O Diário (nada) Secreto – Capítulo 12

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa

Capítulo 2 – Jogo de Interesses

Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa

Capítulo 4 – A semana seguinte

Capítulo 5 – Cíúmes

Capítulo 6 – Proibido é mais gostoso

Capítulo 7 – Quem tem medo do lobo mau?

Capítulo 8 – Verdades e Declarações

Capítulo 9 – Junina

Capítulo 10 – Beach, Bitch!

Capítulo 11 – Dia dos Pais Mal Assombrado

 Capítulo 12 – Letra e Música

Puxei meu telefone já no ônibus para casa. Eu tinha nove ligações não atendidas. Duas da Bela, sete da minha mãe. Não sabia para quem ligar primeiro, quem eu queria xingar mais naquele momento: minha Mãe por ter me metido em mais uma furada com o meu pai, ou a Bela pela sua grande amizade num momento de extrema necessidade.
Acabei discando o número de casa. Eu precisava tranqüilizar minha mãe, que provavelmente já tinha ligado pro meu pai e descoberto que nós não estávamos juntos, e devia estar como louca atrás de mim, já que já eram quase sete e eu ainda não estava em casa.
LOLITA, POR QUE VOCÊ NÃO ATENDE ESSE TELEFONE? ONDE VOCÊ ESTÁ? EU FIQUEI TÃO PREOCUPADA…
Os gritos da minha mãe eram tão altos que todo mundo no ônibus ficou olhando pra mim. Esperei que o lapso dela passasse e voltei a encostar o fone na orelha.
– Não precisa gritar, eu estou te ouvindo muito bem. – bufei – Já estou no ônibus para casa.
Por que você não me ligou assim que seu pai te avisou que não ia? – mamãe exigiu, parecendo uma ditadora usando aquele tom de voz sério-sem-gritar – Eu teria ido te buscar. Você tinha que ter me avisado!
– Mãe, eu estava brava, ok? – bufei de novo – Ainda estou muito brava com tudo o que aconteceu. Eu precisava de um tempo. Quando eu chegar em casa a gente conversa.
E desliguei na cara dela.
Então mandei uma mensagem pra Bela.
Amanhã, na sua casa, depois da escola, digitei rapidamente. Enviei, e menos de um minuto depois, a resposta profunda chegou, fazendo meu celular vibrar.
OK.
Maravilha. Talvez ela tivesse me ligado duas vezes só pra dizer algo ridículo como “ok”.
Ela ia se arrepender de ser tão negligente quando eu contasse tudo pelo que eu tinha passado.
Meu celular vibrou de novo e começou a tocar. Olhei, e não era minha mãe. Era a Sabrina. Atendi.
– Alô?
Lolita, você viu meu caderno de músicas? – ela disparou, e eu gostaria que ela pudesse ver minha careta numa hora dessas.
– Oi pra você também. – resmunguei – E não. Eu nem sabia que você tinha uma!
Claro que sabia! – minha prima exclamou, agitada com alguma coisa do outro lado da linha – Um caderno preto que eu colei umas estrelas adesivas brilhantes na aula de geografia, lembra? Que você desenhou na contracapa?
Ah, agora eu sabia do que ela estava falando. No meio de uma aula de geografia, há mais ou menos dois ou três meses, eu estava fazendo dupla com a Sabrina pra fazer uns exercícios, mas ao invés de responder questões eu fiquei desenhando naquele caderno enquanto ela dormia. Eu tinha achado o tempo todo que era o caderno de geografia dela.
– Eu não vejo esse caderno há uns três meses desde que eu desenhei nele. – respondi, então – Você perdeu?
É, eu levo ele pra escola todo dia, ele vai comigo pra onde eu vou, mas eu não faço a menor idéia de onde ele está! – pela voz, parecia que ela tinha perdido um filho, não um caderno – Todas as minhas músicas estão lá, algumas tem até as cifras, droga!
– Onde mais você foi esses dias, além da escola? – perguntei, então, me sentindo até mais feliz com toda a confusão da minha prima e seu caderno desaparecido.
Eu tive que ir no shopping ontem comprar um presente, mas… – a voz foi morrendo, e então apenas silêncio – PORCARIA! DROGA, DROGA, MELECA, MERDA, AAAAAH!
– O que foi? – o povo no ônibus devia achar que eu tinha problemas, porque eu olhava pro telefone, segurando-o como se minha vida dependesse disso.
