O Diário (nada) Secreto – Capítulo 16 + Epílogo

Conheça O Diário (nada) Secreto

Capítulo 1 – Recepção Calorosa


Capítulo 2 – Jogo de Interesses


Capítulo 3 – As sete coisas que não se deve fazer em uma festa


Capítulo 4 – A semana seguinte


Capítulo 5 – Cíúmes


Capítulo 6 – Proibido é mais gostoso


Capítulo 7 – Quem tem medo do lobo mau?


Capítulo 8 – Verdades e Declarações


Capítulo 9 – Junina


Capítulo 10 – Beach, Bitch!


Capítulo 11 – Dia dos Pais Mal Assombrado


Capítulo 12 – Letra e Música


Capítulo 13 – Não aprendi a dizer adeus

Capítulo 14 – Meus quinze anos

Capítulo 15 – Amizade x Lealdade

Capítulo 16 – As luzes de São Paulo
– Mãe, eu preciso que você assine meu boletim.
Aquelas foram as palavras que eu mais sofri pra dizer.
Depois de voltar do cinema, passei metade da noite em claro tentando pensar num jeito de escapar da minha mãe. Eu poderia falsificar a assinatura, entregar o boletim, e fazer todas as recuperações sem que ela soubesse.
Nada disso. Não tinha a menor chance da minha mãe não perceber que eu estava me matando de estudar logo no fim do ano e que eu chegaria tarde praticamente todos os dias, ficando até pelo menos cinco horas na escola pra fazer as provas de recuperação.
Ou eu podia simplesmente virar pra ela e dizer as palavras acima, precedidas de um “mãe, por favor, não fica brava!”
Como se fosse adiantar muita coisa. Ela ia ficar brava independente do que eu argumentasse. E eu não tinha argumentos. O que resultava numa Lolita-no-espeto como prato principal.
Me lembrei da fúria dela quando eu cheguei completamente bêbada em casa e dormi no sofá. Me lembrei dos meses de castigo, da bronca que eu levei. Me lembrei que por causa dessas festas eu tinha deixado de estudar e tinha me ferrado em todas as provas.
Parabéns, Lolita. Agora, a fúria da mamãe não vai chegar nem perto de ser tão suave. Ela vai pegar uma serra elétrica, cortar seus braços e acender uma fogueira pra queimar você viva quando perceber que, ei, sua filha única, pra quem ela paga um colégio católico privado nada barato, está repetindo de ano!
Eu sou de longe a pior filha do mundo.
Por isso, depois de tanto dizer aquela frase simples e sofrida em frente ao meu espelho, eu precisei de uns bons três minutos em frente à minha mãe, sem ar, sem voz e sem coragem, até conseguir fazer a fala sair e dizer:
– Mãe, eu preciso que você assine o meu boletim.
Ela estava comendo iogurte e assistindo “Sexta-Feira Muito Louca” no Disney Channel quando eu disse isso. Me olhou com aquela cara suspeita, e eu entreguei o boletim pra ela.
Me sentei, assistindo seu rosto e suas expressões mudarem. Ela foi de desconfiada a pasma, então ficou furiosa, e logo parecia completamente inconformada.
– Lolita! – ela exclamou, num tom inconformado, misturado com decepção – Filha, o que é isso? O que são essas notas?
– Eu sei… – meus olhos se encheram de lágrimas. Como se eu já não estivesse emotiva o suficiente desde ontem!
– Carlota, você vai repetir de ano! – ela quase gritou, chacoalhando o papel na minha frente, e o fato de estar usando meu nome só me deu a certeza do quão brava ela estava – Você precisa fazer recuperações pra praticamente todas as matérias! Como você deixou as coisas chegarem nesse ponto?
– Eu não sei! – ainda me atrevi a responder, começando a chorar, com todo aquele peso, somados aos demais, parecendo afundar meu cérebro e tirar tudo de dentro dos meus dutos lacrimais – Eu não liguei, eu dei mais importância pras outras coisas…
– Claro! Porque festas e namorados são realmente mais importantes do que o seu futuro! – ela se levantou e começou a andar de um lado para o outro – Eu não acredito que você está fazendo isso com você mesma! Fazendo isso comigo! Depois de tudo o que eu sofro pra te manter naquele colégio, pra não estragar a sua vida, pra te deixar num lugar que você goste…
