovanna vamos dar uma volta na praia. Vamos? – convidou, e eu torci o nariz.
– Acho que eu vou ficar.
– Você não vai se esconder nesse quarto só porque o Edson está na casa ao lado, vai?
– Claro que não! – rolei os olhos, como se a idéia fosse ridícula.
Mas era exatamente aquilo que eu estava planejando.
Então encarei a Sabrina, e ela olhava pra mim com aquele de ar de “então pode me dizer que merda você está fazendo?” Bufei e me levantei.
– Vamos logo. – eu disse, calçando os chinelos.
Ainda estava bem quente lá fora quando começamos a andar pra praia. Eu não estava nem um pouco animada, e precisei de muito esforço pra não olhar pra trás enquanto deixávamos nossa casa (e a do vizinho) pra trás.
A praia estava bem vazia quando chegamos. Nenhuma de nós falou muito enquanto caminhávamos à beira mar. O barulho da água me acalmou um pouco, bem como o pôr do sol. Não sei quanto nós andamos antes de decidir que era hora de voltar.
O problema estava na volta.
Eu os vi antes de chegarmos perto o bastante pra que eles nos vissem. O sol estava se pondo ainda, e na nossa direção vinham Lana, Diego, Henry e, é claro, Edson.
A primeira coisa que eu fiz foi emitir um muxoxo. Sabrina me olhou, e então olhou pra onde eu estava olhando, e imitou o som. Só a Giovanna não percebeu nada. Pelo menos, não até estarmos realmente próximos, e a Lana acenar, com um sorriso.
– Oi, gente! – ela disse, e então me olhou e a compreensão emanou nos seus olhos por um instante antes da sua expressão se recompor.
– Coincidência, hein? – Henry brincou, mexendo no cabelo louro perfeito.
Com certeza!
– Oi, Met. – ouvi a Giovanna dizer. Decidi que não ia dar atenção a eles, mas a Lana, o Diego e a Sabrina estavam falando baixo demais pra me impedir de ouvir.
– Oi. – ele respondeu. De um jeito educado, porém seco.
– Eu queria levar um papo com você. – minha prima pediu. Sua voz era baixa, como se estivesse sufocando. De dor, eu podia imaginar. Dor de vê-lo ali, tão perto, e não poder fazer nada.
Bem-vinda ao meu mundo, Nana!
– Pode ser? – ela completou, lentamente. Não olhei pra ver a expressão de nenhum dos dois, preferindo olhar diretamente pro mar, belo e inacabável ao meu lado. Mas ouvi quando Edson bufou.
– Claro. – concordou. Eu não sabia por que exatamente, mas de que isso importava?
Eu nem sabia qual era a situação entre nós dois!
– Eu vou nessa. – falei pra Sabrina. Ela olhou de mim para a irmã, já andando ao lado do Edson, e assentiu.
– Eu vou com você.
Nos despedimos do resto do pessoal, e não dissemos mais nada no caminho pra casa. Não era necessário.
Cheguei e fui direto pra cama.
Dia 2:
Eram sete e meia da manhã quando eu acordei.
Levantei devagar, e fui até a cozinha comer alguma coisa. Nem meus tios tinham acordado ainda. Eu me sentia meio zumbi enquanto pegava a manteiga e o leite na geladeira. Minha cabeça doía.
Ótimo. Eu estava com ressaca agora, além de todas as outras coisas? Era definitivamente tudo de que eu precisava.
Depois de comer, lavar o rosto e escovar os dentes, eu já me sentia melhor. Abri a porta da sala sem fazer ruído e me sentei na varanda. Pensei em pegar a rede e estende-la, mas faria barulho demais, e a última coisa que eu queria era acordar alguém. Eu estava bem com o silêncio.
Então ouvi uma porta se abrindo, e já pensei em toda a calmaria indo embora. Respirei fundo, torcendo pros meus tios, ou, principalmente, para as minhas primas – ou eu deveria dizer prima mais velha? – não terem a idéia brilhante de vir me dar bom-dia.
Mas aí eu olhei pro lado, só por um segundo, sem nenhum motivo aparente, e vi que não tinha sido na minha casa que a porta tinha sido aberta.
