Ofício

“Trabalho não é só o que você gosta”.

Meu pai me disse isso pela primeira vez quando eu tinha uns quinze anos e estava na minha primeira crise de identidade profissional. Acho que todo mundo passa por elas nessa época de pré-vestibular, e no meu caso, não foi diferente. Mas a bem da verdade, eu sabia exatamente o que queria — soube desde a primeira vez que escrevi um livro completo — só não sabia como chegar lá.

Eu não conseguia entender naquela época o conceito complexo de se tornar adulto. A vida toda, vendem pra gente a ideia de que você escolhe uma faculdade, cursa, arranja um estágio, um emprego e a vida está resolvida. Vendem pra gente a ideia de estudo, esforço e mérito, e ignoram a quantidade absurda de variáveis que tem no meio do caminho. Uma delas, no meu caso, era querer trabalhar com uma coisa pra qual não se tem curso na faculdade, não se tem estágio. Como se forma um escritor? Escritor morre de fome. Não é profissão, é hobby.

Lutei por muito tempo contra a maré de pessoas querendo me fazer desistir do meu sonho. Aliás, desistir não; conciliar. É a palavra bonita que todo mundo usa quando diz que você precisa deixar aquilo de lado pra focar em trabalhos palpáveis, que tenham décimo terceiro, férias, um salário decente caindo na conta todo mês. Quando a vida adulta me atingiu em cheio, logo depois da faculdade, onde eu tinha conseguido zero estágios e zero empregos, eu voltei praquela máxima que meu pai tinha me ensinado. “Trabalhar não é só o que você gosta”.

Passei a concordar com o meu velho, mas descobri algumas ressalvas também. Dizer que trabalhar não é só fazer o que você gosta não implica automaticamente que você tem que se sujeitar a situações e ocupações que fazem da sua vida um inferno só pra manter um emprego. Significa que, às vezes, pra conseguir pagar uns boletos, você precisa trabalhar atrás do balcão, limpar umas mesas, fazer trabalhos que não tem glamour nenhum, e tá tudo bem. Não quer dizer que você precisa se conformar a uma vida inteira de empregos meia-boca, mas que você talvez passe por eles pra chegar em algo melhor. Não significa que você precise passar o resto da vida chamando a sua profissão verdadeira de hobby, mas que, enquanto ela não te pagar bem o bastante, você vai ter um plano B. Planos bês são bons. Não é o fim do mundo — pode ser só o meio do caminho.

Ainda estou aprendendo a ser adulta. Na maior parte do tempo, é uma das coisas que eu mais detesto. Meu plano B é, ultimamente, uma das coisas que mais me exaurem, mas isso é assunto pra um outro texto. Por enquanto, vou levando, pagando as contas no fim do mês. Com mais um tempinho, muito esforço, e ajuda de pessoas lindas como vocês, em breve, eu espero, quem sabe eu viva só do plano A, e aí possa dizer que trabalho, pelo menos pra mim, é só exatamente aquilo que eu amo fazer.

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