Epitáfio

Aqui jaz uma avó. Uma mãe de família. Criou sete filhos, ajudou a criar mais de dez netos. Cuidou do marido. Deixou para trás muita história pra contar.

Um dos meus grandes arrependimentos – embora não seja, de fato, minha culpa – é não ter muitas lembranças do tempo em que minha avó estava boa. Depois da morte do meu avô, onze anos atrás, vovó entrou numa espiral decadente e inevitável de velhice. O tempo cobrou seu preço em consciência, lucidez e saúde. Não havia nada que ninguém pudesse fazer. Assisti por anos enquanto a vida a levava para longe.

Me lembro dos momentos de graça triste, quando suas confusões mentais se tornavam piadas. Fechar as janelas quando chovia na novela das 8, brigar com o cara do Jornal Nacional, dizer que o Gianechinni era, na verdade, seu marido. Quase tudo que me lembro dela não era real. Às vezes acho que não aproveitei minha avó como deveria, antes de se tornar impraticável. De novo, não havia nada que eu pudesse fazer. Mas numa hora dessas a gente se sente um tanto culpada.

É muito cruel se sentir aliviada pela morte de alguém? É muito ruim respirar tranquila quando alguém se vai, por que o sofrimento contínuo é pior do que o baque do momento? Quão ruim uma pessoa tem que ser pra controlar as lágrimas pensando “até que enfim”?

Vovó Clarinha. Nunca quis que você se fosse. Mas também nunca desejei que sofresse. Dos males da vida, o menor é a morte. Me despeço de você hoje admirando-a como a guerreira que foi nos últimos dez anos, e como a mulher que as memórias contadas me dizem que você era. Vá em paz, enfim livre para descansar. Um dia a gente se vê de novo.

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