– Me desculpe!
– NÃO! – ela atirou o pote de iogurte no chão, fazendo o conteúdo decolar e atingir a porta da sala e as paredes, manchando o carpete. Mamãe pôs a mão na testa, tremendo – Quantas vezes você já me pediu desculpas, Carlota? E quantas vezes você já errou de novo? Olha pra esse boletim, você acha que eu vou te perdoar por isso?
Eu não conseguia parar de chorar. Tudo me deixava culpada, tudo me dizia que eu estava errada, e eu estava soluçando. Minha mãe ainda não parava de andar pela sala.
– E sabe o que é pior? – continuou, como se tudo o que estivesse me dizendo já não fosse ruim o bastante – Eu não tenho nada pelo que te desculpar! Você está pedindo desculpas pra mim, mas devia estar pedindo desculpas pra você mesma! Você é a única que vai sair dessa história prejudicada. E eu espero que isso te ensine um pouco de uma coisinha chamada responsabilidade.
Não respondi, apenas balancei a cabeça afirmativamente.
– De hoje até o começo do próximo semestre na escola… – minha mãe disse, e eu me preparei pra bomba – Você vai de casa pra escola, e de lá vem pra casa. Se o Edson quiser te ver, ele que venha até aqui, e ele é o único que eu vou permitir que te visite até o fim dessas provas. Você tem autorização para ficar na escola estudando antes das provas, mas só sai de dentro dessa casa comigo. Estamos claras?
– Estamos. – respondi, rouca, baixinho e fungando.
– E eu acho bom você passar de ano, Carlota. – sua voz estava trêmula e ameaçadora – Porque eu juro que se você não passar você vai ficar um ano inteiro de castigo e morando com o seu pai!
Concordei rápido dessa vez. Qualquer coisa pra não ter que morar com ele.
– Vou limpar essa sujeira. Vá pro seu quarto.
Obedeci, ainda chorando. Me tranquei no quarto e me afundei na cama.
Os dias que se seguiram foram provavelmente os mais difíceis da minha vida.
Eu não era muito de estudar. Verdade seja dita, eu odeio estudar. Mas depois de anos sendo uma aluna no mínimo dedicada, ter que batalhar pra conseguir passar de ano na última hora era mais difícil do que eu tinha imaginado.
O Diego e a Lana estavam me dando a maior força. Eram os únicos. Minhas primas estavam perdidas nos próprios mundinhos, e o Edson estava estudando pra segunda fase do vestibular da USP. Se eu não tivesse os dois maiores crânios da sala sentados todos os dias comigo no pátio depois das aulas pra me ajudarem a estudar, eu provavelmente já teria entrado em colapso.
Não que eu ainda não estivesse. Porque eu estava num estado de nervosa que poderia me fazer explodir caso eu não me controlasse.
Então, todos os dias, eu saia da aula, almoçava qualquer coisa na cantina do colégio e sentava no pátio com livros, cadernos, lapiseiras e borrachas pra estudar pra todas as matérias que eu precisava refazer provas pra passar de ano.
Naquela tarde em questão, estávamos eu e o Diego. Era a tarde da minha prova de física, e ele era o melhor da sala naquela matéria.
Como se ele não fosse o melhor da sala em todas as matérias!…
– Gravidade é uma parte bem fácil da física. – ele começou, depois que todo o material estava na minha frente – A teoria é simples, você só vai ter que decorar algumas fórmulas e o que cada letra representa. Abre a apostila na página… – e folheou a sua própria – 276.
Ele continuou me dando instruções e me ajudando a fazer os exercícios. Minha cabeça estava girando quando ele me deixou fazer alguns sozinha. Eu tentei. E tentei de novo. E continuei tentando.
– Eu não consigo! – e joguei a lapiseira na mesa. O Diego olhou pra mim com cara de espanto, mas não disse nada.
Bufei e passei as mãos pela cabeça, pressionando pra tentar mandar a dor embora. Eu fechava os olhos e só via números na minha frente.
