O Diário (nada) Secreto 2 – Capítulo 2

Conheça O Diário (nada) Secreto II

Capítulo 1 – Amigas para sempre

Capítulo 2 – De Volta pra Realidade
– Então, como estão as coisas com o Dani? – perguntei à Suellen quando ela chegou com o sorvete e os filmes.
Ela sorriu, sonhadora, e não dava pra saber se era por estarmos falando do Daniel ou por causa do filme, “Um Amor pra Recordar” – que eu já tinha assistido pelo menos trinta vezes.
– Estão ótimas. – ela disse, quebrando minha dúvida.
– Posso te fazer uma pergunta? – indaguei – Por favor, não fique brava!
– Claro, manda.
– Até quando vocês vão levar isso em frente, Su? – fiz uma careta – Tipo, vocês são primos.
Ela não respondeu. Pegou umas duas colheradas de sorvete e ficou olhando pra televisão, pensativa. Mordi o lábio e temi tê-la irritado também; a última coisa de que eu precisava era ter menosuma amiga.
– Eu gosto dele, Lolita. – ela me disse, então, sem nem olhar pra mim – A gente não devia ser primos, fato.
– É, mas vocês são. Não acha que isso complica as coisas mais do que o necessário?
– Eu sei lá. – bufou – Eu queria que fosse diferente, mas o que eu posso fazer?
Silêncio. Então, ela sorriu, com um jeito travesso.
– Mas é bem gostoso namorar escondido! – exclamou, e eu dei uma colherada no braço dela, rindo.
– Aposto que vai ser muito divertido quando seus pais ou os seus tiosdescobrirem isso!
– Não joga azar pra cima de mim não! Ninguém vai descobrir nada.
– E quando as aulas voltarem? Como você vai esconder isso do resto da escola, Suellen? Você nunca foi boa em esconder nada!
– Não me faça pensar nisso! Dá pra acreditar que as aulas começam já na semana que vem?
– Não!
Nós duas bufamos e tomamos mais um pouco de sorvete. Estava bem na cena em que Jamie, a personagem da Mandy Moore, conta pro Landon que tem leucemia.
– Pensa pelo lado positivo, Su! – comentei, me sentindo cretina por sequer pensar uma coisa daquelas – Nós não estamos morrendo que nem ela!
– É, mas o meu namorado não é nem de longe tão gato quanto o dela! – ela exclamou, me arrancando risos.
– Não podia concordar mais!
É quando as aulas chegam que você percebe que não quer mais que as férias acabem.
Especialmente pra mim.
Então dá pra imaginar a minha cara, sentada sozinha no ônibus da escola. Nem a Sabrina se dignou a aparecer, aquela cretina. A Bela estava uns cinco bancos pra trás e eu queria só voltar pra cama.
Aquele ano ia ser uma droga.
Quando eu digo que algo vai ser uma droga, eu geralmente sei do que eu estou falando.
Eu percebi que eu estava mais certa do que nunca quando entrei na escola e…
Não havia para onde ir.
Avaliando minhas opções, eu tinha:
a)        Ricardo, Daniel e outros garotos do nosso ano rindo alto e sentando em cima das mesas. Acho que não.
b)        Suellen e meia dúzia de garotas que eu nunca tinha visto na vida. Quem sabe.
c)         Bela e sua bolha de “eu te odeio”. Preciso responder?
d)        Ou me juntar a Lana e Diego em sua bolha feliz de amor. Castiçal, eu? Dá um tempo!
Então, é, eu estava sozinha.
Beleza.
Onde estavam as minhas primas quando eu precisava delas?
Com certo alívio, me lembrei que a Giovanna voltava da frança dentro de sete dias, e que a Sabrina provavelmente estava com frescurite aguda e decidiu não ir à escola. Eu iria cobrar dela quando pudesse colocar as mãos num telefone.
