O Diário (nada) Secreto 2 – Capítulo 10

Conheça O Diário (nada) Secreto II

Capítulo 1 – Amigas para sempre

Capítulo 2 – De volta pra realidade

Capítulo 3 – Perturbando a paz

Capítulo 4 – Eu tenho que te contar uma coisa

Capítulo 5 – O que acontece na festa…

Capítulo 6 – …fica na festa?

Capítulo 7 – Um final infeliz

Capítulo 8 – Laços… de Família?

Capítulo 9 – Verdades nunca ditas

Capítulo 10 – Esta é a História da Sua Vida
Tão rápido quanto tudo aconteceu, eu saí. Não totalmente. Tipo, eu saí da cozinha e fui pra sala – o que, no total, deve dar mais ou menos uns dois passos quando se anda depressa.
Atrás de mim, vieram a Marina e a mamãe. Eu sentei no sofá e encarei a parede, sentindo tanta coisa ao mesmo tempo, que eu estava com medo de explodir. Eu estava furiosa, e magoada, e incrédula, tudo ao mesmo tempo. Minha mãe sentou do meu lado, e quando a Marina fez menção de chegar muito perto eu levantei os olhos pra ela e disse:
– Nem pense nisso.
Ela se conteve, e pareceu realmente triste. Então ficou encostada na parede, olhando pra mim. Aquela cara de cobra traiçoeira que ela tinha escondia qualquer verdade que pudesse ter nos sentimentos dela. Tudo parecia forçado, puro fingimento.
Ninguém falou nada por um tempo indeterminado. Minha mãe pôs a mão no meu joelho, e eu a ouvi soluçar, mas não consegui olhar pra ela. Eu estava com raiva e nojo dela por ter mentido pra mim sobre aquilo – se é que era verdade. Porque não podia ser. Simplesmente não tinha como aquilo ser verdade.
Olhei de novo pra Marina, tentando procurar alguma coisa de mim nela. Era bem verdade que, desde a primeira vez que eu tinha visto ela, achava que havia alguma coisa de familiar naquele rosto. Mas, droga, familiar no sentido figurado! Não era pra ser real. Eu não queria que fosse real. Eu não precisava de uma irmã, e muito menos dela!
– Alguém vai me contar que história é essa? – perguntei, respirando fundo. Eu apertava uma mão contra a outra, sentindo um impulso enorme de socar ou quebrar alguma coisa. Ou socar e quebrar alguém.
Ninguém respondeu nada de imediato. Minha mãe tremia do meu lado, e a Marina olhava de mim para ela com os lábios comprimidos, como quem segura o choro.
– Lolita, eu… – ela começou a falar, então parou e fechou os olhos por um momento antes de continuar – Nós somos irmãs. Meio-irmãs, na verdade. Eu sou filha do seu pai.
– Mas você tem tipo, a minha idade. – afirmei, balançando a cabeça – Como você…
Quando me dei conta, me senti ainda mais enojada. Com vontade de vomitar.
– Aquele cretino filho de uma puta! – exclamei, levando as mãos à boca – Como ele teve coragem…?
– O seu pai e eu éramos casados há alguns anos quando você nasceu. – minha mãe contou, a voz embargada – Eu era muito nova quando casei com ele, não enxergava as coisas direito. Ele teve um monte de mulheres enquanto foi casado comigo, mas eu nunca me dei conta de nada.
Olhei da mamãe para a Marina. Ela estava de cabeça baixa, um pouco corada.
– A minha mãe não sabia que o papai era casado no começo. – ela disse – Aí ela ficou grávida de mim, e ele contou a verdade pra ela. Arranjou um lugar pra nós e ficava se dividindo entre as duas famílias.
– Eu era tão idiota que acreditava quando ele dizia que tinha que viajar a trabalho. – mamãe fungou e soltou um risinho debochado de si mesma – Passei uma boa parte da sua gravidez sozinha. Achei que fosse melhorar quando você nasceu, mas a coisa piorou.
– Ele tinha duas famílias e você nunca suspeitou? – perguntei, chocada com a canalhice do meu pai e a burrice da minha mãe.
– Eu suspeitava, é claro. Corria atrás dele, seguia, brigava. Cheguei a encontrar com ela uma vez.