– Eu não vou passar de ano! – constatei, como se fosse uma grande novidade – Eu não vou conseguir, Diego. Isso é… muita coisa! Eu não consigo, não dá!
– Claro que você consegue! – o Diego insistiu, e pegou o meu caderno. Olhou e circulou algumas coisas – Você acertou dois de cinco exercícios. É metade, se você considerar que o começo do terceiro está…
– Dois de cinco não vão me fazer passar de ano! – exclamei, tão alto que foi quase um grito. Ele fez uma careta e coloco o caderno de volta na mesa.
E então me senti mal por ter gritado e comecei a chorar.
– Me desculpe! – quase implorei – Você e a Lana só têm me ajudado, têm feito de tudo por mim, você ta aqui comigo, perdendo o seu tempo pra tentar me ensinar, e eu to gritando com você, me desculpe!
– Esquece isso, Lolita. – ele murmurou, então bufou – Eu entendo. Você está irritada, e cansada, e decepcionada. Eu também acho que é muita coisa! Você tem que aprender a matéria de um ano todo pra uma única prova!
– Mas isso não me dá o direito de gritar com as pessoas que me ajudam, eu sinto muito mesmo!
– Isso te dá o direito de gritar quantas vezes você quiser! É melhor do que ficar guardando as coisas.
 Limpei o rosto com as costas da mão e tentei sorrir.
– Obrigada. – eu disse, a voz rouca – Por tudo. Você e a Lana têm sido muito legais comigo agora que eu estou precisando, eu realmente não sei o que eu faria sem a ajuda de vocês!
– Você iria repetir de ano! – afirmou, e então sorriu e me deu uns tapinhas no ombro. Bem o jeito dele – Mas isso não vai acontecer porque eu vou te fazer passar de ano nem que seja a última coisa que eu faça! Então acho bom você começar a me ajudar nisso!
– Eu vou, eu vou! Só preciso assoar o nariz e tomar um pouco de água.
– Vai lá, vou separar uns exercícios pra você fazer.
Me levantei e baguncei o seu cabelo arrumadinho. Ele não se importou.
– Obrigada mesmo! – repeti – E me desculpe de novo!
Fui ao banheiro, me acalmei e voltei a estudar.
Provas.
Provas.
Erros, acertos, nervosismo, ansiedade, espera.
Eu não via o Edson há mais de uma semana e não fazia nada além de estudar a pouco mais de duas semanas. Minha mãe continuava brigando comigo periodicamente todos os dias, e eu estava ficando louca.
Mas eu tinha enfiado na minha cabeça que ia passar de ano. Eu simplesmente tinha que passar!
Eu já tinha feito prova de Física, Matemática, Biologia e Geografia. Faltava só Química e terminar um trabalho idiota de Artes. Estava acabando. Graças a Deus.
O que não queria dizer que estivesse sendo mais fácil pra mim.
A Lana e o Diego não conseguiam enfiar Química na minha cabeça, minha mãe não me deixava em paz, eu não falava com o meu namorado por conta dos compromissos acadêmicos de ambos, eu não tinha mais uma melhor amiga, estava de castigo até o começo do próximo semestre e ainda não tinha o resultado de nenhuma prova que eu tinha feito até então. Como se não bastasse, faltavam dez dias pro Natal e eu ainda estava na escola, arrastando meus amigos comigo.
Não estava nada fácil.
Por isso, eu não esperava nenhuma boa notícia quando o telefone de casa tocou bem na hora do jantar. O clima entre a minha mãe e eu estava tão bom quanto tinha estado desde que ela assinou meu boletim, e nós comíamos em silêncio na cozinha. Então o telefone tocou e ela me mandou, numa ordem baixa, ir atendê-lo.
– Alô? – eu disse, sem animação, quando atendi.
– LOLITA, SUA MÃE TA EM CASA? – a voz histérica e super-animada da Giovanna berrou do outro lado da linha. Afastei um pouco o fone da orelha.
– Está, a gente tava jantando.
– ENTÃO CHAMA ELA E PÕE ESSA PORRA DESSE TELEFONE NO VIVA-VOZ!
Fui pra cozinha, ouvindo uma gritaria do outro lado da linha que estava me dando medo. Cheguei na cozinha e coloquei o telefone no viva-voz. Minha mãe me olhou com cara feia.
