O Diário (nada) Secreto 2 – Capítulo 4

Conheça O Diário (nada) Secreto II

Capítulo 1 – Amigas para sempre

Capítulo 2 – De volta pra realidade

Capítulo 3 – Perturbando a paz

Capítulo 4 – Eu Tenho Que Te Contar Uma Coisa
– Lolita, eu preciso falar com você!
Ok, nós somos amigas e tal, mas eu não esperava que a Lana ligasse justamente pra mim com tamanho desespero. Quero dizer, ela e Diego tinham brigado feio naquela semana – do tipo não-falo-mais-com-você – por causa do Antônio, e ela não tinha dito uma palavra a respeito.
E agora lá estava ela, totalmente pirada ao telefone.
– Ta tudo bem? – perguntei, com certo cinismo. Eu já sabia do que se tratava. Pelo amor de Deus, eu estava lá, lembra?
Não que ela tivesse percebido. Porque eu não acho que ela tenha percebido absolutamente nada.
– Ahn… eu não sei. – ela bufou, fazendo um barulho bizarro no telefone – Puta merda, eu acho que eu to afim do Antônio.
Pra Lana dizer algo como “puta merda”, a coisa tem que estar feia.
– Eu posso até comentar, mas acho que você vai ficar brava. – falei, tentando não rir. Graças a Deus ela não podia me ver!
– O que? Fala logo!
– Lana, eu já tinha sacado. Tipo, o Diego já sacou. O Diego, Lana. Ele é tipo uma porta.
– Você que acha. – bufou outra vez – Ta assim tão na cara?
– Você nem se dá ao trabalho de disfarçar!
– O Diego me disse isso essa semana. A gente teve uma briga horrível e ai o Antônio entrou na sala e eu meio que nem me liguei mais no que ele tava falando. Ele ficou tipo, totalmente puto da vida.
– Eu percebi que vocês não estão se falando. – era melhor do que dizer “é, eu estava bem do lado de vocês ouvindo tudo”.
Um minuto de silêncio. A Lana devia estar na cama, cercada por lições de casa interminadas, torcendo a camiseta nos dedos ou sei lá. Eu conseguia imaginar a expressão confusa na cara dela.
– E sabe, não é que eu… não goste do Diego. – hesitou – Droga, eu sei lá. Eu gosto do Diego, tipo, como eu não iria gostar? Eu to com ele há quase dois anos!
– Isso não quer dizer nada, Lana. Você não é obrigada a gostar dele só porque estão juntos há mais tempo. – afirmei, mas ela não pareceu me escutar. Continuou divagando.
– É que o Antônio, ele é… totalmente diferente. Com-ple-ta-mente diferente do Diego, sabe? – suspirou, e eu entendi exatamente o que ela estava querendo dizer. Porque com certeza ele era. Tipo, mais bonito e mais gostoso. E como!
– E o que você acha que isso é? – indaguei.
– Não sei. Acho que eu só to admirando o gramado do vizinho. – outro suspiro. Ela estava muito cheia de suspiros e bufares – Talvez nem seja nada, né? Acho que tudo aumentou de tamanho porque eu surtei.
– É uma possibilidade.
– Mas o Diego ainda está de cara feia comigo. Ele nem atende quando eu ligo, Lolita!
– Você deu mancada, Lana, é claro que ele ta de cara feia com você! Tem que dar um tempo pra ele se acalmar.
– Já fazem quatro dias e meio, Lolita!
Mas quem é que está contando?
– Você já ficou brigada com ele por mais tempo que isso! – exclamei, de brincadeira. O que era, de fato, uma enorme verdade. Eles brigavam tanto que não dava pra entender como ainda estavam juntos. E as brigas duravam semanas.
– Mas nunca por nada parecido. – bufou outra vez, então pareceu se acalmar – Acho que eu vou até a casa dele.
– É uma boa idéia. Ainda são… – olhei o relógio – Nove horas da noite, talvez ele esteja acordado.
– Tem razão. Então amanhã na escola eu falo com ele… – Lana fez uma pausa e cantarolou baixinho, me dando vontade de rir – O que eu digo pra ele?
– Ahn… a verdade? – sugeri. Ela pareceu tomar um susto.