Totalmente sozinha, fui até o quadro de avisos e verifiquei onde ficaríamos naquele ano. Sala 200, apenas duas salas antes da que eu estivera no ano passado. E minha sala estava consideravelmente mais cheia – cinco alunos novos. Era um milagre pro Santa Rita.
Porque, afinal, ninguém nunca se mudava pro Colégio de Ensino Católico Santa Rita de Cássia. Não se tivesse opção. Eu tinha os mesmos colegas desde a sexta-série, alguns até antes disso. Minha sala só fora cheia o bastante para ser dividida quando estávamos na oitava série, e isso foi resolvido quando todo mundo caiu fora ao entrar pro colegial.
Então, é, ter tanta gente nova ao mesmo tempo era estranho.
– Onde fica a sala 200? – ouvi alguém perguntar.
Virei pra trás pra ver.
Era uma garota um pouco mais alta que eu, com os cabelos pretos meio enrolados, rebeldes, uma boca fina, olhos estranhos – estreitos e esverdeados, à espreita. A imagem que me veio à cabeça no momento em que pus os olhos nela foi a de uma cobra. Uma cobra muito, muito má. Aquela imagem me deu vontade de rir, mas me contive.
Sala 200. Ela devia ser uma das alunas novas. Mas, pra falar a verdade, eu não estava nem um pouco em clima de ajudar nenhum cordeiro perdido a achar o seu caminho. Muito menos um que estava mais pra lobo que pra cordeiro.
Por isso eu dei as costas e segui meu caminho, sozinha, para a sala de aula.
A sala começou a encher, e eu nem prestei muita atenção aos rostos novos que entravam. Eu estava mais preocupada com os antigos. Vi Bela entrar e sentar lá no fundo, três fileiras depois da minha, bem longe de conde costumava se sentar; Suellen seguir para a mesma carteira que usava desde a oitava série, e Daniel sentando bem atrás dela; Lana se sentar uma careira à minha frente, na fileira ao lado, e Diego ao meu lado; e a garota dos olhos de cobra vir e se sentar bem atrás de mim.
– Oi, Lolita! – Diego cumprimentou, acenando. Eu achava engraçado o jeito nerd daquele garoto. Nunca tinha entendido o que Lana vira nele, apesar de ele realmente ser muito legal.
– Oi. – suspirei. Lana se virou pra trás e se esgueirou pra mim e me deu um beijo no rosto.
– E aí, Lolita? – disfarçadamente olhou pra trás, na direção de Bela – Brigadas ainda?
– Pra sempre, pelo que parece. – dei de ombros, cansada só de pensar no assunto – Como foram as férias?
– Legais. Fui pro Guarujá. – Diego disse, enquanto abria um caderno, ainda que nem soubéssemos qual era a primeira aula do dia. Lana lhe deu uma olhadela aborrecida, o que me levou a entender que ela provavelmente não participara da viagem.
– Fiquei mais em casa do que você. – ela reclamou – E olha que você era quem devia estar de castigo até, sei lá, o final desse ano!
– A minha mãe adora o seu irmão. Só me deixou sair porque era com ele.
– Aliás, você precisa ir lá em casa dar uma força pra ele hoje! – ela fez um sinal pros cabelos – Primeiro dia de aula na faculdade.
– Coitado! – mas só de imaginar meu namorado careca, me deu vontade de rir. Era uma imagem muuito engraçada.
A já conhecida professora de português entrou em sala e colocou fim às conversas paralelas quase que instantaneamente. Fez a chamada – foi estranho ouvir o nome de Henry, irmão da Lana, sendo chamado na nossa sala – e estava para nos apresentar os alunos novos quando alguém bateu à porta.
A contragosto, a professora pediu que entrasse. Era Sabrina, e ela estava descabelada e com uma aparência cansada.
– Já está quase dez minutos atrasada, logo no primeiro dia! – a professora ralhou, e ela fingiu se encolher.
– Vai ser a última vez! – exclamou, com aquele jeitinho dela, me fazendo rir e pensar a mesma coisa que a professora disse logo em seguida.
– Como se eu não tivesse escutado isso antes!