A MINHA BOLSA QUEBROU NO ÔNIBUS, E EU ACHEI QUE TINHA PEGO TUDO QUE EU DERRUBEI, MAS… – ela berrava a plenos pulmões. A mulher ao meu lado se levantou e saiu, discretamente – EU NÃO ACREDITO! EU NUNCA MAIS VOU VER MEU CADERNO! UM ANO E MEIO DE MÚSICAS, UM ANO E MEIO! AAAAH!
E então desligou.
Minha família tinha sérios problemas mentais.
Desci no ponto perto de casa e me apressei até o meu prédio. Era noite e só quem vive em São Paulo sabe como é perigoso. Me senti um pouco melhor quando peguei o elevador e subi pro meu andar.
O sentimento se esvaiu quando eu abri a porta e dei de cara com a minha mãe.
– Até que enfim você chegou! – ela começou a dizer, antes mesmo de eu conseguir entrar e fechar a porta – Eu estava preocupada! Você tem noção das coisas horríveis que eu pensei quando não conseguia te encontrar? Por que você não me ligou? O que aconteceu?
Sim, mãe, eu imagino tudo o que se passou pela sua cabeça, porque você é mãe, e mãe é paranóica por natureza. Eu já passei por esse discurso mais de uma vez, obrigada.
Bufei e joguei minhas coisas no sofá, sem energia pra discutir. Eu só queria acabar de vez com todas as conversas daquele dia, dormir e, de preferência, acordar no dia seguinte com a página virada.
Então, com calma, contei pra minha mãe tudo o que tinha acontecido no meu dia. Deixei de fora a parte que incluía minha conversa com o Edson sobre, bem, nós dois, simplesmente porque ela não sabia de nada e eu preferia que continuasse sem saber. Ainda mais agora, quando tudo o que eu queria era começar de novo. Contar a ela ia levantar perguntas que iam desenterrar o passado e me fazer sofrer.
Não, obrigada.
Fiquei aliviada quando enfim eu anunciei que ia dormir, e minha mãe não me parou. Tomei banho, escovei os dentes e me troquei o mais rápido que pude, e dormi tão logo havia me deitado.
A escola estava estranha no dia seguinte.
A primeira coisa que eu percebi foi que o Diego e a Lana não estavam se falando. Ele olhava pra ela com olhinhos esperançosos, e ela permanecia dura, impassível. Teriam brigado de novo?
A segunda coisa foi que nem Bela nem Willian estavam por perto. A Suellen estava do outro lado do pátio, conversando com o Daniel – perto demais -, mas nada da Bela.
Então, logo ao lado da Lana, com fones no ouvido e um caderno apoiado no colo, estava a Sabrina. Eu não havia vindo com o ônibus naquela manhã, então não tinha tido como perguntar se ela tinha encontrado o caderno. Pelo que eu podia dizer, não.
E por último, mas não menos importante, a Giovanna. Ela foi a única que se levantou, agitada e animada, e veio de encontro a mim quando me viu. O que era realmente estranho, a julgar por todos os acontecimentos passados e nosso relacionamento em reconstrução.
Mas, ei, era uma nova página, certo?
– Lolita, você tem que me ajudar! – ela exclamou, e seu tom parecia mais de ordem que de pedido. Estranhei que ela viesse pedir ajuda justamente a mim, mas só de olhar pro clima da nossa mesa, dava pra entender o desespero.
– Claro. – concordei, sem conseguir imitar seu tom animado – Em que posso ser útil?
– Aqui! – ela se sentou ao lado da Sabrina, que nem pestanejou, abrindo a bolsa. Eu deixei minha mochila no chão e me sentei ao lado dela, meio hesitante.
Giovanna me entregou um papel branco com várias coisas impressas. Uma ficha de inscrição.
– Um concurso de modelos? – eu perguntei, lendo a inscrição no topo que dizia “Concurso Garota do Brasil”. Ela sorriu, toda animada.
– Eu tinha ouvido falar, e dei uma olhada, e é pra maiores de dezesseis anos residentes no Brasil e blá, blá, blá. – suspirou – Na verdade, eu to super animada, mas não sei se devo me inscrever.
– Se você pode, eu acho que deve. – afirmei – Quero dizer, você tem potencial. Tem corpo e tem carisma. Tem que tentar.
– Ah, obrigada! – voltou a sorrir – Era só disso que eu precisava, mas a Sabrina está psicótica demais pra me ajudar, e opinião de mãe nunca vale!
– Certo. – o sinal bateu, e nós nos levantamos – Vai fundo, você consegue!
– Claro que consigo!