– Ficou maluca? – quase gritou – Se eu disser pra ele que acho que to afim do Antônio ele vai me largar!
– Ah, então não sei, Lana. Eu também nunca estive numa situação dessas. Você vai ter que pensar nisso sozinha, desculpa.
Ela murmurou um “ta”, e antes que pudesse desligar, me arrisquei a perguntar:
– Seu irmão está em casa?
– Qual deles? – perguntou-me de volta, e eu revirei os olhos.
– O Edson, né, criatura! – Lana riu, e então me disse:
– Estudando, pra variar. Ele ta mais nerd que o Diego. – então sua risada foi morrendo – Por que?
– Não falo com ele há uns dias.
– Vocês brigaram?
– Não. Eu nem sei por quê. – foi a minha vez de bufar, irritada – Pergunte a ele.
Ouvi um toque suave de celular ao fundo, e o barulho de Lana mexendo nas suas coisas.
– Vou desligar, Lolita, a Marina ta me ligando no celular.
– Ok. – no fundo eu estava pensando “pra que aquela nojenta ta te ligando?”
– Obrigada! Beijinho!
– Tchau.
Desliguei o telefone já com vontade de chorar.
Acho que eu estou na TPM. Risos, raiva e choro em tipo um minuto? Fala sério.
No sábado seguinte, resolvi tomar uma atitude em relação ao Edson. Sem nem avisar nada pra ele, me troquei – depois de descartar metade do meu guarda-roupa, que aparentemente teimava em ficar apertado demais – e peguei um ônibus até a casa dele.
Toquei a campainha, e a mãe dele ficou realmente surpresa em me ver. Acho que depois de tanto tempo que eu não passava por lá, ela devia estar se perguntando se eu ainda namorava com o Edson – coisa que eu também já estava começando a me perguntar.
– Ele está na sala, estudando. – me disse.
Ah, ótimo. Maravilhoso.
Ele não estava só estudando. Ele estava na sala, rodeado de livros, papéis e… pessoas. Dois garotos que eu nunca tinha visto, um negro gordinho usando um boné do Green Peace, e um cara alto, com um moicano bizarro e um alargador gigante em casa orelha. No momento em que pus os olhos naquela cena, tive vontade de voltar pra casa.
Mas então o gordinho me viu, e o garoto com alargadores me viu, e logo o Edson também me viu. Primeiro, ele me olhou com aquela cara de “o que você ta fazendo aqui?”, e só então sorriu e se levantou pra vir me cumprimentar.
– Oi, amor! – ele me deu um beijinho quase insensível na boca e um abraço – Por que não ligou avisando que vinha?
Por que eu achava que você diria pra eu não vir, pois iria a uma festa de faculdade ou ao batizado da priminha do sétimo grau ou alguma porra do gênero? Fala sério!
– Eu quis te fazer uma surpresa. – respondi, dando de ombros. Ele não estava com cara de quem tinha gostado da surpresa, e eu estava a ponto de abrir um buraco pelo carpete da sala e me afundar nele.
– Ah… – ele olhou rapidamente pros amigos – Gente, essa é a minha namorada, Lolita.
Eles acenaram e me disseram oi sem me dar muita atenção. O gordinho estava com um sorriso estranho no rosto que me fez imaginar o que ele estava pensando.
– O esquisitão é o Tito, e o mané ali é o Hugo. – Edson apresentou. De novo, eles acenaram, então Edson virou-se pra mim de novo – A gente está estudando, amor. Por que você não sobe e fica um pouco com a Lana?
Eu vejo a Lana cinco dias por semana, seu burro! Eu não te vejo há duas semanas! Qual é o seu problema?
Mas eu disse alguma coisa? Não. Eu banquei a otária e subi as escadas até o quarto da Lana, batendo na porta antes de entrar.
Ela estava lá, no computador. Fez uma careta quando me viu, e fechou a porta. Eu cai deitada no seu colchão macio, desejando que a terra me engolisse ou algo do gênero.
– Você não devia estar, tipo assim, com o meu irmão? – ela me perguntou, com uma voz de riso abafado. Eu bufei.
– Ele me mandou subir porque eles estão estudando! – exclamei, irritada. Peguei o travesseiro da Lana e cobri meu rosto – Puta que pariu! O que eu vim fazer aqui?