Edson estava lá, e estava me encarando. Seus olhos escuros estavam confusos, o cabelo preto estava todo desgrenhado, e ele estava de camiseta furada e samba-canção. Seria uma cena engraçada, da qual eu poderia rir e até brincar com ele se as coisas não estivessem… delicadas entre a gente como vinham estando desde o início do ano. Desde antes disso.
Uma lembrança aflorou na minha memória e veio à tona antes que eu pudesse controlar meus pensamentos. Era da primeira vez que eu tinha dormido na casa da Lana depois de eu e o Edson virarmos grandes amigos. Aquele dia tinha sido engraçado.
Eu e ela estávamos fazendo dupla num trabalho de ciências, e o Edson, que sempre tinha sido muito bom com tudo que envolvia seres vivos por ser simplesmente apaixonado por animais, estava nos ajudando. Eu não entendia ainda porque ele me olhava tanto enquanto eu andava pra cá e pra lá no meu pijaminha, tão pequeno pra espantar o calor.
Que boba que eu era. Se eu soubesse, se eu não tivesse sido tão boba, tão cega, poderia ter poupado sofrimento dele. Poderia ter visto quem eu realmente queria, e poupado o meu sofrimento.
Naquele dia, vi o Edson sem querer de samba-canção e sem camiseta na cozinha. Já era bem tarde, e eu tinha descido pra tomar um copo de água antes de dormir. A cena bem embaraçosa me deixou com uma vergonha danada, mas ele não pareceu se importar muito. Pra disfarçar, usei da nossa liberdade como amigos e brinquei, dizendo que ele parecia um sem-teto vestido daquele jeito.
A verdade, agora que eu paro pra pensar, é que ele estava realmente gato daquele jeito. Ele era gato de todas as formas, e eu estava com a mente bloqueada e cheia de Ricardo demais pra conseguir ver.
E agora, aqui estávamos nós, num estágio em que brincadeiras só faziam tudo ficar mais desconfortável. Como tinha parado naquele ponto?
Quando olhei de volta, Edson não estava mais ali.
Bufei e me pus de pé. Eu precisava dar uma volta.
No momento em que eu cheguei na praia, eu já estava cansada e de mau humor demais pra continuar andando, então me sentei. Afundei na areia da praia, ainda meio vazia. O mar ia e vinha, naquele movimento chato que estava me deixando tonta. Ia e vinha como a minha vida estava fazendo naqueles últimos tempos, incerta, incapaz de ficar parada num lugar onde tudo dê certo.
Talvez porque esse lugar não exista. É uma utopia, um sonho maluco, esse negócio de vida perfeita, estável, feliz. Sempre teria algo faltando e, no meu caso, sempre teria muita coisa fora do lugar.
Me senti boba por pensar essas coisas, e ri sozinha. Eu estava falando como se tudo estivesse um desastre, mas do que é que eu estava reclamando? De uma confusão com o ex-melhor amigo e a minha prima e ex-namorada dele? Tem gente passando por coisa bem pior que isso!
Ouvi um suspiro e olhei pra trás. Ninguém. Mas quando voltei a cabeça pra frente de novo, notei que o Edson estava sentado bem do meu lado.
E ainda de samba-canção.
– As pessoas estão olhando pra você, sabia? – eu disse, numa voz monótona, uma tentativa inútil de fazer piada, sem um mísero tom de quem diz algo engraçado.
– Eu tenho estilo. – Edson me respondeu, quase na mesma seriedade. Eu bufei.
– O que você veio fazer aqui? – acabei perguntando, olhos fechados pra não ter que olhar pra ele. Demorou um tempo até que ele respondesse.
– Nós temos uns assuntos pendentes.
– Assuntos pendentes?
Minha voz estava cheia agora. Do que, eu não sabia. Mas estava vindo, e estava vindo muito rápido. Tudo aquilo que eu tinha guardado, subindo na minha garganta. Olhei pra ele com tanta intensidade que ele teve que baixar os olhos.
Ou talvez tivesse sido meu tom de “você só pode estar ficando muito maluco”.
– Nós temos algum assunto pendente ainda, Edson? – eu indaguei de novo, sentindo a raiva e a tristeza virem em forma de lágrimas que eu tinha que lutar pra segurar – Da última vez que eu achei que nós fôssemos resolver alguma coisa, você acabou beijando a minha prima. E nem mesmo foi a Giovanna, porque se fosse, talvez eu tivesse entendido! Como você tem coragem de me dizer que tem algum assunto pendente?
Ele abriu a boca pra responder, só que eu não dei chance. Agora que eu tinha começado, ia botar tudo pra fora.
– Ela gosta de você, Edson. – dei um risinho – Talvez seja coisa de família, né? Todas apaixonadas pelo mesmo cara. Mas eu fiquei na minha, e eu sei que não foi por causa dela que você terminou com a Giovanna. Ou você mentiu pra mim quando foi na minha casa aquele dia? – ele negou com a cabeça, mas eu não o deixei falar – Então porque você não, sei lá, empurrou a Sabrina quando ela veio pra cima de você? Porque você simplesmente beijou ela de volta?
A lembrança era como uma ferida sendo aberta de novo. Era quase impossível me segurar e não chorar.
– Me ajude a entender tudo isso, por favor! – eu pedi, com um suspiro – Eu não agüento… te olhar e não saber. Não saber o que você está sentindo.
Por pelo menos uns dois minutos, ninguém falou nada. Eu não olhava pra ele, e ele não olhava pra mim. Então o Edson fez um muxoxo.
– Eu acho que eu gosto de você. – ele murmurou. Eu balancei a cabeça.
– Não é o suficiente. – eu respondi. Porque não era. Há meses atrás, teria sido uma bênção, mas agora, só me deixava mais perguntas.
Então ele apareceu de joelhos na minha frente e pegou minhas duas mãos. Olhou pra elas por um tempo indeterminado antes de subir os olhos pra encontrar os meus de novo.
– Eu acho que eu gosto mesmo de você, Lolita. – disse, então, a voz mais forte dessa vez – Porque se eu não gostasse, eu não teria dito isso pra Sabrina. E se eu não gostasse, eu realmente não teria cometido o suicídio de ter contado pra Giovanna.
Meu queixo caiu.
– Você… – eu não conseguia nem falar. De medo, de choque, de confusão – Por quê? – soltei, e ele sorriu.
– Relaxe. Vai ficar tudo bem.
E, naquele momento, eu pude acreditar, porque estava tudo bem, ainda que só por um instante.
Naquele momento, quando ele me puxou e tocou a minha boca pela primeira vez, era impossível pensar que algo pudesse possivelmente dar errado.
Mas era a minha vida, não é?
Ficamos juntos o dia inteiro. Eu podia sentir os olhos de todo mundo nos seguindo, mas eu fiquei na minha e não conversei com ninguém sobre o assunto. A Lana sorria, o Diego sorria, o Henry não estava nem aí e a Sabrina bancava a indiferente. E a Giovanna…
Estava estranhamente calma.
Dia 3:
Dormi até meio dia.
Eu estava realmente cansada. Ser feliz deixa a gente com uma fadiga gostosa, tenho que admitir. Quando deitei, não consegui dormir com horas, ainda elétrica demais por tudo que estava acontecendo. Porque eu estava com ele e tudo estava bem.
Quando levantei, o relógio marcava meio dia e cinco. Minhas primas não estavam mais ali. Corri pro banheiro e escovei os dentes, e então corri pra varanda. O Edson estava sentado na varanda da casa dele, ouvindo música. Abriu um sorriso enorme e tirou os fones quando me viu.
– Bom dia! – eu disse, e ele me deu um beijo. Na boca. Meu coração pulou, palpitou, gritou e fez dancinhas dentro do peito.
Ele ia acabar me matando sem querer.
– Boa tarde, bela adormecida! – brincou – Já são… – tateou os bolsos, e fez uma careta – Cadê a droga do meu celular? Bom, não importa. Já é mais de meio dia, sabia?
– Desculpe, alguém me impediu de dormir essa noite! – exclamei, e ele riu.
– Espero não ter nada a ver com isso. Eu ia me sentir tão mal…
Então ele me beijou de novo, e outra vez. Eu podia aceitar meu coração no ritmo descompassado se tivesse que morrer daquele jeito. Feliz e com ele.
– EDSON, VEM ARRUMAR ESSA DROGA DESSE QUARTO! – uma voz gritou lá de dentro, e eu reconheci como sendo a mãe dele. Corei, e ele olhou pra trás, e então me deu outro beijo.
– Te vejo depois? – perguntou. Eu assenti.