Então por que foi que me perguntou, caramba?
A Bela não apareceu na segunda aula, nem na terceira, nem em aula nenhuma. Quando perguntei à Suellen, ela disse que não tinha visto a Bela de manhã, e simplesmente não tinha esperado por ela – como se eu já não soubesse.
Na hora do intervalo, o Edson estava lá, me esperando na saída da classe. Meu coração bateu forte, e eu estranhei, dada a nossa conversa na tarde de domingo.
Eu estava confusa, mas fui com ele, sem dizer nada, até o pátio. Ele se sentou no chão mesmo, na parte ensolarada. Eu o imitei.
– Então, como foi seu dia? – ele quis saber, num tom amigável. Sorri, percebendo que tudo o que ele estava fazendo era pra tentar “começar de novo”, como eu havia sugerido.
– Foi legal. – menti. Porque eu tinha passado a manhã inteira em transe, pensando em mil coisas, e isso não tinha sido muito legal – O que aconteceu com a sua irmã e o Diego? – perguntei então, pra conseguir arranjar assunto.
– Ah, você sabe, eles brigaram de novo. – Edson rolou os olhos e riu – Acontece que o Diego teve um compromisso de família bem no dia em que eles iam sair, e esqueceu de avisar. A Lana ficou plantada do shopping sei lá por quanto tempo esperando.
– Ela deve ter ficado uma fera.
– Ah, ficou. Quando ela chegou em casa, me dava até vontade de rir, porque ela estava tão histérica que parecia a ponto de jogar as coisas na parede. – nós dois rimos – Você está rindo porque não foi com você!
– E por que você está rindo, então? – desafiei. Ele pensou nisso um instante.
– Porque agora que eu lembro, é engraçado. – ele riu um pouco mais alto – Mas sério, na hora me deu até medo. Ela tava, sei lá, vermelha e chorando, e gritando com ele no telefone.
– Coitado do Diego…
– Eu não queria ser esse cara. Lembra daquela vez…
E assim se foram os nossos vinte minutos de intervalo. Era legal conversar com ele, sobre qualquer coisa. Fluía sem dificuldade. Ainda que fosse pra falar e relembrar os ataques histéricos da Lana ao longo dos anos.
Quando o sinal tocou, eu não queria sair de perto dele. Mesmo assim, me levantei e fui pra minha sala.
Quando entrei no ônibus, na hora da saída, Giovanna acenou freneticamente, me convidando a sentar com ela, mas eu ignorei. Primeiro porque eu tinha certeza de que ela só queria minha companhia porque a Sabrina estava realmente chata hoje. E segundo porque eu não estava preparada pra voltar a ser amiga dela em nenhum termo. Tínhamos que ir mais devagar com essa nossa reconciliação.
Então, me esgueirei pro lado da Suellen.
– Oi, Lolita. – ela disse, abrindo um sorriso e enrolando uma das mechas do seu cabelo perfeito no dedo.
– Oi. – sorri de volta, sem poder deixar de prestar atenção nela. Não só porque a Suellen era muito bonita, ou porque parecia muito feliz, mas principalmente porque, cada vez que eu olhava pra ela com atenção, eu tentava imaginar a Bela.
Não dava. O rosto podia ser o mesmo em muitos aspectos, mas não só as gêmeas faziam questão de serem diferentes, como seriam mesmo que não quisessem. Eu não sei se já comentei isso, mas elas eram cheias de detalhes.
A Suellen era um pouco mais alta, e inegavelmente mais magra – a Bela tinha engordado pelo menos uns oito quilos desde a sétima série. Além disso, enquanto a Suellen mantinha o cabelo intactamente louro natural, a Bela tinha tingido de umas cem cores diferentes nos últimos anos, estacionando no preto desde o ano passado. E os olhos da Bela eram mais verdes que os da Suellen.
Não sei quanto tempo levei pra pensar nisso tudo de novo. Mas, quando dei por mim, o ônibus já estava andando, e a Suellen estava rindo da minha cara.
– Ta viva, Lolita? – ela perguntou, entre os risos. Esfreguei os olhos, antes de me lembrar que aquilo ia manchar todo o meu lápis de olho.
– Desculpa, eu tava pensando. – respondi, e ela deu um  sorrisinho.
– Sei.
Uma das coisas que eu mais gostava na Suellen era que ela não fazia perguntas. Ela era fofoqueira, galinha, interesseira até onde eu me lembrava de tudo o que eu sabia ou tinha ouvido falar, mas em momento nenhum, naqueles anos todos que a gente se conhecia, ela tinha me feito uma pergunta repentina como se apenas pra saber alguma fofoca.
– Então, como estão as coisas? – perguntei, sabendo que, se a Bela soubesse que eu estava ali, conversando numa boa com a Suellen, eu poderia me considerar morta.
– Estão bem! – exclamou, feliz, desviando os olhos de mim. Fez uma pequena pausa, então olhou pra mim de novo.
Eu sustentei o olhar, e ela riu. Eu nem sabia do que ela estava rindo, mas ri também. Talvez porque o riso dela era feliz e contagiante, talvez porque eu estivesse me sentindo feliz hoje também. Mais leve.
– Lolita, você poderia guardar um segredo? – indagou-me, quando parou de rir. Estava sorrindo, ainda, mas seu tom era sério.
Aquilo me pegou de surpresa. Quero dizer, eu não tinha problemas contra a Suellen, mas nós não éramos amigas. Nunca tínhamos dividido nada, muito menos segredos.
Ainda assim, por alguma razão e contra todas as minhas leis de sobrevivência – porque, sim, a Bela ia me matar se algum dia descobrisse – eu assenti e disse:
– Claro.
– Eu não sei nem porque eu estou te contando isso. – começou. Nem eu, Su, nem eu. – Quero dizer, é bobo. Eu não sei de onde eu tirei essa idéia, mas não sei, parece tão lógico às vezes, e só…
– Fala logo! – pedi, fazendo com que ela risse. Parou, respirou fundo, e declarou:
– Acho que o Daniel está apaixonado por mim!
E disse isso como se fosse, sei lá, o anúncio de um super método pra acabar com o aquecimento global. Uma novidade inesperada.
– O quê? – ela acrescentou, confusa, ao ver minha expressão do tipo “você só percebeu agora?”
– Suellen… – não tinha jeito de ser gentil numa hora dessas – Você só percebeu agora? – traduzi.
E, pro meu desespero, ela pareceu ainda mais perdida.
– Su, já faz, sei lá, anos que ele gosta de você! – exclamei, e ela esbugalhou os olhos.
– Ta falando sério? – indagou, num tom surpreso e meio inconformado.
– Ahn, sim.
– Como… como eu nunca percebi?
– Isso eu já não sei. Mas acho que ele sempre gostou de você.
O ônibus parou em frente à rua dela, então. Onde eu também ia descer. Acho que a Bela não poderia me culpar de chegar junto com a irmã dela se ambas estávamos indo pro mesmo lugar.
A Suellen não disse mais nada desde a hora em que saímos do ônibus até a hora em que entramos na casa. Foi pra cozinha, enquanto eu subia pro quarto da Bela. Bati na porta, e minha melhor amiga abriu, ainda de pijama, e me colocou pra dentro.
– Por que você não foi na escola hoje? – fui logo perguntando, e a Bela caiu sentada na própria cama, o olhar vago.
– Eu não tava afim. – respondeu. Baixo demais para o seu tom normal de voz.
Mas acho que ela não estava muito normal hoje.
– O que aconteceu? – indaguei em seguida, me sentando ao lado dela. Bela respirou fundo, caiu deitada pra trás e me disse, numa voz rouca:
– O Willian vai embora.
– Ele o quê? – eu quase gritei – Por quê? De onde saiu isso?
– O pai dele trabalha numa empresa idiota que transferiu ele pra Curitiba. – ela não estava chorando. Estava mais calma e controlada do que eu provavelmente estaria. Mais calma e controlada do que a Belatriz que eu conhecia geralmente era – Então, lá se vai a família.
– E quando… vai ser isso?                  
– No próximo mês. – Bela se sentou de novo, os olhos marejados, mas sem deixar cair uma lágrima – Lolita, isso é um segredo, tudo bem? Ninguém sabe que ele vai, e ele não quer que ninguém saiba.
Assenti, devagar. Ela devia estar sofrendo um bocado sem botar pra fora. Tão Bela. Prefere morrer do que admitir que está sofrendo.
– Como você está se sentindo? – perguntei, com cuidado. Bela deu de ombros.
– Como eu deveria me sentir? – deu um riso abafado e esfregou os olhos – Eu to tentando não pensar muito no assunto. Talvez seja melhor.
– Talvez…
Bela bufou mais uma vez e fingiu sorrir.
– Mas e ai, o que aconteceu com você? – me perguntou.