– Meu irmão é um retardado! – parou por um minuto, então eu a escutei levantar – Vem. Vamos sair?
– Pra onde? – perguntei, tirando o travesseiro da cara. Ela já estava procurando uma roupa pra vestir.
– Pra qualquer lugar. Vamos fazer ele ficar louquinho atrás de você!
Menos de vinte minutos depois, Lana estava me arrastando escada abaixo. Quando passamos pela sala fazendo barulho – ou melhor, os saltos dela estavam fazendo barulho – todos olharam, e o Edson gritou:
– Aonde vocês vão?
Eu não respondi porque não sabia. Lana não respondeu por cinismo.
Ela deu sinal para um ônibus que ia em direção à Vila Mariana, e subimos. Nos sentamos, e eu enfim perguntei:
– Pra onde a gente ta indo?
– Pra lugar nenhum, boba. – me respondeu, como se fizesse muito sentido – Só te tirei de lá como se a gente fosse sair pra ele lembrar que você é namorada dele.
– Acha que isso vai funcionar?
Meu celular começou a tocar.
– Já está funcionando. – ela me disse. Fiz menção de pegar o aparelho na bolsa, mas ela segurou a minha mão – Não, deixa tocar. Deixa ele ficar preocupado.
Fiz como ela mandou. O celular tocou e tocou, até que ele desistiu. O celular dela começou a tocar, então.
– Alô? – ela atendeu, quando eu já achava que ele estava desistindo. Ele disse alguma coisa do outro lado da linha e a Lana sorriu – A gente saiu, ué.
Mais uma pausa. Ela escutou e não disse nada. Então suspirou.
– Ela não quer falar com você. Até mais tarde.
Lana desligou o celular e voltou a guardá-lo. Eu não disse um a sequer, apenas fiquei ali, sentada, vendo a rua passar pela janela afora.
Fomos até o terminal Vila Mariana e de lá cada uma pegou um ônibus de volta pra casa. Eu não sabia que sentido aquilo tinha tido, mas já sabia que não ia acabar em coisa boa.
Dito e feito. No domingo à tarde, ele apareceu na minha casa. Parecia puto.
Bom, que estivesse, pensei com raiva, assim que percebi que ele estava quieto demais. Ele estava errado, e eu estava certa. Não era eu quem estava evitando a namorada e saindo pra um monte de festas legais sem nem perguntar se ela quer ir. Não era eu quem esquecia que tinha uma namorada, droga.
– Onde vocês foram ontem? – ele quis saber. Eu dei de ombros e nem olhei pra ele.
– Dar uma voltinha de ônibus.
– Custava ter atendido o telefone?
Eu soltei uma risadinha e não respondi. O Edson me lançou um olhar bravo.
– Que foi? – perguntou. Eu me perguntei como ele podia ser tão burro.
– Você me esquece por tipo, duas semanas, e ai fica bravo comigo porque eu sai com a sua irmã e não atendi o celular? – indaguei de volta – Se toca!
– Te esqueci? Do que você ta falando?
– To falando de você ter passado duas semanas sem me ver, quase uma semana sem falar comigo, e me mandar ficar com a sua irmã quando eu resolvi ir te ver!
– Eu estava estudando, Lolita!
– Ontem você tava estudando. Semana passada, você tava no churrasco não sei aonde. Na outra, você foi jogar bola. Porra, o que vai ser na semana que vem?
Ele não respondeu. Eu estava lívida de raiva, e percebi que estava quase gritando com ele. Maravilha, eu tinha me transformado no meu pior pesadelo: a namorada histérica.
– Quando você estiver na faculdade você vai entender, Lolita. – Edson declarou calmamente, com um ar de “sou mais velho” que me fazia sentir vontade de rir.
– Quando eu estiver na faculdade eu acho que vou achar tempo pra ser aluna e namorada. – afirmei, veementemente. Ele não pareceu gostar muito.
Edson foi embora uma hora depois, ainda de cara feia. Pois que ficasse. Que se afogasse na raiva dele. Não ia me tirar a razão.
Merda.
