Conto: Meu Passado me Condena (parte IX)

Antes, leia:

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Parte VII
Parte VIII

Meia hora depois, a porta dele estava aberta. Entrei, mas ele não estava no quarto. Sobre a cama, sua mala, e tudo o que ele havia trazido sendo organizado.
Meu queixo caiu, e eu olhei pra trás quando escutei passos. Era ele. Por um instante, eu não consegui perguntar nada. Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto assisti a Victor enfiando as coisas na mala.
– O que você está fazendo? – eu perguntei, a voz indignada, o cérebro se recusando a aceitar o que meus olhos estavam vendo.
– Eu vou embora. – ele afirmou, como se não fosse completamente óbvio – Eu pensei muito, e resolvi que é melhor assim.
– Como assim “é melhor”? – eu quase gritei, e segurei as mãos dele. Victor deu um suspiro impaciente – Não precisa ser desse jeito, Victor, por favor!
– Eu achava que não precisava, Karine, mas você não me deixou outra escolha! – ele desvencilhou suas mãos de mim e parou, olhando pro chão. Quando olhou de novo nos meus olhos, parecia decepcionado.
– Victor… – eu chorei. Ele balançou a cabeça e enfiou a última camiseta dentro da mala, fechando o zíper em seguida.
– Você sabe que eu te amo, Karine. – então pegou a mala e passou a alça no ombro – Mas eu não consigo ficar com você se você não confia em mim. Me desculpe.
Então ele me deu as costas e saiu. E eu fiquei ali, parada, presa ao chão, sem saber o que fazer, o que dizer. Apenas deixei que ele fosse.
Dez minutos se passaram, e eu só percebi que estava chorando, sentada na cama ainda desarrumada quando ouvi Mãe Idira me chamando pra almoçar.
Então mil coisas passaram pela minha cabeça.
Me lembrei da Karine que eu gostava de esconder. De tudo o que ela tinha feito, e do quanto gostava disso, de sentir a adrenalina de estar fazendo tudo errado. Então, me lembrei do pior momento da minha vida, que me abriu os olhos pra tudo. Me lembrei da vergonha, da raiva, da dor. O rosto que eu vi no espelho a última vez que tinha estado em Araçatuba era a lembrança que, eu achava, me motivava a ser diferente.
Só que aí, eu cheguei na faculdade, quieta, com medo, vivendo numa república cheia de meninas malucas. Não pude evitar um sorrisinho ao me lembrar do dia em que conheci Victor ao entrar numa sala errada, e logo outras boas lembranças vieram: nosso primeiro beijo, seu pedido de namoro, nossos melhores momentos juntos.
Foi então que eu percebi que o rosto envergonhado que eu deixara pra trás três anos antes não tinha nada a ver com quem eu era hoje. Talvez tivesse no começo, mas já havia quase um ano e meio que aquela lembrança não fazia mais diferença. Estava enterrada junto com o meu passado. O que me motivava agora era outra coisa.
Era ele.
E eu o estava deixando dar as costas pra mim daquele jeito. Eu estava deixando que ele fosse, quando eu podia resolver tudo de uma maneira simples e rápida, que apenas me causaria dor por algo que já havia passado. Como eu havia me tornado tão burra? Até que ponto eu permitiria que o meu passado destruísse a minha vida? Já não tinha sido suficiente?
Então me levantei e, sem avisar ninguém ou sequer pegar a chave de casa, eu corri atrás dele.
Corri que nem uma maluca em direção à rodoviária. Eu me lembrava vagamente de onde era, e, na maior parte do tempo, apenas segui placas e indicações. Deus, permita que eu chegue a tempo, eu repetia na minha cabeça. Ele não pode ir embora, eu não posso deixar que ele me deixe desse jeito, por tão pouco!