– Minha mãe me contou essa história. – a Marina deu um sorrisinho, o que me deixou com ainda mais raiva – Ela disse que você encontrou com ela perto do lugar onde nós morávamos, e que foi uma briga e tanto. Tiveram que separar.
– Eu sempre fui meio barraqueira. – mamãe brincou, dando de ombros – De qualquer modo, esse dia em especial foi a gota d’água. Botei seu pai pra fora de casa e pedi o divórcio.
– Eu me lembro desse dia. – murmurei.
E eu lembrava. Como se tivesse sido ontem.
Eu tinha apenas seis anos na época, mas certas imagens eram simplesmente perfeitamente nítidas na minha mente. Eu me lembrava de chorar enquanto eles gritavam, e de nenhum dos dois se importar comigo. Eu me lembrava da minha mãe estapeando a cara do meu pai, e de segui-los até o quarto enquanto ela atirava todas as roupas dele no chão. Eu havia me agarrado às roupas do meu pai, até que minha mãe me pegou no colo e se trancou comigo no meu quarto, esperando ele ir embora.
Sem explicações, sem desculpas. Apenas eu e minha mãe chorando no quarto enquanto ele ia embora pra nunca mais voltar. Meu pai nunca havia se despedido de mim. Depois daquele dia, eu só havia voltado a vê-lo um ano depois. Ele não era exatamente o melhor pai do mundo.
– E aí ele veio morar com a gente pra valer. – a Marina remendou, interrompendo meus pensamentos – A minha mãe não soube que você existia até pouco tempo atrás. – ela olhou pra mim – No dia dos pais do ano passado, ele resolveu contar. Eu implorei pra que ele me levasse pra te conhecer.
– E ele me deixou esperando por horas. – a mera lembrança me deu vontade de chorar. As quatro cadeiras na Pizza Hut no dia dos pais. A espera infinita, sem que ele aparecesse ou atendesse o celular. Como eu poderia esquecer?
– Ele desistiu na última hora. – ela justificou, mordendo o lábio – Então eu fiz minha mãe me matricular no seu colégio, pra poder te conhecer e ficar sua amiga. Eu sempre quis ter uma irmã.
– Eu não.
Me virei pra minha mãe, já sentindo uma onda de lágrimas vindo à tona.
– Desde quando você sabia dessa história? – perguntei. Ela desviou o meu olhar.
– Há uns meses atrás ela apareceu aqui em casa quando você não estava e me veio com essa de que era sua irmã. – respondeu – O seu pai confirmou a história toda quando eu perguntei.
– E por que você não me contou? – eu gritei, me levantando. Agora eu queria mesmo quebrar alguma coisa.
– Eu pedi pra ela não contar. – a Marina se apressou a dizer – Eu queria contar pessoalmente.
– Eu não sabia como, filha. – mamãe disse, logo em seguida. Eu bati com força na parede, machucando a mão. Reprimi um gemido de dor.
– Não se esconde esse tipo de coisa! – gritei outra vez – Mas que merda! Como é que eu sou a última a saber disso?
– Lolita…
– Cala a boca vocês duas! – bufei. Elas me olhavam com caras assustadas – Eu não quero mais ouvir a voz de nenhuma das duas.
Fui pro meu quarto e tranquei a porta. Desabei na cama num turbilhão de lágrimas, ira e súbito cansaço.
Meu celular me acordou na manhã seguinte. Era o Edson. Mas eu estava tão triste e tão cansada e com tanta raiva que não queria ouvir a voz dele. Não queria brigar com ele e piorar o que já estava uma merda. Eu só queria ficar sozinha.
Tomei um banho e comi alguma coisa. Minha mãe não estava em casa, o que era um alívio. Eu simplesmente não queria conversar com ela. Ou olhar pra ela. Não conseguia engolir o fato de que ela tinha me escondido uma coisa daquelas.
Eu tinha uma irmã, droga. Como se não fosse ruim o bastante, era a Marina. Eu devia estar sendo condenada por alguma coisa muito ruim de vidas passadas. Ou por alguma coisa muito ruim que eu ainda iria fazer. Não tinha outra explicação. Ou isso, ou Deus me odiava.
Quando o fim de semana chegou, eu já estava um pouquinho melhor. Meu celular marcava dezenove ligações perdidas e sete mensagens não lidas. Comecei pelas mensagens. Três delas eram do Edson, me perguntando por que eu não atendia, se eu estava brava com ele, e qual era o meu problema afinal. Duas eram da Lana. A Marina tinha contado pra ela, ela estava chocada, e, por favor, me ligue. Uma era da Giovanna, me dizendo que precisava urgentemente falar comigo, eu não ia acreditar no que tinha acontecido. E a última era do Diego.
Quando li a mensagem que não tinha absolutamente nada de anormal – Que dia começam as aulas? E por que você não atende o telefone? Aparece! – percebi que era exatamente com ele que eu precisava falar. O Diego não era exatamente expert em dar conselhos, ainda mais num caso tão embolado quanto aquele, mas ele sabia ouvir. Ele escutava, e às vezes via coisas que a maior parte das outras pessoas não conseguia ver.
Passei pra lista de ligações não atendidas, e vi que, entre as dezenove, dez eram do Edson, três eram da Lana, quatro eram da Giovanna e duas do Diego. Suspirei e digitei o celular do Diego. Bastaram dois toques pra ele atender.
– Até que enfim você apareceu, hein? – ele atendeu. A voz parecia estranha, um pouco mais… forte do que o normal. Como se ele tivesse amadurecido dez anos só na voz.
– Eu estou um pouco… – as lágrimas vieram, e não deu pra segurar – Aconteceu uma coisa.
– Você ta chorando? – ele perguntou. Eu funguei e balancei a cabeça, me esquecendo de que ele não podia me ver.
– Diego… – eu não sabia por onde começar. Solucei – Eu não sei o que fazer.
– O que aconteceu?
– Eu descobri que… – funguei – A Marina é minha irmã.
– Que Marina? – ele fez uma pausa, e então acho que caiu a ficha – A Marina? A da nossa sala?
– É.
– Sério isso?
– Ela é filha do meu pai com outra mulher. A minha mãe sabia e não me disse nada. Eu descobri por acidente.
Contei a ele tudo o que havia acontecido alguns dias atrás. Ele ouviu sem me dizer nada. Depois de desabafar, parei de chorar e me sentei na cama.
– Eu to… sem ação. – falei, baixinho. Escutei ele bufar do outro lado da linha.
– Eu nem sei o que falar, Lolita. Deve ser difícil descobrir uma coisa dessas desse jeito.
Não respondi. Por um minuto, ninguém disse nada.
– Você não acha errado estar culpando a sua mãe? – ele me perguntou, por fim. Me surpreendi com a pergunta.
– Eu não estou culpando a minha mãe. – respondi – Não é isso. Não é culpa de ninguém além do meu pai, é só que…
– Então conversa com ela. – o Diego me disse – Sua mãe não te contou porque achou que não devia. É uma droga, mas já foi.
– É. Você tem razão. – dei uma risadinha – Desde quando você sabe dar conselhos?
– Eu não sei. Acabei de inventar esse.
Eu dei risada pela primeira vez em dias. Então me levantei e limpei o rosto molhado.
– Obrigada, Diego.
– Qualquer coisa me liga. Te vejo na escola segunda-feira.
Desliguei o telefone e troquei de roupa. Minha mãe estava na sala. Ela se levantou assim que me viu, e veio me dar um abraço, que eu aceitei de bom grado.
– Me desculpa não ter te contado, filha. – sussurrou no meu ouvido. Eu respirei fundo e dei de ombros.
– Tudo bem. Mesmo. – falei.
Nos sentamos no sofá, e mamãe segurou minha mão.
– Como foi… quando você soube? – eu perguntei. Ela pensou um pouco antes de responder.
– Quando a Marina apareceu e disse que era sua irmã, eu achei que ela estivesse brincando. – contou – Na hora eu liguei pro seu pai. Ele esbravejou no telefone e confirmou tudo. Foi horrível. Me senti mais traída do que já tinha me sentido na época.
Baixei o olhar e tentei imaginar aquela sensação. Minha mãe não merecia passar por isso. Meu pai era mesmo um canalha.