Na segunda-feira que se sucedeu à essa briga maravilhosa, eu e o Edson ainda não tínhamos nos falado e o meu mau humor ainda não tinha passado. Era a nossa primeira briga desde que havíamos começado a namorar. Seria a temível crise dos sete meses?
Espera aí. Há quanto tempo nós estávamos juntos mesmo?
Eu estava fazendo contas e tentando me lembrar em que momento especificamente nós havíamos começado a namorar – minha memória é um lixo! – quando o sorriso na cara do nosso professor de história não nos deixou nenhuma dúvida:
Nós estávamos ferrados.
– Vocês irão se dividir em trios. – ele anunciou, colocando um primeiro tópico sob as palavras TRABALHO BIMESTRAL e escrevendo TRIOS no mesmo. Imediatamente, a Sabrina olhou pra mim em tom de súplica e eu fiz que sim com a cabeça. Ela se virou e cochichou algo com a irmã.
A Marina estava olhando pra mim, mas eu a ignorei. Se ela fizesse trabalho comigo, eu a faria fazer tudo sozinha. Em seguida, antes de o professor tornar a falar, perguntou a Lana se podia se juntar a ela.
– Quero um trabalho manuscrito… – ele fez outro tópico e escreveu À MÃO – Com no mínimo oito páginas… – e transcreveu isso na lousa – Sobre os impactos da Guerra Fria no mundo de hoje.
Guerra Fria? Até ontem nós estávamos revendo a droga da Colonização!
Então me lembrei que o nosso professor de história era totalmente pirado e não seguia ordem cronológica ou qualquer ordem lógica por assim dizer. Ele só ensinava o que ele achava que devia ensinar naquela hora.
– Quero uma parte do trabalho tratando especificamente sobre a Guerra fria, e a outra parte tratando dos seus impactos no mundo. – continuou – Tudo em letra legível e de preferência com nomes. Tudo isso para… alguém tem um calendário?
Ele pegou um com alguém e checou a data.
– Para o dia 13 de abril. – declarou – Sem atrasos. Nada antes nem depois.
Legal.
O sinal tocou pouco depois. O trabalho foi esquecido tão logo a professora seguinte apagou o que estava na lousa.
Mas é claro que nós adoramos deixar tudo pra última hora.
Faltavam menos de dez dias pra entrega do trabalho e nós basicamente não tínhamos nada pronto. A Sabrina estava mais preocupada em brigar com aquele namorado dela pelo telefone que qualquer outra coisa. A Giovanna vivia no mundo da lua, sumindo vez ou outra pra dar telefonemas secretos.
E eu ainda estava ocupada demais tentando recuperar uma parte do meu namoro.
As coisas iam de mal a pior. Eu estava naquela situação em que se arranja qualquer desculpa pra ficar longe, sabe?
E a minha desculpa naquele final de semana foi a mesma que a dele: escola.
Então lá estávamos nós, Sabrina, Giovanna e eu, sentadas no chão do quarto da Nana pesquisando sobre a Guerra Fria. Ficou determinado que a Giovanna faria a pesquisa resumida sobre a Guerra Fria, eu bolaria alguma coisa sobre os seus impactos e a Sabrina escreveria tudo simplesmente porque a letra dela era mais fácil de entender do que a nossa.
Trabalhamos duro por umas duas horas, e conforme o trabalho foi andando, fomos perdendo o ritmo. No meio da tarde, já estávamos fazendo pausas de meia em meia hora pra comer, beber refrigerante, falar da vida alheia ou simplesmente ficarmos deitadas no chão sem fazer absolutamente nada.
– Vou tomar um banho. – a Sabrina decidiu, então, se levantando e colocando tudo o que já tinha escrito com cuidado sobre a cama da irmã.
– Vai rápido, pra gente terminar essa porcaria logo! – a Giovanna mandou, e ela murmurou um “ta” impaciente.
A Sabrina saiu e bateu a porta, e logo eu percebi aquela expressão avoada e tensa se exibir no rosto da minha prima de novo. Ela torcia os lábios como se estivesse muito preocupada com alguma coisa.
Então me lembrei que ela tinha dito que tinha muita coisa pra me contar, mas ela não havia me dito nada. Ainda. Fazia tipo meses que ela tinha voltado e eu não fazia a menor idéia do que tinha acontecido na França!
