Conto: Meu Passado me Condena (parte V)

Antes, leia:

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV

Eu não estava ferrada. Nada disso. Quero dizer, era uma situação completamente explicável, certo? Eu só tinha que sentar com o Victor e contar as coisas bobas do meu passado, tirar a dúvida de cima dele.
O problema é que eu teria que inventar coisas bobas, porque não tinha nada de bobo no meu passado com o Wellington.
Então o que eu ia fazer? Nós estávamos voltando pra casa em silêncio mortal, quebrado apenas pelos poucos barulhos da cidade. Eu estava com o coração na mão e o Victor não parecia nada feliz.
Oh, meu Deus, como eu tinha sido estúpida de tê-lo trazido até ali! Como eu tinha sido burra em acreditar que três anos eram suficientes!
Pra piorar, às oito da noite de uma noite de carnaval, tinha gente na rua. E não qualquer tipo de gente. Mas sim aquele tipo de gente que senta na varanda com os vizinhos pra apontar pros outros e falar da vida alheia.
E eu vi muito bem apontarem pra mim. E as caras chocadas. E os cochichos.
– E eu achando que nunca ia voltar! – ouvi uma senhora comentando. Tentei me lembrar do nome dela, mas não tinha conseguido – Vergonha da família!
– Não lembra do que a dona Lourdes disse? – a outra senhora acrescentou – Que ela fugiu?
– Mas fugiu de quê?
Apressei o passo e puxei Victor comigo. Não apenas porque aquilo estava me deixando furiosa, mas porque eu tinha medo do que ele poderia escutar.
Dona Lourdes. Maldita Dona Lourdes. Ela e sua filha fofoqueira quase tinham acabado comigo no meu último ano em Araçatuba. Perto da formatura, aquelas desgraçadas estavam por aí falando da minha vida. Falando do que não deviam.
Aquelas cadelas! Não era a toa que eu tinha…
Não. Nada disso. Velha Karine falando. Ela não existe mais. Eu sou outra agora. Respira.
– Elas estavam falando de você. – Victor afirmou, quando dobramos a esquina.
Porcaria!
– Não estavam não! – exclamei. Não convencia nem a mim.
– Só tinha a gente passando na rua, Karine! – ele insistiu, e eu bufei.
– Elas são velhas fofoqueiras, falam de todo mundo. E geralmente inventam coisas.
– Você está muito estranha desde que a gente chegou! – ele segurou meu braço e me parou – O que você está escondendo de mim?
– Eu não estou escondendo nada! – exclamei, quase suplicando pra que ele acreditasse – Eu nunca escondi nada de você!
Tsc-tsc, resposta errada.
– Ah, não? Tem certeza?
Droga, Victor, não faz isso comigo!
Mas quando eu abri a boca, o que saiu foi um trovão.
Não de mim. Do céu.
E no segundo seguinte, estava chovendo. Pingos grossos, que caiam como bombas.
Eu olhei pra cima, feito uma boba, enquanto mais pingos caíam e mais trovões soavam.
E logo estava chovendo muito. Uma verdadeira tempestade. Olhei pro Victor, que parecia um cachorro molhado, e ri.
– Do que você está rindo? – ele me perguntou, confuso.
– Você ta com cara de cachorro molhado! – respondi, entre risos. Ele riu também.
– Ah, é? Você também!
E bagunçou meu cabelo. Eu dei um gritinho e comecei a correr.
Logo, ele estava correndo atrás de mim, dois bobos, na chuva, com sorte sem lembrar sobre o que estavam discutindo.
Aleluia!

Eu havia conseguido fugir por hora apenas. Enquanto Victor tomava banho, eu matutava o que fazer na sala. Porque ele podia ter se distraído, mas não havia esquecido.
E se eu inventasse uma ligação maluca de última hora me lembrando de um trabalho pra depois do feriado que eu não havia feito? A gente teria que voltar correndo pra casa, e no meio da suposta correria, ele com certeza acabaria esquecendo do que tinha ouvido e visto naquele último dia.
Mas eu não queria mentir pra ele. Embora eu estivesse mentindo de qualquer maneira. Deus, como era difícil lidar com aquilo tudo. Mais uma vez, amaldiçoei meu cérebro e suas idéias ridículas que só me metiam em problemas desde que eu me entendia por gente.
Eu estava sentada em posição e expressão de agonia no sofá da sala quando Mãe Idira chegou e se sentou ao meu lado. Ela cheirava a roupa limpa e perfume de almoço na mesa, como sempre. Sorri só de tê-la ao meu lado.
– Me diz o que aconteceu, menina. – ela pediu, passando a mão no meu cabelo. Me aconcheguei ao seu lado e encostei a cabeça no seu ombro.
– Encontramos o Wellington na festa, Idira. – bufei. Ela suspirou, já entendendo tudo.
– Victor ficou com ciúmes? – quis saber. Eu fechei os olhos, como se isso fosse me fazer desaparecer do mundo.
– Não teria ficado se o Wellington não tivesse dito besteira! O Victor ta desconfiado, Idira!
– Sabe, eu nunca entendi porque você não contou a verdade pra esse menino.
– Porque… – hesitei, então me sentei direito e olhei pra ela – Porque com ele eu sou uma pessoa diferente. Eu sai daqui porque tudo o que eu fiz me condena, e eu não sou essa garota pra ele.
– Você era só uma criança…
– Não! – interrompi, enojada de mim mesma – Eu sabia muito bem o que eu estava fazendo.
– De qualquer modo… – Mãe Idira prosseguiu – Você deveria contar. Ele ainda amaria você.
– Mas não me veria mais como a mesma pessoa. – afirmei, a voz fraca. Mãe Idira balançou a cabeça e fez um murmúrio desaprovador.
– Você não é uma boneca de porcelana. Ninguém é perfeito. – ela sorriu pra mim, os olhos me encorajando – O que você fez ontem te levou a ser quem você é hoje. Conte a ele. Vai te poupar muitos problemas.
Então se levantou e saiu.

[continua…]

3 thoughts on “Conto: Meu Passado me Condena (parte V)

  1. Boa noite

    Uma parte das escrituras, sem motivo especifico por ter deixado no seu blogger, mas especifico para que leia, simplesmente pela leitura das Escrituras de Deus, que sempre fala ao nosso SER.

    EVANGELHO DE JOÃO CAPÍTULO 15

    8 Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos.
    9 Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor.
    10 Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor.
    11 Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo.
    12 O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.
    13 Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.
    14 Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando.

    Abraços..
    Jesus Cristo te Ama!

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