Eu não sabia se era certo agora culpa-la por não estar ali quando eu precisava, quando eu tão certamente não tinha estado no lugar esperado quando ela estava precisando. Também não achava justo enche-la com os meus problemas quando ela já tinha os seus próprios.
Mas não é isso que amigas fazem? Se enchem com problemas uma das outras? É algo tão básico numa amizade que eu nem pensei muito antes de começar a falar.
Contei sobre o domingo cheio que eu havia tido. Sobre o meu pai que não apareceu, e a raiva que eu tive. Contei sobre como eu tentei ligar pra ela e tinha ficado puta quando ela não me deu atenção, mas que agora eu entendia. Então contei pra quem eu corri quando isso aconteceu.
Falei sobre as minhas horas na casa do Edson, sobre ter chorado no colo dele e descarregado toda a minha raiva. Contei então sobre a nossa conversa sobre o assunto que realmente interessava: nós dois. Falei sobre a minha decisão, e sobre como as coisas estavam sendo agora, o quão melhor e pior aquilo podia ser.
Quando terminei, nós duas nos jogamos pra trás, deitadas na cama, encarando o teto em silêncio. Eu me sentia melhor só de ter falado aquilo pra ela, do mesmo jeito como tinha me sentido melhor de ter botado minha raiva sobre o meu pai pra fora na casa do Edson.
– Você acha que eu fiz certo? – perguntei – Sobre o Edson.
Olhei pra ela. Bela pareceu pensar por alguns instantes, ainda virada pro teto.
– Achei uma boa idéia você colocar um ponto final na palhaçada. – concluiu, me fazendo dar uma risadinha – É sério. Você tomou uma decisão muito boa, eu acho. Mas, na boa?
– O quê? – nunca vinha coisa boa quando ela dizia os seus “na boa”.
– Isso não vai dar certo.
– Acho que já está dando. As coisas entre nós estão bem mais leves.
– Não, Lolita, não to falando disso. To falando que com certeza isso não vai durar muito tempo.
– Por que não?
– Porque nenhum de vocês vai agüentar ser só amigo por muito tempo.
Ela disse isso com uma certeza que me dava até medo. Preferi fazer como ela tinha dito e não pensar sobre o assunto. O tempo diria.
– Obrigada. – falei, de repente. Bela sorriu.
– Obrigada também.
A semana foi um pouco melhor daí por diante.
Achei incrível a capacidade de esconder os fatos que a Bela e o Willian haviam adquirido. Ninguém fazia idéia do que tava rolando entre eles – ninguém além de mim. Eles agiam tão naturalmente como se não fossem se separar em um mês. Mereciam um Oscar pela atuação!
Todos os dias, o Edson me buscava na porta da sala na hora do intervalo, conversava comigo durante todo aquele tempo e me levava de volta quando o sinal tocava. Eu ainda não conseguia fazer meu coração entender que aquilo já tinha se tornado cotidiano, que ele podia parar de acelerar toda vez que isso acontecia. Era inevitável.
E na quinta-feira…
– Oh, meu Deus! – a Sabrina me deu um susto, surgindo, virada para trás no banco à frente do meu no ônibus da escola. Ela parecia cem por cento melhor.
– O que foi? – perguntei, respirando fundo pra me recuperar do susto. Minha prima se levantou e sentou no banco ao meu lado, vazio. A Bela tinha perdido o ônibus.
– Acharam o meu caderno! – ela exclamou, com um sorriso de criança – Um cara achou o meu caderno, e tinha meu número na capa, e ele me ligou!
– Ah, isso é ótimo!
– Não é? E ele disse que quer me devolver o caderno, e marcou comigo amanhã depois da escola.
– Você vai realmente se encontrar com um cara que você não conhece?
– Não sozinha.
Franzi a testa. Ela estava me olhando com aquela cara de cachorro pidão que só podia significar uma coisa…
– Não, chame a Giovanna pra ir com você! – exclamei, rolando os olhos. A Sabrina balançou o meu braço como uma criança mimada.
– Ela vai fazer as fotos praquele concurso idiota! – argumentou – Vai comigo, por favor. Eu preciso pegar esse caderno de volta!
Bufei.
– O que eu não faço por você certo?
– Ah, obrigada, Lolita!
– Acho bom esse caderno valer tudo isso. Eu durmo de sexta-feira à tarde.