– Ta pensando em quê? – perguntei. Ela me olhou como se de repente tivesse se lembrado de que eu estava ali.
– Ah, meu Deus! – a Giovanna levou uma mão ao rosto de uma maneira perplexa que me fazia lembrar muito da minha tia – Eu não te contei, né?
– Não. – respondi, com um risinho. Ela riu também, e foi até o computador.
Enquanto ela fuçava em alguma coisa, eu me sentei ao pé da sua cama, perto o bastante pra conseguir enxergar a tela. Ela começou a passar em forma de slides as fotos da França.
– Paris é um lugar maravilhoso! – exclamou – Acho que se eu pudesse viveria ali pra sempre. Tudo é bonito. As pessoas são bonitas.
Fotos dela na Torre Eiffel e na porta do Museu do Louvre passaram na tela, tal como de algumas festas e até ensaios fotográficos que ela fez para revistas francesas.
– Essas são algumas das modelos que eu conheci por lá. – ela foi nomeando cada uma conforme as fotos. Nomes que eu nunca ouvira, exceto por um ou outro, acompanhados de fotos de garotas realmente magras e mais altas que ela (o que não devia ser muito difícil nesse mundo, considerando-se que a Giovanna tinha mais ou menos 1,73m).
Ela foi contando coisas legais de festas e de gente que conheceu, de micos que pagou por não saber falar francês – “Imagina a minha cara quando uma modelo foi explicar que estava com torcicolo e disse que estava com dor no cu! Como eu ia imaginar que isso é pescoço em francês?” – e dos lugares que ela visitou, além, é claro, das sessões de fotos e essa coisa toda de trabalho.
Então parou os slides numa foto muito bonita e especialmente romântica. Era ela, Giovanna, com os cabelos já cortados e em seu tom mega-loiro, de costas para uma paisagem maravilhosa. Ela não estava sorrindo para a foto, e sim para quem estava com ela. Era um rapaz de uns vinte e tantos anos, com um cavanhaque bonitinho e um sorriso meigo, cabelos castanhos e olhos brilhantes, super bem vestido. Os dois estavam de braços dados.
– Quem é esse? – perguntei, com um meio sorriso. A Giovanna sorria feito boba e passava os dedos pela imagem na tela.
– Esse… – suspirou – Esse é o Pierre.
– Ah, quer dizer que você arranjou um gatinho francês enquanto trabalhava? – brinquei. Ela riu, mas os olhos brilhavam.
– É um pouco mais complicado que isso. – a Giovanna suspirou de novo, e ficou séria – O Pierre é meu namorado. De verdade.
– Tipo, mesmo há um oceano de distância?
– Ele vai vir me ver em Junho.
– Isso é ótimo!
Pela cara dela, não parecia totalmente ótimo. Ela pareceu preocupada de novo quando mencionou o encontro.
– O que foi? – perguntei – Você não quer que ele venha?
– Claro que eu quero! – exclamou, rindo da minha pergunta – Meu Deus, eu morro de saudades dele! O problema é que as coisas vão se complicar quando ele vier.
– Por que? – estranhei. Ela bufou.
– Porque a gente abafou o nosso namoro até agora. – vendo a minha cara de completa desentendida, ela explicou melhor – O Pierre é um fotógrafo e produtor famoso na França e no mundo. Ele tem vinte e quatro anos e até janeiro do ano que vem eu sou menor de idade. E como se nada disso bastasse, ele ainda era meu agente quando eu estava lá.
– Que droga!
– A mídia vai cair matando quando souber disso tudo! – era tão bizarro ouvi-la falar assim, como se o mundo comentar a vida dela fosse tão natural quanto o fato de estarmos fazendo um trabalho de história – E se você quer saber, nem é com isso que eu estou mais preocupada!
– E com o que é, então?
– Eu vou apresentá-lo pros meus pais.
– Ah…
Tai algo com o que se preocupar. Dava até pra imaginar a cena. Meus tios num sofá, Giovanna e Pierre no outro, um interrogatório bilíngüe e provavelmente a Sabrina de escanteio, rindo disso tudo.
Não ia rolar.
– Boa sorte com isso. – desejei.