Rapidamente, minha prima correu para a carteira vazia logo atrás de Diego e se sentou, me dando um oi rápido.
– O que eu perdi? – ela quis saber, e eu fiz uma careta.
– Nada ainda. Ela vai apresentar os alunos novos. – respondi.
Dito isso, a professora pediu que cada um dos alunos novos se levantasse e se apresentasse. A começar pela cobrinha atrás de mim.
– Ah… – ela respirou fundo. Eu devo ter sido a única a não me torcer inteira para virar para trás e olhá-la – O meu nome é Marina Ávila, eu estudava no Colégio Objetivo e… acho que é só.
Tão rápido quanto se levantara, ela se sentou. Marina. Não era bem o nome de menina boazinha, se você me entende.
– Pedro, do Colégio Bandeirante. – disse um garoto baixinho, meio ruivo e com várias espinhas na cara.
Pergunta: o que acontece para um ser humano sair de um colégio como Bandeirante e vir parar no Santa Rita? É tipo sair de um prédio de dez andares. De cara.
– Nayara, vim do Colégio Adventista. – uma gorducha de cabelos crespos e muito negros se apresentou.
Coitada dela. Sair de uma prisão religiosa e vir parar em outra.
– Antônio. – houve uma pausa – Na verdade, eu meio que morava na Itália.
Ok, isso sim é que é uma queda gigantesca.
No minuto em que ele pronunciou a palavra Itália, a sala ficou tão quieta que dava pra ouvir a respiração das pessoas. Eu então me virei para olhá-lo melhor. Estava sentado bem à frente de Bela – que dormia com um fone no ouvido – e era um rapaz alto, com o rosto bonito, cabelo curto meio espetado e um nariz bem… italiano, mas que servia bem ao rosto.
Ele era um gato.
E estava bem ali naquela escola.
Ah, meu Deus, se eu fosse solteira…
Lolita má! Lolita muito má! O que eu estou pensando, meu Deus? Esqueçam que eu disse isso!
– Itália? – a professora indagou, maravilhada, depois do que me pareceu uma hora inteira de silêncio – Que lindo! E por que você voltou ao Brasil?
– A minha mãe trabalha numa multinacional, e ai fomos mandados de volt pro Brasil. – a cara dele acrescentava: “o que foi um saco, mas eu não tive muita escolha”.
Não houve mais perguntas. Pelo menos não em voz alta. Quando ele se sentou, eu sabia que Antônio seria o assunto de muitas conversas dentro da escola. E não entre garotos.
Quando me virei pra frente de novo, vi que Lolita ainda estava virada na direção dele, com um olhar que me parecia maravilhado.
Três aulas passadas, estávamos eu, Sabrina e Diego sentados numa mesa durante a hora do intervalo. Lana tinha ido comprar alguma coisa para comer, Sabrina estava quase dormindo, Diego estava folheando a apostila e eu só queria ir pra casa.
A imagem da felicidade.
Suspirei e resolvi puxar assunto – qualquer assunto – pra tornar as coisas menos chatas.
– Quando a Nana volta? – perguntei à Sabrina, me referindo à Giovanna minha prima, irmã dela, atualmente uma garota sortuda desfilando em Paris.
– Na quinta-feira. – ela me respondeu, com certo desinteresse, depois ficou mais alerta – Aliás, eu tinha mesmo que falar disso com você! Minha mãe quer saber se a sua mãe pode nos levar até o aeroporto.
– O que aconteceu com o carro de vocês? – estranhei. Meus tios tinham um Fiesta Sedan maravilhoso e novinho em folha. Sabrina revirou os olhos.
– Não ficou sabendo? O barbeiro do meu pai bateu o carro numa perua escolar!
– Ta brincando! O carro tem tipo, um mês?
– Um mês e meio! Ele ta puto da vida!
– Imagino… bom, eu vou falar com a minha mãe, mas acho que ela vai ficar feliz.
– Só que a gente vai ter que perder um dia de aula!
– Como se eu ligasse!
– Perder aula pra quê? – Lana perguntou, chegando com o lanche dela e o meu.
Ótimo. Eu estava faminta. Tipo “não comi nada na última semana”. O cachorro-quente que ela me trazia era a visão do paraíso.
– Pra buscar a Giovanna no aeroporto. – minha prima disse a ela, batucando os dedos na mesa. Lana e ela não eram exatamente amigas mesmo depois de ter ficado comprovado que o único motivo de Diego e Sabrina se verem era pra preparar uma surpresa pra Lana. Acho que velhas desconfianças são pra sempre.
– Ah, é verdade! – Lana exclamou, depois de engolir uma mordida do seu pão-de-batata – Ela chega quando?
– Quinta-feira de manhã.
– Legal…
O papo entre elas morreu ai. Pelo menos elas eram educadas uma com a outra.
– Coitada daquela Marina! – Lana disse, de repente, olhando pra uma mesa atrás de mim. Me virei, e vi a menina lanchando sozinha.
Resolvi guardar pra mim o fato de que eu não ia com a cara dela. Estava tudo bem desde que…
– Chama ela pra sentar com a gente. – Diego propôs.
Ok. Não está tudo bem.
Lana se levantou, foi até a mesa dela, bateu um papinho, e trouxe a tal Marina e uma cadeira pra se sentar com a gente – na verdade, para se sentar exatamente entre mim e a Lana. Minha educação não permitiu que eu afastasse a cadeira dela o máximo possível.
Ela parecia tímida e ao mesmo tempo uma tremenda piranha agora que eu a olhava ainda mais de perto. Do tipo que só se faz de boba. De canto de olho, ela olhou pra mim, deu um sorrisinho e murmurou um “oi”.
Eu não retribui.
Então a Lana começou a puxar conversa e seguiu uma série de perguntas curtas com respostas tímidas, enquanto a garota olhava para todos os lados e de volta para mim, e torcia os dedos das mãos como se estivesse muito nervosa.
Quando o sinal tocou, eu fui a primeira a levantar. A Sabrina veio logo atrás de mim, me acalcando antes que eu estivesse nas escadas e passando o braço pelo meu.
– Você não vai com a cara dela, né? – perguntou, com um sorriso levado na cara. Não pude deixar de rir.
– Não mesmo.
– E aí, como foi o seu primeiro dia de aula?
O Edson tinha me ligado pouco depois de eu entrar em casa. Ele não parecia muito mais animado do que eu ao telefone, e eu já sabia de onde vinha aquele desânimo todo.
– Nenhuma maravilha. – resmunguei. Ele riu – E o seu? Como foi o trote na faculdade?
– Terrível! – bufou – Porra, se eu tivesse cabelo ele estaria todo cheio de TUDO.
– Sinto muito pelo seu cabelo. – mas eu não sentia. Não muito, pelo menos. Ele precisava mesmo cortar o cabelo, mesmo que não tivesse que necessariamente raspá-lo – O que vocês tiveram que fazer?
– Pintar a cara uns dos outros, raspar o próprio cabelo, competição de minhocas…
– Competição de minhocas?
– Foi ridículo. Eu e mais quatro bichos competindo pra ver quem se arrastava de um lado a outro do estacionamento. A minha camiseta ficou rasgada.
– Que maravilha. – tive vontade de rir só de imaginar a cena. Mas ele estava puto da vida, e imaginei que rir não fosse melhorar a situação.
– Jogaram ovo, farinha, arroz, cerveja, a mãe em cima de mim! – continuou, como se eu nem tivesse falado – Nunca fui tão zuado na minha vida! Nem fudendo que eu volto lá amanhã!
– Eu queria ter essa escolha. – murmurei. O Edson fungou.
– Ainda sem falar com a Bela? – indagou.
– Não. Aliás, nem te contei, né? Eu fui atrás dela.
Contei a ele em poucas palavras o episódio lamentável que foi a minha tentativa de reconciliação com a Bela, me sentindo pior a cada sílaba dita. Por fim, suspirei.