– É a Giovanna. – expliquei – Pode falar, ela está escutando também. – acrescentei, pro telefone.
– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! – a Giovanna gritou. Ou não só ela. Parecia que o mundo todo estava gritando dentro da minha cozinha.
– Para de gritar! – minha mãe exclamou, sem conter sua irritação pra usar somente comigo – Fala logo o que aconteceu, menina!
– O CONCURSO! EU GANHEI O CONCURSO!
– Do que você está falando? – eu e mamãe trocamos olhares. Nem me passou pela cabeça de que ela estava falando daquele concurso.
– O CONCURSO DE MODELOS, EU GANHEI, EU VOU PRA FRANÇA!
Então eu olhei, em choque, para a minha mãe.
E logo, nós duas começamos a gritar.
Foram minutos exclusivos pra comemorações e gritos e pulinhos histéricos. Eu e minha mãe até me abraçamos, como duas crianças contentes com um brinquedo novo. O berreiro no telefone continuava, e o jantar esfriava.
– EU VOU FAZER UMA FESTA PRA COMEMORAR AMANHÃ! – a Giovanna continuou, a voz trêmula, feliz, impossivelmente feliz – VOCÊS TÊM QUE VIR!
A alegria da minha mãe foi pelo ralo.
– Sinto muito, a Lolita ainda está de castigo. – afirmou.
Um soco no meu estômago feliz.
– TIA, FALA SÉRIO, É COISA DE FAMÍLIA! – ela insistiu, e logo a Sabrina interferiu na linha, também berrando.
– VOCÊS DUAS VÃO VIR AQUI E ENCHER A CARA COM A GENTE AMANHÃ, ESTÃO ME OUVINDO?
– Nada feito. – mamãe declarou, e eu bufei.
– Mãe, pelo amor de Deus! – eu exclamei – Eu vou estar com você! E você deixou bem claro que eu só saía dessa casa com você!
– TA VENDO? – a Sabrina continuou. Ela mesma parecia meio bêbada no momento – VOCÊS VÊM PRA CÁ AMANHÃ E DEPOIS VOCÊ PRENDE ELA DE NOVO. FÁCIL ASSIM.
– Obrigada, Sabrina! – rolei os olhos, e ri.
– DE NADA! UM BRINDE À MODELO MAIS GATA DO MUNDO!
E então a linha caiu.
Botei o telefone de volta na base e voltei a comer meu macarrão gelado. Minha mãe parecia bem mais feliz agora.
– Caramba, você consegue acreditar que ela ganhou? – mamãe comentou, num tom tão natural que não parecia ser dela.
– Eu acharia estranho se ela não tivesse ganhado! – respondi – Ela é linda, e leva jeito.
– É…
O assunto acabou ai.
O dia seguinte foi só comemoração.
Tentei ligar pro Edson pra pedir pra ele aparecer, mas o celular só caía na caixa postal e o telefone só dava ocupado. Me arrumei e fui com a minha mãe pra casa dos meus tios, onde a festa estava armada.
A Giovanna gritava e pulava e ria e bebia. A Sabrina estava com o Kauê conversando com o pai – apresentando-os? Fiz o favor a mim mesma de desaparecer de perto da minha mãe tão logo eu vi a Lana e o Diego no sofá da sala.
– Oi. – murmurei, e me sentei ao lado da Lana. Eles olharam pra mim e sorriram.
– E ai, Lolita? – a Lana perguntou, com aquela cara de pena que só ela sabia fazer – Se sentindo melhor agora que todas as provas acabaram?
Quasetodas. – corrigi – A de química é na segunda-feira.
– Eu acho um absurdo eles deixarem provas de recuperação pra até uma semana antes do Natal! – ela exclamou, com uma careta.
– E quando saem os resultados? – o Diego perguntou, e eu bufei.
– Na terça. – encostei a cabeça no sofá e fechei os olhos – Eu to tão cansada! Eu queria que eles, sei lá, corrigissem tudo na hora e me dissessem no que eu passei! É bem melhor do que ficar esperando pra receber todas as bombas de uma vez!
– Você fala como se só fosse receber notícias ruins! – a Lana apontou, e eu balancei a cabeça.
– Eu sei, eu sei, eu tenho que pensar positivo, certo?
– Isso ai! – os dois concordaram. Eu dei um meio sorriso.
– Valeu, gente. – me levantei – Vou dar parabéns pra Nana.
– Vai fundo!
Então eu fui. Esqueci um pouco os meus pesares mergulhando na alegria alheia.
Geografia.
Última prova de recuperação.
Eu estava comendo até os dedos quando entrei na sala pra fazer a prova. Comigo, apenas o Ricardo e o Daniel. Ficar de recuperação em Geografia era excesso de inutilidade.
