Conto: Meu Passado me Condena (parte IV)

Antes, leia:

Parte I
Parte II
Parte III

Como sempre acontecia quando era sobre mim, eu estava certa.
Dois minutos depois de termos entrado no Yacht Clube, eu já queria sair. Isso porque havia uma banda tocando músicas no estilo micareta, um bar servindo drinques e cerveja, e milhares de pessoas pulando, dançando, beijando na boca e se embebedando.
Exatamente como nos meus anos nada dourados.
De início, eu não consegui avistar ninguém que eu conhecia. Então respirei aliviada e circulei um pouco, de mãos dadas com o Victor. Pelo menos três garotas tentaram chegar nele, afastadas apenas pelo meu olhar de cão de guarda furioso e alerta.
Mas minha cabeça ainda gritava coisas do tipo “isso vai dar problema!” e “o que diabos você veio fazer nessa cidade, pra começo de conversa?”. Eu me sentia pior a cada passo que eu dava. Estava com vontade de me atirar pela janela e sair correndo pra rodoviária, pegar o primeiro ônibus de volta pra segurança da minha república, onde ninguém jamais saberia de nada.
Mas assim que eu olhei pro lado, distraída por alguma coisa que eu pensei que o Victor tinha tido, percebi que eu nunca mais poderia tentar enterrar aquela Karine de novo. Percebi que a nova Karine seria incapaz de encobrir um passado vergonhoso de quem ela amava, porque a verdade estava bem ali.
Trombando comigo.
– Ah, descul…
Oh, não. Oh, Deus, por favor, não!
– Eu te conheço?
A voz era a mesma. O braço enorme com uma tatuagem gigantesca de uma cruz virada de cabeça pra baixo era a mesma. O cabelo meio loiro, meio ruivo, e o corpo troncudo, tudo era igual.
– Eu acho que não. – menti, com um sorriso amarelo. Então me apressei pra dar o fora dali, arrastando Victor comigo, mas mal tinha dado três passos antes que o rapaz trovejasse, acima da música:
– Karine! Karine Medeiros!
Porcaria!
Pense rápido numa mentira. Pense, pense!
– Sou eu, Wellington! – ele disse, e eu tive que virar de costas, torcendo pra não parecer à beira das lágrimas. Porque eu estava – Bom, na escola todo mundo me chamava de Húngaro. É você, não é?
Se eu estivesse sozinha, eu diria alguma coisa do tipo “não, meu nome é Bernarda e eu vim do planeta Zorb”, antes de sair dali o mais rápido que eu pudesse.
Mas essa era a velha Karine. A nova Karine era calma, centrada e sincera. E, mais importante, a nova Karine estava acompanhada do Victor, que acreditava que ela era completamente calma, centrada e sincera, sem nada a esconder.
Por isso eu dei um suspiro que soou levemente derrotado (eu espero que não muito derrotado) e falei:
– É, sou eu. – fiz uma pausa, pensando em algo pra dizer que não soasse desesperado nem clichê – Nossa, quanto tempo!
– Você sumiu! – Wellington exclamou, e eu olhei pra Victor, que parecia completamente confortável com a situação – Eu achei que você, de todas as pessoas, seria aquela de quem eu sempre teria notícias.
– Ah, é? – eu me atrevi a indagar naquele tom de “por quê?”, e me arrependi logo depois.
– Ah, você sabe, todo mundo sempre falava de você. Se tivessem papparazzis em Araçatuba, eles iriam atrás de você.
Obrigada. Muito obrigada mesmo.
– Cidade pequena é assim mesmo. – disfarcei. Victor não pareceu ter pego nada demais, mas ele era muito quieto. Eu não saberia dizer.
E enquanto eu pensava num jeito de escapar, de simplesmente dar uma desculpa perfeita e cair fora dali, Wellington pareceu perceber a presença ao meu lado e estendeu a mão.
– Ah, desculpa. Eu sou o Wellington. E você é…?
– Victor. – meu namorado respondeu, sempre simpático, aceitando o aperto de mão – Namorado da Karine.
– Namorado? – ele pareceu tão surpreso quanto Anita parecera naquela manhã. Aquilo sim o incomodou – Há quanto tempo? Duas semanas?
– Um ano e meio. – eu respondi, meio amarga, lançando um olhar bem voraz pra ver se ele captava a mensagem de “eu vou matar você” que eu estava tentando transmitir.
– Um ano, cinco meses e duas semanas, na verdade. – Victor respondeu, com um tom já não tão amistoso. Eu sorri pra ele e dei um apertão na sua mão.
– Isso é um recorde! – Wellington brincou, embora eu bem soubesse que ele tinha todos os fundos de verdade – Não sente falta dos velhos tempos?
– Eles são só isso. – afirmei – Velhos.
– Então ta. – ele consultou o relógio – Agora eu tenho que ir.
Só que, pra minha surpresa, após mais um aperto de mão com Victor, ele me abraçou. E, no meu ouvido, ele disse:
– Se quiser lembrar dos velhos tempos, eu ainda moro na mesma casa.
Não. Eu acho que não!
Ele então me soltou e foi embora. Eu fiquei ali, como uma estátua, pasma e sem saber o que fazer. Ao meu lado, Victor olhava com uma cara desconfiada pra direção onde ele desaparecia entre as pessoas. A música alta e os seus olhos por trás das lentes dos óculos foram o que me levaram a piscar e voltar a mim.
– Eu e você… – ele me avisou – Vamos ter uma conversa séria.
Essa não!

[continua…]

2 thoughts on “Conto: Meu Passado me Condena (parte IV)

  1. Nooooooooossaaaaaaaa!!! Cadê a cv séria?? Não acredito que vou ter que esperar até sexta… hahaha
    O Victor é perfeito, se o passado da Karine afetar o namoro dos dois, eu morro!!! hahahaha
    Passado é passado, e agora ela mudou. Tanto é que está com ele a 1 ano e meio… (raridade) haha
    Estou adorando!!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *