Feliko: o casal que pedi a Deus

Quem me segue no Twitter acompanhou essa semana meu surto noveleiro por causa dos últimos dias de Amor à vida. Apesar de eu nunca ter sentido interesse especial pela novela, gosto de acompanhar as últimas emoções tanto por causa dos clichês extremos, quanto pelos possíveis diferenciais. Com Amor não foi diferente – embora o diferencial tenha muito mais apelo nesse caso.

Tenho um problema sobre como a homossexualidade é retratada nas novelas. Enquanto lá fora o tabu já foi pisoteado e a sexualidade dos personagens já caiu pra segundo plano em boa parte das produções audiovisuais, no Brasil o preconceito ainda existe, e de uma maneira tão enraizada que é difícil pensar numa novela em que um personagem gay fosse protagonista, ou que ao menos fosse retratado sem o estereótipo da bicha afetada. Quando Amor à vida estreou, ela quebrou pelo menos um padrão: Felix ainda era uma “bicha afetada”, mas era o antagonista, personagem forte, presente. Tive esperanças.

Acompanhei a novela sem assistir de fato só pra me divertir com as peripécias do personagem. Suas falas e tiradas malucas, seus trejeitos tão óbvios que todo mundo fingia ignorar, sua insistência em se esconder no armário. Um dos meus momentos preferidos na novela foi quando a sua então esposa Edite (nem sei se é assim que se escreve) revelou pra família que ele era gay; ah, o escândalo! A gritaria! E a aceitação da irmã, e do filho, e da mãe. Fiquei orgulhosa, do roteiro, da coragem. Ninguém faz isso aqui no Brasil – tratar homossexualidade como aceitável numa “família de bem” em pleno horário nobre.

Mas eles fizeram, e foram além. Apesar de todos os milhares de pesares, e das reviravoltas bastante Amor à vida acertou. Inseriu os homossexuais pelo que verdadeiramente são: pessoas. Pessoas com amores, com sonhos, decepções, características próprias, personalidade, famílias, dificuldades, empregos, e toda uma vida que, honestamente, independe da sua preferência sexual. Isso pode não ter sido tão forte com o Felix – que foi rechaçado pelo pai e continuou recebendo uma boa dose de preconceito dele até o último capítulo – mas com certeza foi presente pelo casal Niko e Eron. Afinal, a premissa dos dois na novela era: queremos ter uma família. Dá pra ser mais bonitinho do que isso?
desnecessárias, nisso

Capítulos se passam, o sonho da família perfeita de Niko não dá certo (porque a bruxa loura rouba seu boy magia, sacanagem!), e, por motivos que eu não conheço – já que não acompanhei a novela direito e acabei perdendo um bom pedaço desse desenvolvimento dos dois – Niko e Felix se tornam amigos. Um ainda está resolvendo seus pepinos com o ex-marido, o outro está ferrado demais pra conseguir pensar em se relacionar com alguém. Tudo numa boa. Tudo normal.

Essa amizade cresce. Eles tem seus altos e baixos. Eles se apaixonam. Eles trazem a tona o melhor lado um do outro. Eles se ajudam. Eles, eventualmente, se acertam e resolvem ficar juntos pra valer.

Sem alarde. Sem rebuliço. Sem questões éticas, morais, religiosas, legais. Sem excesso.

Há muito tempo atrás, lembro de ter comentado, também no Twitter, que tinha vontade de ler um romance gay em que a sexualidade fosse o menos importante. Já faz tempo que eu deixei de ver o ser-ou-não-ser gay como algo digno de nota; não estou preocupada com a sua opção sexual da mesma maneira como não estou preocupada se você prefere roxo ou verde. Um casal pra mim é feito de sentimentos, não do sexo do parceiro. Não tenho vontade de ler um romance com uma protagonista lésbica que fale sobre a sua descoberta sexual, ou sobre os preconceitos da sociedade – isso é fácil. Queria ler um romance sobre um cara que tem problemas com o irmão mais novo, não sabe que faculdade escolher, a mãe perdeu o emprego, e por acaso ele se apaixonou por um garoto incrível que vai mudá-lo das maneiras mais sutis. Sem rebuliço. Sem alarde. Porque o único jeito de fazer com que algo se torne natural é tratá-la com naturalidade. E é isso que, até então, eu não tinha visto nenhuma novela brasileira fazer.