Me sentei na última carteira da fileira do meio, entre os dois garotos. O professor nos deu a prova e disse que tínhamos 50 minutos pra fazer. Respirei fundo, escrevi meu nome e comecei.
1. Aglobalização da economia é um fenômeno mundial que está aí. Sobre ele, é correto afirmar que, EXCETO:
a) os blocos econômicos perdem sua importância com o avanço do capital sem pátria.
b) os oligopólios suplantam os Estados no controle das economias nacionais.
c) a mundialização do capital faz-se sob a hegemonia da economia norte-americana.
d) o grau de liberdade das economias periféricas recua frente ao capital sem fronteiras.
e) a difusão dos avanços tecnológicos contribui para a redução dos custos da produção.
A palavra “mundialização” sequer existe?
Não divague, Lolita, não divague!
Certo, todas as respostas parecem iguais. Talvez eu devesse fazer uni-duni-tê.
Eu fiquei louca? Jogar minha nota na sorte não era uma boa idéia! Eu penso nessa pergunta depois. PRÓXIMA.
2. Cite e explique duas causas da Guerra Fria.
Ok, eu podia responder essa. Respondi e passei pra próxima.
3. Marque a opção que apresenta um acontecimento relacionado com as origens da Guerra Fria.
a) Construção do Muro de Berlim (1961).
b) Intervenção militar norte-americana no Conflito do Vietnã (1962).
c) Criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN (1949).
d) Eclosão da crise dos mísseis em Cuba (1962).
e) Invasão da Baía dos Porcos (1961).
Ótimo, mais uma.
Continuei a prova, trêmula e ansiosa, apreciando cada segundo que eu tinha.
A espera de exatamente 14 horas desde a minha última prova até o resultado das recuperações era tensa.
O Edson me ligou quando eu cheguei da escola, me perguntou como eu tinha ido, e brincou dizendo que eu podia relaxar, porque eu teria o meu resultado em algumas horas, enquanto ele teria que esperar até Janeiro. Então me encheu de coisas bobas do seu dia, me contou sobre o seu próprio vestibular e me distraiu até que a minha mãe chegou e me mandou desligar o telefone.
Mas nada do que ele me dissesse poderia mudar o fato de que a notícia mais importante do ano, e que determinaria o meu próximo ano, estava a algumas horas de distância.
Custei a dormir naquela noite.
Ok, respira!
Respirar, andar, me controlar estava difícil naquela manhã. Eram pouco mais de oito da manhã quando eu cheguei na escola, vazia, exceto pelos alunos pendurados como eu. Me juntei ao Ricardo e ao Daniel, ambos parados em frente à sala dos professores, onde eles estavam reunidos decidindo quem ficava retido e quem passava de ano.
– Eles vão demorar ainda? – perguntei, baixinho, ao Daniel. Ele deu de ombros.
– Quando eu cheguei, a inspetora disse que eles estavam ai desde as 7. Então eu acho que não. – respondeu, com um sorrisinho. Eu agradeci e suspirei.
Dez minutos se passaram. Me assustei quando ouvi alguém correndo, e me virei rapidamente, dando de cara com um Henry cheio de pressa.
Ele arfou e encostou na parede ao meu lado, respirando fundo. Parecia que tinha corrido até aí.
– Eles já falaram? – quis saber.
– Não. – eu e o Daniel dissemos ao mesmo tempo. Henry assentiu e continuou recobrando o fôlego.
Mais e mais, os alunos foram chegando.
Eu não fazia idéia de que tinha tanta gente pendurada dentro do Santa Rita. Provavelmente porque eu nunca tinha ficado de recuperação final antes. Mas mesmo assim. Era muita gente!
O volume da conversa e de pessoas já estava aumentando drasticamente quando, finalmente, a porta da sala dos professores se abriu e a coordenadora saiu com um papel na mão.
O silêncio foi imediato. Então, sem nenhuma palavra de conforto ou preparação, ela começou a despejar os nomes.
Mas, pra minha infelicidade, ela foi em ordem alfabética dos SOBRENOMES.