– Foi uma droga. Acho que eu piorei as coisas. – disse.
– Você não tinha como piorar as coisas, amor. – Edson discordou – A Bela ta sendo infantil, então deixa ela ser infantil sozinha. Você merece mais que isso.
– É. O problema é que agora eu to praticamente sozinha. Tipo, a Lana tem o Diego, a Sabrina tem a Giovanna, a Suellen tem o Daniel e eu tenho quem?
– Você tem eu!
– Obrigada. – ri – Queria que você ainda estivesse na escola. Eu ia me sentir melhor.
– E eu ainda teria cabelo!
Ele continuou resmungando sobre o trote e a cena tenebrosa que havia sido ver seus cabelos caírem ao chão, e logo nós desligamos. Era só o primeiro dia, mas eu já tinha coisa da escola pra fazer, pro meu desespero. E se eu quisesse ter algum tipo de liberdade naquele ano, era bom eu começar a fazer já.
O ruim de estar no colegial é que a suas opções de companhias são bem limitadas.
Ok, talvez em qualquer lugar seja assim. Mas vocês já repararam como é bizarro o comportamento das pessoas dentro de uma escola? Elas se separam em grupos, e esses grupos ficam pra sempre – ou até o final do ano – unidos, quase sempre sem a adição de mais ninguém.
Pois é. Eu estava na mesma panela de sempre, quebrando a última regra. Tínhamos adicionado alguém ao nosso grupinho, e não era uma companhia que me agradasse.
Fala sério. A menina tinha cara de ruim. Olhos de cobra. Jeito de boa moça – o que só me fazia desconfiar dela ainda mais. E pra melhorar muito, ficava olhando pra mim de dois em dois minutos, ainda que eu nunca fizesse parte das conversas de que ela fazia parte. O que, se me permitem dizer, se resume a quase todas.
A minha verdade era de virar pra ela e dizer “Marina, você perdeu alguma coisa aqui?” num tom bem mal educado, pra ver se de repente ela entendia que, ei, ficar olhando pra uma pessoa o tempo todo não é exatamente legal. É incômodo. Ainda mais quando essa pessoa não vai muito com a sua cara, e eu realmente não sei como ela não percebia que eu não ia com a cara dela.
Mas não, eu era muito educada pra falar alguma coisa. Na minha mente, eu provocava e era grossa até dizer chega – na real, eu respondia educadamente qualquer coisa que ela me perguntasse, e era uma boa menina, ainda que evitasse olhar pra cara dela. O que era uma droga. Às vezes, eu gostaria de ser menos covarde e dizer mais o que estava engasgado. Educação nem sempre é algo de que eu me orgulho, principalmente quando tem alguma coisa – ou alguém – que me incomoda.
Enfim, na quarta-feira à noite pude dormir feliz sabendo que pelo menos numa porcaria de dia daquela primeira semana de aula eu não teria que olhar pra cara dela. Amanhã era quinta-feira, dia de ir buscar minha prima no aeroporto, colocar a fofoca em dia, quem sabe até ganhar presentes. Bem melhor do que a alternativa.
Claro que isso não me livrou de acordar cedo naquele dia. Sete horas da manhã, lá estava eu, tomando banho e trocando de roupa. O vôo da Giovanna estava programado pra chegar às 10:30, mas até chegarmos ao aeroporto, ia demorar. Saímos de casa antes das oito e passamos pra pegar minha tia e a Sabrina.
Minha mãe e minha tia conversaram o caminho todo enquanto eu e a Sabrina dormíamos no banco de trás. Nem vi o tempo passar até chegarmos ao aeroporto, sei lá eu quanto tempo depois. Minha mãe me cutucou quando já tinha estacionado e nós descemos.
O aeroporto era gigante. Minha tia parecia ser a única a ter uma mínima noção de onde estava indo enquanto nos guiava para o portão de desembarque – que acabou não sendo tão difícil de se encontrar, perto o bastante da entrada. Lá, nós sentamos e esperamos.