É aí que voltamos ao Feliko (aka, shipname de Felix + Niko). Amor à vida me surpreendeu não só pela, digamos, coragem de colocar um homossexual afetado como vilão da novela, mas por humanizá-lo até que ele se tornasse o protagonista soberano (papi e mami soberanos aprovam esse elogio) e aclamado pelo público, defendido e inocentado de todas as acusações. Principalmente, Amor surpreendeu por criar o primeiro romance gay protagonista e não-estereotipado através do casal Feliko.

Eles chegaram devagarzinho. Criaram aquela amizade gostosa, se entenderam, se completaram. A gente precisam ficar juntos.
nem sabe direito em que momento que o ship começou ou se ele sempre esteve lá, mas de repente eu, meus amigos e até a minha mãe (que não é lá a pessoa mais tolerante do mundo) estávamos torcendo pelos dois. Não por serem gays. Não por serem um símbolo que quebra um tabu na dramaturgia brasileira. Não por qualquer motivo pensado e calculado. Apenas porque eles formam um excelente casal, se gostam e, saco,

É por isso que, apesar dos pesares, acho que Amor à vida teve seu mérito. Não bastasse tudo isso, ainda nos presenteou com o primeiro beijo gay alto e claro e sem enfeites nem efeitos e nem fogos de artifício (exceto os que a gente soltou em casa) na TV brasileira. Que seja o primeiro de muitos, até a hora em que “beijo gay” for um termo extinto do nosso vocabulário. Beijo é beijo. Casais são casais. Pessoas são pessoas. Você não combate o preconceito sendo condescendente com o preconceito, mas sim mostrando que não tem motivo pra ele existir.

Se você leu até aqui e discorda de mim, seja bem vindo a argumentar com educação.
Se você concorda comigo, vamos comemorar: FELIKO É CANON!

Beijocas (gays ou não)

4 thoughts on “Feliko: o casal que pedi a Deus

  1. O pior de tudo é as pessoas se esquecerem de que esse cara tentou matar a sobrinha recém-nascida, roubava dinheiro do hospital pertencente ao pai, internou a irmã numa clínica psiquiátrica que usava tratamento de choque… Eu não acompanhei de fato a novela, então sei que houve ainda mais coisas, mas apenas uma só dessas atrocidades seria suficiente. Suficiente para provar o mau caráter de alguém. E, numa época em que está tão na moda dizer "não julgue as pessoas", essa aceitação e empatia por uma personagem capaz de coisas tão terríveis nos passa a mensagem de que "tudo bem você ser um egoísta e foder com a vida de todo o mundo ao seu redor, se você (disser/fingir que?) se arrepende depois.

  2. Feliko é vida. Foi uma linda construção de amizade, de carinho, de afeto, de cumplicidade e de AMOR. Fiquei muito feliz em ver isso. Não só pelo beijo, que por si só já é uma vitória; mas pela construção dessa relação. Foi linda, delicada e tocante. E desse jeitinho que foi retratado, torna a coisa mais real, mais humana, mais verdadeira. O público consegue enxergar que gays podem sim amar. Muitos tem a visão da promiscuidade. Não, é muito mais que isso, é amor, como qualquer outro tipo de amor. De todas as novelas que já abordaram casais homossexuais, essa foi a melhor. E independente do Félix ter sido o vilão, foi lindo. E a propósito, ele sempre foi vilão com um motivo, com um passado. Tudo estava conectado com a relação dele com o César. E aí tudo se conecta, afinal, foi uma relação de homofobia do pai para com o filho. Claro, ele fez muitas atrocidades, mas como qualquer ser humano, ele teve a chance de se arrepender. Pelo menos EU acredito que alguém possa se arrepender, até mesmo quem comete atos horríveis. É claro que o fato de ele não ter pagado por seus crimes é triste, mas não deixa de mostrar a realidade brasileira. O importante é que o personagem desde o começo caiu no gosto do público e por causa disso enxergamos sua humanidade. Ele agarrou a humanidade dele e mudou, por amor. E eu AMO Feliko e amei esse fim ♥

  3. Eu não lembro quando foi que eu torci tanto para um casal de novela quanto torci para esse. Todo dia era uma piração para ver uma cena fofa deles e torcer que o beijo finalmente saísse. E, no fim das contas, foi lindo demais *-*

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