– Tudo bem. Eu preciso descobrir onde estão os meus tios, de qualquer maneira. – respondi, com um sorriso de orelha a orelha. Outro beijo rápido, e ele se foi.
Não o vi mais o resto do dia. Achei melhor não ficar monitorando, pra não dar uma de paranóica e perseguidora. Meus tios e minhas primas apareceram no final da tarde, e nós jantamos e conversamos. A Giovanna se ofereceu pra ir comprar sorvete, se trocou e foi. Eu me sentei no quarto com a Sabrina, que já estava me olhando toda hora, obviamente cheia de perguntas pra fazer.
Era bom que a Giovanna tivesse saído. Eu não queria que ela fizesse parte dessa conversa.
– Então… você e o Edson, hein? – ela sorriu, e eu não pude deixar de sorrir também – Eu to feliz por você, Lolita! – pegou minha mão e apertou – Sério.
– Obrigada por isso. – afirmei, com sinceridade – Eu não quero que o meu lance com ele fique no meio de mais uma amizade.
– A Nana vai superar, sabia? – Sabrina me garantiu, e eu torci o nariz – É sério. A minha festa foi um passo, e quando ela e o Edson conversaram, foi outro. Acho que saber que ele gosta de você ajudou a Giovanna a entender que não tem mais volta.
– Eu espero que sim. Eu não quero que ela sofra por minha causa.
– Minha opinião? – assenti – Não vai durar muito mais. Você viu como ela ficou ontem. Ela ta na dela. Pode relaxar que o pior já passou.
Eu sorri, me sentindo realmente mais relaxada, e então meu celular vibrou na minha cama. O peguei e chequei.
Me encontre na praia. Era o Edson. Pelo visto ele tinha achado o celular. Sorri ainda mais e me levantei.
O amor te chama? – minha prima me perguntou, um tom de ironia na voz. Eu ri.
Te vejo mais tarde!
Avisei aos meus tios aonde estava indo e fui, correndo, feliz da vida, até a praia.
Estava escurecendo quando eu cheguei. O sol estava quase posto, e as luzes na praia eram aquelas que vinham dos quiosques. Mesmo assim, eu vi a silhueta do Edson, mas não tão parada quanto eu desejava que estivesse. Ele estava se mexendo, como se estivesse conversando com alguém.
Então ele se mexeu, andou pro lado oposto, e eu vi que tinha alguém com ele. Eu estava grudada ali, à meia-luz de um dos quiosques, e percebi que aquele alguém era a Giovanna. Claro que era a Giovanna. Quem mais estaria conversando com ele e deixando ele tão puto?
Vi o Edson discutindo com ela, mas não conseguia distinguir o que estavam dizendo. O som do mar, já mais bravo àquela hora, me impedia de escutar o que fosse. Então me limitei a assistir, observar enquanto eles brigavam, esperar pelo final. Eu não devia me intrometer. Eu tinha certeza de que, fosse o que fosse, não ia nos afetar, não agora.
E definitivamente também vi quando a Giovanna simplesmente se atirou pra cima dele, os braços no seu pescoço, e lhe deu um beijo daqueles.
Que ele não parou.
Essa não. De novo?
Dia 4:
– Onde você está indo?
Eram onze da manhã, e eu estava fazendo as minhas malas. Estava chorando desde a noite anterior, quando a cena miserável na praia me fez sair chorando como da última vez. A Giovanna dormia pacificamente, e só a Sabrina tinha acordado com a minha movimentação até agora. Meus tios não estavam em casa.
– Eu vou embora. – eu respondi, friamente, quando ela perguntou. Terminei de arrumar o que estava faltando na mala, e a ergui. Estava bem pesada.
– Como assim vai embora? – logo, a Sabrina estava tirando a mala da minha mão e jogando de volta no chão – Vai a pé?
– Até a rodoviária, sim. – respirei fundo – Não dá, Sabrina. Eu só tenho que ir. – peguei minha mala – Tchau.
– O que aconteceu? – ela insistiu, me seguindo.
– Pergunte pra Giovanna.
Sai e abri o portão sem olhar pra trás. A rodoviária ficava a uns três quarteirões de distância. Eu tinha dinheiro que bastasse pra passagem, e quando chegasse, podia pegar um ônibus ou o trem de volta pra casa.

Tudo o que eu precisava era estar bem longe dali o mais rápido possível.

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