Às dez horas, recebemos a notícia de que o vôo estava atrasado. Eu estava morrendo de sono e de fome, então eu e a Sabrina fomos até uma lanchonete comer alguma coisa.
Depois de sermos assaltadas pelos preços absurdos e acabarmos saindo só com uma lata de refrigerante cada uma, a gente foi pro lado de fora tomar um ar. Eu achava que ia dormir sentada se não me mexesse.
– Como você acha que a Nana vai estar? – a Sabrina me perguntou, então, distraída.
– Eu não sei. A mesma, eu acho. – dei de ombros – Eu não acho que a Nana seja muito de deixar alguma coisa subir à cabeça.
– É…
– Eu estou mais curiosa pra saber o que ela tem pra contar! Não acredito que ela não te disse nada até agora!
– Ela nunca contava nada quando ligava pra gente. Só falava com a minha mãe e pra mim só dizia que a gente tinha que conversar muito quando ela chegasse.
– E o que você acha que isso quer dizer?
– Que ela se meteu num rolo dos grandes. Ou que ela aprontou alguma coisa que não dá pra se contar por telefone.
Nós duas rimos. Era bem a cara dela.
– Ai, quero que ela chegue logo. – minha prima reclamou, e eu sorri. Era legal ver que elas se davam bem. Devia ser legal ter irmãos se fosse sempre como era entre as duas.
– Vamos lá ver se vai atrasar mais! – sugeri.
Entramos de novo – dessa vez, eu estava era rolando de tanto refrigerante – e agora minha mãe e minha tia estavam de pé, esperando ansiosamente em frente ao portão de desembarque. Corremos até elas.
– E aí? – perguntei.
– Ela acabou de ligar, disse que vai passar pela imigração e pegar as malas. – minha mãe nos respondeu. A minha tia estava ocupada demais tentando achá-la entre as pessoas.
A espera durou pouco mais de meia hora. Tinha muita gente saindo por aquele portão, a maioria casais. E então, eu avistei aquele ponto estranhamente mais louro do que eu me lembrava, parecendo andar diferente, parecendo brilhar.
Ela estava linda!
– NANA, AQUI! – a Sabrina ergueu os braços e gritou, feliz da vida. Minha outra prima fez uma careta pelo apelido, mas logo tornou a sorrir e começou a arrastar seu carrinho com duas malas e uma frasqueira gigantes sobre ele.
A Giovanna estava diferente, e maravilhosa. Eu havia me enganado ao pensar que ela estaria a mesma, porque certamente não estava. Ela andava de um jeito ainda mais pomposo e ensaiado – um andar de modelo. Estava muito bem vestida, como se tivesse acabado de sair de algum tipo de evento chique, e maquiada. O cabelo que sempre fora loiro estava tão claro que chegava a ser branco, super cacheado, atingindo a altura das orelhas.
– Meu Deus, como você está linda! – exclamei, quando ela me abraçou. Ela riu no meu ouvido, e até o riso me pareceu diferente daquele que eu conhecia.
– Paris faz isso com as pessoas! – brincou. Então suspirou, e o sorriso murchou enquanto me soltava – Pra falar a verdade, não é tão bom estar em casa quanto eu imaginei que seria.
– Pronta pra voltar ao mundo real? – indaguei. Ela torceu o nariz.
– O que você acha?
É, eu acho que não.
Não tivemos tempo nenhum pra conversar depois daquele pequeno momento. Ao chegarmos na casa da minha tia, ela subiu, desarrumou as malas, mostrou os presentes que trouxera – e me deu um perfume maravilhoso – foi paparicada, e foi tomar banho. Então minha mãe e eu percebemos a deixa e fomos embora.

Pelo menos, pensei, ela não teria que ir à escola até segunda-feira. Eu iria no dia seguinte, descansaria por dois mínimos dias e então estaria de volta ao meu martírio diário. Ninguém merece.

[continua… dia 30/11]

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