[CONTO] Te Ver de Novo – Parte IX

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Parte VII
Parte VIII

As cartas. Todas aquelas cartas. E as alianças. E a camiseta velha dos Simpsons com o seu cheiro. E a almofada de coração. O bichinho de pelúcia, a flor seca no diário, as fotos grudadas na parede. Os recadinhos cuidadosamente guardados num saco plástico. As entradas de cinema e o colar que ganhei de aniversário. Seu número na minha agenda.
Todas as memórias estavam espalhadas na minha cama, na mesa, no chão do meu quarto. Cinzas de cigarro se acumulavam à minha volta e eu não conseguia parar de chorar. Meus braços doloridos e ainda enfaixados doíam, mas ainda assim era mais fácil ignorá-los do que deixar que o meu coração partido passasse despercebido.
Encarava tudo, tentando entender onde tinha errado. Onde tinha me perdido. Onde tinha perdido ele. Cadu não entendia? Ele não conseguia ver que aquilo tudo era amor e apenas amor?
Eu já tinha ligado mais de cem vezes. Deixado recados na secretária eletrônica, implorado pra mãe dele que pedisse a ele pra me ligar. Teria ido até lá se minha mãe me permitisse. Mas estava impotente, destruída, despedaçada e completamente só. E por mais que eu pedisse, por mais que implorasse, ele não retornava as minhas ligações. Ele não vinha me ver. Ele sequer queria saber como eu estava.
Minha mãe me dizia que eu tinha enlouquecido, e que logo ia perceber que aquele rapaz tinha sido o pior erro da minha vida. Eu não conseguia acreditar. Ele estava em tudo o que eu via, em todos os lugares, em cada cantinho da minha alma; desistir dele seria desistir da minha própria vida.

—————–

– Não, eu não me arrependo. – Cadu respondeu, por fim – Acho que foi o melhor pra nós dois. A gente era muito imaturo, muito inseguro, precisava ficar longe pra poder respirar e crescer. Eu não te fazia bem e você não estava me fazendo bem. Eu fiz o que precisava ser feito.
– Eu sei.
– Mas me arrependo de algumas coisas. – ele continuou – Me arrependo de não ter te ajudado mais. Me arrependo de ter te abandonado daquele jeito. Mais do que tudo, me arrependo de ter esperado cinco anos pra te dizer que eu te amei muito mais do que você seria capaz de ver. E que, se eu pudesse voltar atrás, faria tudo diferente por nós dois e passaria o resto da minha vida com você, como eu te prometi.
E então elas vieram. Todas as lágrimas que tinha segurado, todo o choro guardado por anos, caindo silenciosamente, escorrendo pelo meu rosto até cair no meu colo. Olhei pra Cadu, e percebi pela dureza controlada do seu rosto que era tão difícil pra ele quanto pra mim. Soltei um primeiro soluço antes de falar.
– Eu também me arrependo. – parei por um segundo pra recobrar o controle sobre a minha própria voz. Imaginei que todos os clientes da lanchonete estariam olhando para nós àquela altura, mas não me importei – Me arrependo por não ter sido melhor pra você, por ter destruído tudo. Ah, Cadu, eu me arrependo tanto! Eu daria tudo, qualquer coisa, pra ser capaz de voltar e consertar as coisas, pra não ter feito você sofrer. Pra não ter feito eu mesma sofrer. Pra dar essa chance pra gente.
Cadu não respondeu, exatamente como imaginei que faria. Ao invés disso ele olhou pra baixo, pro próprio prato vazio, e longos minutos se passaram enquanto nós dois nos acalmávamos.
Eu não esperava me sentir tão aliviada de dizer tudo aquilo. Já havia repetido aquelas coisas pra mim mesma no escuro do meu quarto, já havia desabafado com amigas, já havia confessado tudo aquilo pra minha psicóloga. Mas nunca imaginei que alguma vez na vida fosse ter a chance de falar pro Cadu. E só agora que havia descarregado todos os anos de dores guardadas, eu entendia o quanto aquilo havia me consumido.
Por muito tempo, achei que o que me aprisionava era o medo. Medo de que eu pudesse me abrir pra outros sentimentos, medo de que eu pudesse ser magoada, medo de que pudesse magoar alguém. Tinha medo das possibilidades, da vida e de quebrar a cara. Achava que isso era o que me mantinha sempre na defensiva, sempre afastada de tudo, nunca deixando ninguém se aproximar. Porque eu achava que, se alguém pudesse enxergar dentro de mim, como Cadu fizera, então eu destruiria tudo de novo. E seria destruída. E simplesmente não queria conviver com aquilo outra vez.
Mas agora que tinha falado, posto pra fora tudo o que queria dizer e achava que nunca mais teria outra oportunidade pra falar, percebia que eu estava errada. Não tinha sido o medo a me prender. Tinha sido a culpa. Não ter dito o que eu gostaria de dizer, não saber como Cadu se sentia e, principalmente, não ter ouvido da boca dele que eu estava perdoada, era o que tinha me matado aos poucos durante todos aqueles anos. E agora que aquela página estava, enfim, recebendo um ponto final, era como se eu finalmente conseguisse reunir forças para começar um novo capítulo.
Me dei conta, enfim, que aquela conversa já tinha terminado. Não tinha mais sentido em ficar ali. O Cadu havia seguido com a vida dele – tentei ignorar a pontada de tristeza que lembrar disso me trazia – e agora era hora de eu seguir com a minha.
– Acho que é melhor eu ir embora. – falei, e chamei a atenção do garçom pra pedir a conta.
– Já? – Cadu perguntou, com um sorriso de canto de boca. Parecia tão menino, tão inocente e sincero. Como o Cadu das minhas lembranças.

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