Logo, a Sabrina estava de volta e nós retomamos o trabalho.
Mas uma coisa não me saía da cabeça.
A Giovanna realmente tem muita sorte.
E muito bom gosto pra homens.
Março continuou correndo, e tudo estava numa boa.
Se, por “numa boa”, você considerar que o meu namoro estava afundando em monólogos e algumas horas de contato por semana, que a minha prima estava namorando um cara bem mais velho que ela, que a minha outra prima estava tendo ataques epiléticos com o namorado no telefone todo santo dia, e que o meu pai não depositava a porcaria da pensão alimentícia há dois meses.
A última parte era a que mais me dava vontade de gritar. Quero dizer, ele nem é um pai, certo? Acho que não o via há uns quatro anos ou mais. A única coisa que ele fazia de útil era pagar a pensão alimentícia miserável que ele nos pagava, e se nem pra isso ele servia…
Sério, ter pais separados às vezes só dá prejuízo!
As coisas em casa estavam na verdadeira pindaíba em plena semana de provas na escola. Eu estava tentando estudar, pra ver se não deixava todas as minhas notas pra última hora como no ano passado, e minha mãe chegava berrando que meu pai não tinha depositado de novo, que o salário dela não dava, que a escola era cara, que ela ia mandar cortar a TV a cabo…
Então eu disse “mamãe, fala mais baixo que eu to tentando estudar”, e sabem o que ela me respondeu?
Nada. Mas, oh, não, “nada” não corresponde a “silêncio” dentro daquele apartamento. “Nada” quer dizer “continuar gritando sobre qualquer coisa que ela esteja gritando”.
Então eu peguei as minhas coisas, juntei tudo na minha mochila e anunciei que ia jantar na casa da minha tia.
Cheguei lá uns dez minutos antes da janta. Ela ficou surpresa, mas não falou nada. Jantei com meus tios e a Giovanna – a Sabrina não estava em casa – e perguntei se podia ficar e estudar antes de voltar pra casa. Subi pro quarto da Nana e, juntas, eu estudei e ela suspirou enquanto trocava mensagens em inglês com o Pierre.
Até que, de repente…
– Oi.
Levei um susto e até gritei quando a Sabrina entrou no quarto, abrindo a porta com tudo e dizendo seu “oi” de forma tão desanimada que parecia ter sido atropelada por um carro ou sei lá. Ela ficou parada na porta por uns dois minutos, até entrar e se sentar entre mim e a Giovanna.
– Terminei tudo com o Kauê. – declarou. Eu e a Giovanna trocamos olhares não tão surpresos assim.
– Até que enfim! Vocês brigavam o tempo todo! – minha prima disse por nós duas. Eu reprimi o riso, e a Sabrina suspirou.
– Ele… ele é… – ela parecia não conseguir achar a palavra certa – Ele é um idiota. Um idiota total! Ele não é mais idiota por falta de espaço!
– Acho que ele é bem idiota… – murmurei, por falta de comentário melhor. Não estava no meu melhor humor.
Desisti de estudar quando percebi que ela precisava contar o que aconteceu – e que, conhecendo bem a peça, ela contaria de qualquer jeito. Então, pensei, por que não escutar?
– O que ele fez? – perguntei. Ela riu e deu um tapa de raiva no chão, deixando a palma da mão vermelha. Se doeu, ela não demonstrou.
– Ele se acha, Lolita, esse que é o problema! – exclamou a Sabrina, raivosa – No começo era todo cheio de “você é linda” e “você tem muito talento”, mas bastou eu me intrometer naquela bandinha ridícula que ele tem pra ele ficar todo nervosinho! Sabe o que ele me disse semana passada?
– O quê? – uma Giovanna desinteressada perguntou. Ela estava ocupada demais trocando mensagens e sorrindo pra elas.
– Ele disse que eu não entendia nada de música e que eu não podia dar palpites nas letras da banda dele quando eu nem sabia escrever direito! – ela riu um riso histérico – Ele se acha melhor do que eu, e aqueles ogros da banda dele só gritam e fazem barulho! E sabe o que ele disse pra mim hoje?
– Nem imagino. – a Giovanna murmurou. Os olhos da sua irmã pareciam pegar fogo de tanta raiva.
– Ele disse que eu sou criança demais pra ele! Que ele precisa de alguém mais madura, que entenda os pensamentos de gente grande! OLHA ISSO!
– Que filho da mãe! – exclamei, realmente achando isso. Tipo, o cara tinha o quê, dois anos a mais que ela? Só pelas palavras escolhidas dá pra imaginar que tipo de homem maduro ele devia ser.
– Ele só queria transar comigo, aquele filho da puta! Tomara que ele comece a namorar com uma santinha do pau oco! AH, QUE ÓDIO!
– Bom, pelo menos você não transou com ele.
Ela não respondeu. Preferi não considerar aquele silêncio como nada.
– Sabe o que me dá mais raiva? – perguntou-me, e respondeu antes que eu pudesse dizer alguma coisa – É que eu deixei de ficar com um monte de gatinhos por causa daquele idiota! Eu devia ter metido todos os chifres possíveis na cabeça dele, pra poder virar pra ele hoje e dizer E AINDA POR CIMA VOCÊ É CORNO!
Então ela parou de gritar e respirou fundo. Ficamos uns bons minutos em silêncio, em que eu não ousei nem respirar alto demais. Tipo, a menina estava alterada!
– Ta mais calma? – a Giovanna perguntou, com a mesma expressão desinteressada na cara, agora folheando uma revista de moda. Parecia não ter percebido nada.
– To. – a Sabrina respondeu, então se levantou – Vou tomar um banho.
E saiu.
Encarei aquela cena monstruosamente irritadiça como deixa pra voltar pra casa. Liguei pra minha mãe e pedi que ela fosse me buscar.
– A Suellen já te ligou cinco vezes. – minha mãe avisou, quando entrei no carro – Ela disse que se você não ligar pra ela, ela vai se matar.
– Drama Queen. – resmunguei, e peguei o celular. Sem bateria. Devia ser por isso que ela não conseguiu falar comigo.
Cheguei em casa tarde, e concluí que não era hora de ligar pra ninguém. Fui dormir e pensei que, qualquer que fosse a urgência dela, poderia esperar.
Mas as marcas gigantes no rosto dela no dia seguinte me disseram que talvez, só talvez, eu estivesse errada.
– Eu te liguei que nem uma retardada ontem! – ela choramingou, quando se sentou ao meu lado no ônibus.
Meu queixo caiu. Alguém tinha batido na cara dela, mas batido com realmente muita, muita força. Tinha a marca certinha da mão, e um canto da bochecha parecia até meio roxo.
– O que fizeram com você? – perguntei. Ela tocou suavemente as marcas, com as pontas das unhas bem feitas.
– Aquela vagabunda safada da Bela! – o ódio queimava os seus olhos – Ela descobriu que eu estava saindo com o Daniel e graças a ela, meu pai pegou a gente! Ele literalmente me arrastou pra casa! – ergueu a manga da camiseta e vi que ali também estava vermelho – E depois me deu um tapa na cara e me disse que eu sou uma sem-vergonha, saindo com o meu próprio primo e não sei mais o quê!
– Uau! – foi tudo o que eu consegui dizer. As lágrimas rolavam pelo rosto dela.
– Eu estou totalmente proibida de sair de casa, meu pai vai conversar com os meus tios sobre isso e vai dar uma bronca, senão uma surra, no Daniel e… – a Suellen riu de deboche – Aquela víbora que tem o mesmo rosto que eu ficou bem na fita. Ou quase.
– Quase?
– Você vai ver.
Não entendi, mas esperei pra ver. Só quando chegamos no colégio e vi Bela, que não vinha mais de ônibus, sentada na frente da escola, eu entendi do que a Suellen estava falando.
– O que você fez? – perguntei, horrorizada e meio divertida ao mesmo tempo. A Suellen riu.
– Dei uma melhorada na cara dela. – me disse.
Todo mundo que passava, olhava pra Bela. Seu rosto estava arranhado em ambas as bochechas, com jeito de que sangrara muito e estava coagulando. Os olhos cheios de raiva comeram a irmã gêmea viva enquanto nós passávamos e eu não resisti a dar uma boa risada da cara dela.

Porque, não é por nada não, mas ela bem que estava merecendo.

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