A terra, a neve e o coração

Eu ainda me lembro do cheiro da terra quando saí do avião. Não deveria cheirar a terra, e se cheirasse, não deveria ser tão diferente, mas era. Tinha acabado de chover, o sol abrindo bem a tempo de o avião pousar.

Ainda me lembro de olhar tudo pela janela. Tinha aquela sensação engraçada de que tinha dormido num país e acordado em outro, mas eu não tinha dormido, tinha? Estava acordada há mais de vinte e quatro horas, perambulando pra cá e pra lá no quarto, no corredor apertado entre as poltronas, no aeroporto.Não era um sonho, mas talvez isso fosse pior. Era realidade; a minha realidade.

Também me lembro de entrar em casa pela primeira vez, de tropeçar nos degraus logo depois da porta. Lembro de abrir a porta do quarto e achar que ele cheirava a mofo, e sair achando que ele cheirava ao meu perfume. Ainda hoje, o cheiro do perfume me dá vontade de chorar. Tem dias que eu durmo e quando acordo, não sei onde estou, exatamente como naquela primeira noite. Às vezes eu espero acordar pro meu quarto do outro lado do mundo, da mesma forma como, lá, eu esperava acordar aqui.

Lembro dos amigos, dos sorrisos, dos abraços de chegada e de despedida. Lembro dos idiomas, da neve, do gosto fraco do café. Mais do que tudo, lembro da saudade — lá, daqui, e daqui de lá. O coração de quem volta está perdido e partido para sempre. Nunca mais vou estar em casa.  Por menos que eu queira, talvez eu passe o resto da vida tentando me adaptar.

Mas se tem uma coisa que eu me lembro muito bem é como, no fim, se adaptar é fácil. Difícil mesmo é estar sempre fora de sintonia, estando aqui, mas com o coração em outro lugar.

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