Eu estava arfando, mas não me importava. Cheguei à rodoviária em tempo recorde, já avistando o ônibus parado, recolhendo as coisas dos passageiros. Olhei pra todos os lados, tentando encontrar um sinal de Victor. O vi na fila da bilheteria.
Me permiti uma pausa pra respirar. Eu estava sem fôlego, completamente exausta. Pus as mãos no joelhos e baixei a cabeça, me sentindo uma completa idiota. Eu estava quase pronta pra ir até ele e pedir a ele pra ficar, quando alguém me cutucou no ombro.
Olhei pra trás, e pedi pra morrer. Pedi pra morrer, porque eu estava obviamente sendo castigada por todos os meus pecados. Primeiro o Wellington, depois o Tim, e agora isso?
– Karine? – ele parecia realmente surpreso. E não uma surpresa exatamente boa.
– Jefferson? – eu perguntei, abobalhada e sem ar. Ele me lançou um sorriso confuso.
– Quanto tempo… – ele começou a dizer, então percebeu que eu estava tendo problemas em recuperar o ar – Você parece péssima. Tudo bem?
– Só com um pouco de pressa. Se você me dá licença… – comecei a andar pra longe dele, sem acreditar que Deus tinha tido a cara-de-pau de fazer isso comigo. Não queria ficar mais um minuto nessa conversa que estava trazendo de volta a pior parte da minha vida, mas aparentemente, ele fazia questão.
– Peraí! – exclamou, segurando o meu braço. Eu fiquei parada como estava, e apenas girei minha cabeça na sua direção.
– Jefferson, eu não tenho tempo pra você, ta legal! – meus olhos se encheram de lágrimas – Droga, será que todo mundo nessa cidade ta afim de detonar a minha vida? Não foi o suficiente o que aconteceu entre a gente?
– Era disso que eu queria falar! – Jefferson disse, com uma careta. Soltou o meu braço, mas mesmo assim eu não me mexi.
– Não tem mais nada pra falar! Essa época já foi e a sua chance já se perdeu faz tempo!
– Karine, me escuta! Eu queria te pedir desculpas.
Suavizei um pouco a expressão, mas não pude parar as lágrimas. Ele torceu o nariz.
– Eu fui um idiota. Devia ter estado com você quando você precisou. Me desculpa.
Limpei o rosto rapidamente. Não gostava que ninguém me visse chorando. Funguei e assenti.
– Você está perdoado. Já passou. – eu afirmei. Ele sorriu – Agora eu tenho que ir!
Mas quando me virei pra continuar andando, Victor não estava mais ali.
Procurei-o por toda a parte. Rodei a rodoviária minúscula, chequei dentro do ônibus, perguntei pras pessoas. Ninguém o tinha visto. Como isso era possível? Ele estava ali, não podia ter simplesmente desaparecido!
Eu já estava soluçando, quando o vi saindo do banheiro.
Corri até ele e o abracei. Victor soltou um bufar, sem saber de onde eu tinha aparecido, mas me abraçou de volta. Eu solucei em seu ombro por uns bons minutos antes de solta-lo.
– O que foi que deu em você? – ele me perguntou, soando mais preocupado do que ele deixava transparecer. Eu ri em meio às lágrimas.
– Você não foi embora! – eu exclamei, feliz da vida – Ah, meu Deus, você não foi embora! Eu não te perdi!
– Eu teria ido. – afirmou, num certo tom de ameaça – Mas não consegui mudar a data da minha passagem.
– Você não tem que ir embora! – falei – Eu estava sendo infantil, Victor! Eu confio em você, é óbvio que eu confio em você! Eu prometo de contar tudo, só não vá embora, por favor!
Ele me olhou meio desconfiado, mas então suspirou, baixou a cabeça e sorriu. Então me abraçou de novo e me deu um beijo.
– Eu te amo! – me disse. Meu sorriso se alargou.
– Eu te amo, e nunca mais vou deixar o meu passado se meter entre a gente. – segurei firme sua mão, entrelaçando os nossos dedos – Vamos logo. Tem muita coisa pra contar.

[continua…]

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