– Vale a pena, eu juro!
– Sei, sei.
Lá estávamos nós. O “depois da escola” dela era mais ou menos seis da tarde, e nós estávamos num tipo de barzinho no centro da cidade, cercadas de um monte de gente fazendo Happy Hour, ou o que quer que seja. Nós éramos, de longe, as criaturas mais jovens naquele ambiente. Eu não entendia sequer como tinham nos deixado entrar.
E nada do tal cara ainda. Já estávamos lá havia uma meia hora. Mais à frente, instrumentos eram montados em um palco improvisado. Nada além de dois violões e um teclado. Suspirei. Pelo menos música ao vivo seria mais legal do que ficar esperando feito uma idiota ali, sentada, em meio a um monte de gente que já tinha no mínimo emprego e/ou uns dois anos de faculdade.
– Você tem certeza de que esse cara vem? – perguntei, remexendo meu copo de coca-cola. Era o máximo que a gente podia sonhar em tomar ali.
– Claro que tenho! – a Sabrina exclamou, olhando o relógio do celular pela centésima vez naqueles dez minutos – Ele ligou hoje pra confirmar. É claro que ele vem!
– Olha, mais meia hora e…
– Sabrina?
A voz veio de trás de mim, e eu me virei, assustada, pra ver quem era. Era firme, grossa e bonita. Máscula. Olhei pra trás, só pra encontrar um cara enorme, de cabeça raspada e olhos escuros. Ele era alto e forte. E um gato.
– Eu. – ouvi minha prima dizer, e quando me virei de volta pra ela, ela já estava de pé, indo até ele.
Assisti enquanto se cumprimentavam e se apresentavam. Claro que eu fiquei de lado. Então, quando a Sabrina se sentou – babando – ele se virou pra mim e me estendeu a mão.
– Kauê. – se apresentou.
– Lolita. – eu disse. Ele franziu a testa – Acredite, você não quer saber o meu nome de verdade.
– Tudo bem. – respondeu, rindo. Então voltou-se pra Sabrina de novo, tirando algo das costas, provavelmente preso na calça, ou sei lá.
– Ah, meu Deus! – minha prima exclamou, aliviada, abraçando o caderno como se fosse um filho – Obrigada!
– Eu não sei se você vai ficar chateada nem nada, mas eu meio que li as coisas que você escreveu ai. – confessou.
E ela corou. Eu não sabia se era exatamente porque ele tinha lido, ou porque tinha chamado as músicas e poemas dela de “coisas”.
– E o que você achou? – ela perguntou, confirmando a minha primeira teoria. Vi Kauê chegar mais perto, embora eu tentasse não olhar diretamente pra eles.
– Brilhantes. – respondeu, e vi minha prima dar um sorriso bobo.
– Vou ao banheiro. – avisei, meio baixo, e me levantei.
Mas não fui até o banheiro. Fui até o lado de fora, respirar um pouco. Mas estava frio, e eu voltei e me sentei num daqueles banquinhos legais perto do bar. Todo mundo, bartender incluído, me olhava como se eu fosse uma garotinha perdida.
É, talvez eu fosse. Só não na conotação que eles imaginavam.
– E então ele disse que tinha adorado meus poemas, e que as músicas eram tão perfeitas que ele conseguia até ouvir as melodias por trás delas! – a Sabrina exclamou, em êxtase, pra mim e pra Giovanna no quarto dela. Eu tinha decidido dormir ali, e agora estava convencida de que essa era uma péssima idéia.
– E então? – a Giovanna perguntou, e eu fiquei em dúvida se ela realmente queria saber ou se estava apenas se fazendo de interessada.
– E ai que eu disse que eu tocava, e ele disse que tinha uma banda, e ele disse que nós devemos tocar juntos um dia desses! – ela suspirou – Seria demais. Quero dizer, ele é um gato!
– Quantos anos esse cara tem? – eu perguntei, franzindo o cenho. Ele tinha cara de ser velho demais pra ela. A Sabrina tinha feito quinze anos em julho, e o cara era meio, sei lá, enorme.
– Dezenove.
– Ele não tem cara de dezenove.
– Quem liga pra quantos anos ele tem? – a Giovanna disse, indo até a escrivaninha e sentando na frente do computador da irmã, mexendo em alguma coisa na internet – Vai fundo, maninha!
Bufei e cai pra trás, deitada na cama da Sabrina.
Algo me dizia que nada daquilo ia acabar muito bem.

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