Não escutei direito, até que ela disse:
– Calil Alves, Daniel. – ele se enrijeceu ao meu lado – Aprovado para o segundo ano do Ensino Médio pelo sucesso em recuperar suas médias.
Então ele relaxou e sorriu pra mim, aliviado.
Mais alguns nomes. Chegando mais perto da letra F.
– Fräuler Lemos, Henry. – uma pausa dramática. Henry não parecia preocupado, mas eu pude ver seus olhos verdes se estreitando – Retido no segundo ano do Ensino Médio por insuficiência de notas em Matemática, Física e Inglês.
Ela continuou com sua lista e eu me virei pra ele.
O Henry estava boquiaberto, pasmo, mais branco que o normal. E sem dizer nada.
Mas eu também não conseguia dizer nada, pois não havia nada positivo que eu pudesse dizer numa hora dessas, mesmo que eu quisesse.
Então eu apenas me calei, enquanto o Daniel batia no ombro do amigo e eles saíam dali.
Aos poucos, o pessoal foi recebendo seus veredictos e indo embora. Havia eu e mais uma meia dúzia de pessoas quando a coordenadora disse, em voz alta como se usasse um microfone (pelo menos pra mim):
– Rodrigues Paes, Carlota.
Eu devia pedir pra mudar de nome. Eu devia processar a minha mãe por manchar minha imagem com um nome tão feio.
O segundo mínimo que antecedeu a parte seguinte pareceu durar um ano. Eu prendi a respiração e fechei os olhos.
– Aprovada para o segundo ano do Ensino Médio pelo Conselho de Professores.
AH. MEU. DEUS.
Eu queria gritar e comemorar e pular, mas ao invés disso, eu apenas agradeci e saí de lá, boquiaberta.
Fui para casa imersa num transe que só o alívio é capaz de trazer. Quando cheguei, a primeira coisa que eu fiz fui pegar o telefone e ligar pra casa do Edson.
Seis toques depois, a Lana atendeu, com a voz meio sonolenta.
– Lana, eu te acordei? – perguntei, mordendo o lábio. Eu sentia que ia explodir, mas não pude evitar ser educada.
– Não, você não. – ela bufou – Meu irmão chegou faz uma meia hora e contou que repetiu de ano. Ta uma gritaria aqui em casa.
– Eu imagino. Será que você pode passar pro Edson?
– Claro, eu vou chamar. – um momento de silêncio – Espera! – ela disse, de repente – Você passou?
Então eu não pude me conter.
– PASSEI! – gritei, tão agudo e tão histérico que com certeza devo ter machucado o ouvido dela.
– AH, MEU DEUS! – ela gritou também, e riu – Cara, to muito feliz por você, sério!
– Eu nem sei como te agradecer pela ajuda, Lana! – exclamei, animada como eu não me sentia há semanas – Você e o Diego foram o máximo!
– Você pode agradecer NUNCA MAIS FAZENDO ISSO! – ela riu – Vou chamar o Edson, peraí.
Esperei na linha por alguns minutos. De longe, eu conseguia ouvir o bate-boca que estava rolando, obviamente dos pais com o Henry. Coitados. Todos eles.
– Oi, amor! – a voz cansada do meu namorado disse, me enchendo ainda mais de alegria.
– Eu passei, amor! – eu disse, me segurando pra não gritar de novo – Eu passei!
– Sério? – ele parecia aliviado – Nossa, que bom! Sério, eu estava mais nervoso que você com isso!
– Duvido! Você só pensa em USP ultimamente, nem tem espaço pra mim!
– Mentirosa! Eu penso em você até estudando!
– Eu realmente espero que não! Eu quero que você passe nesse vestibular!
– Eu vou passar!
Um segundo de silêncio. Eu respirei fundo e me joguei no sofá da sala, me sentindo tão leve, tão feliz…
– Vamos sair pra comemorar hoje? – ele sugeriu, mas eu hesitei.
– Eu não sei se o fato de eu ter passado de ano vai fazer minha mãe me tirar do meu castigo. – afirmei, incerta, e ele fez um “tsc”.
– Esquece a sua mãe! – mandou – Depois desse sufoco você merece comemorar!
– E o que você sugere?
– Vai ser uma surpresa. Eu te pego às sete.
– Outra surpresa? Você quase me matou da última vez!
– É, mas dessa vez você só vai ter que esperar algumas horas. Te vejo à noite.
– Te amo!
– Também.
E desligou.
À noite, quando minha mãe chegou, a primeira coisa que eu fiz foi descarregar, antes mesmo de ela ter trancado a porta:
– EU PASSEI DE ANO!
Ela parou o que estava fazendo e me olhou, lágrimas nos olhos.
– Eu não acredito! – começou a dizer, repetidamente – Eu não acredito, você passou!
Me abraçou, e nós pulamos e comemoramos. Finalmente, vi minha mãe sorrir pra mim.
Mas eu ainda não tinha terminado.
– O Edson vai passar pra me pegar em meia hora pra gente comemorar. – eu disse então, e ela me olhou feio.
– Você ainda está de castigo, mocinha! – afirmou – Só porque você conseguiu não quer dizer que eu vá te liberar.
– Mãe, por favor! Só pra comemorar! Não venha me dizer que eu não mereço.
Ela me deu as costas e foi pra cozinha. Eu encarei o chão, derrotada.
Então ela apareceu de novo no corredor.
– Só hoje, e quero você em casa antes das onze. – declarou – SÓBRIA.
Eu não pude segurar o riso, e corri a abraça-la de novo.
– Obrigada! – exclamei no ouvido dela. Ela me abraçou de volta e me soltou.
– Vai se trocar.
– Não precisa pedir duas vezes!
– Pra onde nós estamos indo?
– Meu Deus, você realmente não reconhece o caminho?
– Ah, na verdade, não.
– Então espera pra ver.
Estávamos dentro do Corolla, e o Edson dirigia por uma avenida larga que era familiar, mas que eu não sabia pra onde levava. Desde que nós tínhamos saído de casa, ele se recusava a dizer pra onde estava me levando.
Continuamos nosso caminho, e logo o trânsito ficou mais parado. Ele aproveitou a deixa pra me dar um lenço escuro.
– Tampe os olhos. – comandou. Eu peguei o lenço e olhei pra ele, incrédula.
– Você só pode estar de brincadeira! – resmunguei, mas tampei os olhos mesmo assim.
Tampei e esperei, impaciente.
Ouvi buzinas, e abri a janela pra tentar identificar alguma coisa pelo cheiro ou pelo som. Senti cheiro de pipoca. Torci o nariz. Que lugar era aquele?
Mais uns minutos, e ele finalmente estacionou o carro.
– Espere ai. – disse, pra mim. Concordei, a contragosto, e esperei.
Logo, ouvi a porta ao meu lado se abrir e senti a mão do Edson pegando a minha. Com cuidado, o acompanhei e o ouvi trancar o carro. Logo, ele estava me levando, e o cheiro de pipoca misturado com barulho de crianças estava mais forte do que nunca.
Seria um circo?
– Pode tirar. – ele disse, então.
E eu tirei a venda dos olhos.
Não era um circo. Tinha pipocas, criança, e muita gente, mas não era o circo.
Era a praça da Árvore de Natal do Ibirapuera.
– Eu lembrei que você disse pra mim que nunca tinha visto a Árvore ao vivo. – o Edson me contou – Isso faz alguns anos, mas eu achei que você ainda não tivesse visto.
Eu sorri e o abracei.
– É linda! – eu exclamei, ainda olhando pra Árvore e suas luzes dançantes – É linda, é mais bonita que na televisão!
– Então eu acertei na escolha?
– Claro que acertou! – suspirei – Faz anos que eu queria vir aqui e ninguém nunca me trazia!
– Agora eu te trouxe. – olhou pro lado – Quer pipoca?
– Não. Eu quero um beijo.
Ele riu e me beijou, sob as luzes que iluminam o Natal de São Paulo.
  
 Epílogo

Mais um ano se passou. Mais um ano bem vivido, cheio de coisas pra contar.
E cheio de coisas que eu prefiro não lembrar.
E por mais que no final (quase) tudo tivesse terminado bem, algumas perguntas ainda ficavam.
Como ia ficar entre eu e a Bela? Ia ficar de algum jeito diferente do que estava agora? Nós algum dia faríamos as pazes?
Como seria quando a Giovanna voltasse da França, toda modelo e glamour e fama? Ela ainda seria a mesma ou aquilo subiria à sua cabeça? Ela seria legal ou voltaria ao seu estilo bitch de viver a vida?
E, o mais importante de tudo:
O que iria acontecer no ano seguinte?
Isso tudo são perguntas que eu não podia responder.
Ainda.
Me aguardem.
Da já amiga,

Lolita.

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