Conto: Luiza (parte VIII)

Antes, leia também:
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Parte VII

Só andamos a princípio. A volta era uma subida desgraçada, e mal dava pra respirar até passar o pior trecho. Quando esse trecho passou, eu parei pra respirar, e a Luiza riu da minha cara, mas sem fazer nenhum comentário. Depois que eu consegui recuperar o fôlego, recomeçamos a andar.
– E ai, gostou? – perguntei, por fim. Ela primeiro me olhou, como se estivesse tentando entender a pergunta, então sorriu e balançou a cabeça.
– Foi legal. – ela disse, e, pra minha surpresa – Você tem uma voz bonita.
Acho que eu fiquei vermelho. Não tenho certeza. Se fiquei, declaro aqui e agora que é a pior sensação de todo o mundo.
– Obrigado. – respondi, meio bobo com o elogio. Devia ser a primeira vez que ela me elogiava em alguma coisa. Que ela expressava alguma coisa em relação a mim.
Além do beijo.
Ah, o beijo. Cara, eu cortaria meus dois braços fora por uma chance de repetir aquele beijo.
– Desenhou bastante? – perguntei, fingindo desinteresse. De canto de olho, vi sua expressão mudar por uma fração de segundo, mas não consegui decifrar o que era.
– Um pouco. Vou precisar de várias sessões pra desenhar a banda toda.
Não sei, de verdade, como eu consegui manter a minha voz completamente indiferente.
– Pode voltar quando quiser. A gente ensaia toda semana.
– Se eu não for atrapalhar…
– Não, não…
– Eu queria muito desenhar tudo…
– Não tem problema. Mesmo.
Ela sorriu, e a essa altura, já estava rosada. Eu também. Meu coração parecia um tambor do inferno, e eu suspeitava que ela conseguia ouvir, de tão alto que batia. Pelo menos eu tinha a desculpa da caminhada pra me encobrir.
– Você se importa se passarmos na minha casa antes? – perguntei, então. Ela fez uma careta.
– Antes do quê? – perguntou de volta.
– De eu te levar em casa. – respondi, naturalmente. E não estava bancando o mocinho, nem dando uma de cavalheiro. Era apenas a coisa natural a se fazer, a coisa certa. Eu podia apostar que ela nem sabia como voltar pra casa a partir dali.
– Não precisa me levar pra casa, Diogo. Eu posso voltar sozinha.
– Mas eu vou voltar com você.
– Pra quê?
– Porque você não sabe ir embora daqui. – e porque eu preciso ter certeza de que você chegou bem. Mas não disse essa última parte em voz alta.
– Eu me viro.
– E se você se perder?
– Não vou me perder. Eu te ligo quando chegar em casa, ok?
– Você não tem o meu telefone.
– É só você me passar.
Já tínhamos parado no meio da calçada pra ter aquela pequena discussão. Bufei, e ela sacou o celular, pronta pra anotar meu número. Passei pra ela.
– Fala o seu.
– O meu o quê? – ela se fez de desentendida. Eu não gostava de admitir, mas adorava aquilo.
– O seu telefone.
– Pra quê?
– Pra eu clonar. E pra eu te ligar caso você não chegue em quarenta minutos.
Ela, enfim, me passou seu número, que eu gravei como se gravasse a senha de um cofre muito cheio.
– Tudo bem. Vamos lá.
E comecei a descer uma outra rua. A Luiza correu pra me alcançar.
– Onde você ta indo? A sua casa não é pra lá? – ela perguntou.
– Vou te levar no ponto de ônibus.
– Não precisa.
– Você nem sabe onde fica! Deixa eu fazer alguma coisa por você, por favor?
Fim de discussão. Ela ficou quieta o caminho inteiro – ou seja, as duas ruas – até o ponto de ônibus, e não disse nada no tempo que ficamos ali esperando o ônibus certo passar.
Mas, quando o ônibus chegou e eu dei sinal pra que ele parasse, antes que eu pudesse fazer qualquer outro movimento, formar qualquer palavra, dizer qualquer coisa, aconteceu de novo. Ela pôs uma mão por trás do meu pescoço, me puxou pra ela, e me beijou. Outra vez, foi tão rápido que mal deu pra sentir, tão simples que muita gente nem chamaria aquilo de beijo. Mas pra mim, era como se ela tivesse pegado uma panela e acertado a minha cabeça. Observei, sem ação, enquanto ela me soltava e corria pro ônibus, que partiu logo em seguida, levando a Luiza pra longe de mim outra vez. Então cambaleei de volta pra casa.
Eu era o cara mais otário que eu conhecia. Mas um otário de muita, muita sorte.

O que eu mais queria fazer quando cheguei em casa era ligar pra ela e perguntar porque ela tinha feito aquilo. Ou porque parecia que ela estava brincando com a minha cara, já que num dia me beijava, e no outro me tratava como se nada tivesse acontecido. Ficava me perguntando se a Luiza ainda não tinha percebido o que aquilo estava fazendo comigo, o quanto estava me matando. O quanto eu queria que ela fizesse de novo e de novo.
Mas não liguei pra ela quando cheguei em casa. A primeira coisa que eu fiz foi sentar no chão e puxar o caderno velho e todo detonado onde eu vinha rabiscando aquelas estrofes. Eu não estava com concentração suficiente pra escrever a letra, mas a música já estava ali, prontinha. Então puxei meu violão e comecei a tocar.

[continua]

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