– Eu sempre soube que o seu pai tinha outra mulher. – continuou – Depois que a gente se separou, eu sabia que ele teria outra família, mas nunca quis saber nada além disso. Não era da minha conta. Mas a coisa toda é realmente…
– Surreal. – completei, num murmúrio. Mamãe assentiu.
– Se eu já detestava o seu pai antes, imagine como eu me sinto agora.
Concordei com a cabeça, sabendo muito bem do que ela estava falando. Era exatamente como eu me sentia. Meu pai era pior do que eu já sabia. Não conseguia vê-lo de nenhuma forma boa agora.
– Mãe… – parei e reformulei a pergunta – Você se arrepende de ter casado com o papai?
Ela me olhou, como se estranhasse a pergunta. Então torceu o nariz e suspirou.
– O seu pai me machucou muito, filha. Eu era muito nova e bobinha quando nos casamos. Não tinha maturidade nem responsabilidade pra um casamento, nem o amor próprio necessário pra me dar conta de que eu merecia alguém melhor.
Fez uma pausa e beijou minha mão.
– Mas eu não me arrependo. – concluiu – Não vou falar que faria tudo de novo, mas não me arrependo, porque eu tive você.
– Você poderia ter me tido em outro casamento, com um cara que valesse a pena. – apontei – Teria me dado um pai melhor.
– Mas ai não seria você, certo? Seria outra criança. E talvez a minha vida tivesse sido melhor desse jeito, Lolita, mas eu não abriria mão de ter uma filha como você por nenhum outro tipo de felicidade.
– Mesmo eu te dando trabalho, e voltando bêbada das festas e te dando tanta dor de cabeça com a escola? – brinquei. Ela riu.
– Ta bom, você poderia ser um pouquinho melhor. Mas mesmo assim, você vai ser sempre a minha Carlotinha, a minha menina.
Ela me abraçou, e eu ignorei o fato de que ela havia usado o nome que eu tanto odiava – ainda mais no diminutivo. Deixei que o amor da minha mãe curasse as minhas feridas.
O Edson veio me ver no dia seguinte. Eu já estava começando me preparar psicologicamente para o retorno às aulas, e ao fato de que todos os dias eu teria que olhar pra cara da Marina sabendo da verdade. Pela primeira vez naquele mês, desejei que as férias fossem pra sempre.
– Eu nem sei o que dizer, Lolita. Mesmo. – o Edson me disse, quando terminei de contar a ele a história toda – Por que você não me ligou? Eu teria vindo correndo.
– Eu não estava muito afim de falar com ninguém. – murmurei, dando de ombros. Ele pareceu que ia falar alguma coisa, mas então mudou de idéia e ficou quieto – O que foi? – perguntei.
O Edson fez uma careta.
– Olha, não fica brava, ta? – pediu, e eu assenti – Mas eu já estava sabendo disso. A Lana me contou.
– Que ótimo. Até meu namorado sabe da minha vida antes de mim. – levantei do sofá e joguei a almofada no chão com tudo. Eu estava puta.
– A Marina contou pra ela, e ela me contou, e me fez jurar que não ia te falar nada. Desculpa, Lolita, é sério.
– Não, sabe o que é sério? Sério é você perceber que todo mundo sabe de tudo e ninguém tem coragem de te dizer a verdade, merda! Como você se sentiria se eu tivesse feito isso com você?
– E como você teria ficado se eu tivesse te contado? Você estaria puta do mesmo jeito!
– O que me deixa puta não é você não ter me contado! É que todo mundo sabia e parece que todo mundo fez questão de passar essa informação adiante com a mesma recomendação: não conte pra Lolita. – eu já estava gritando e prestes a chorar a essa altura – É a minha vida, merda! Por que eu tenho que ser a última a saber?
– Não foi culpa minha, ta legal? – o Edson também começou a gritar. De algum modo, aquilo tinha virado uma discussão de casal – Eu fiquei preocupado quando a Lana me disse que tinha uma coisa muito séria acontecendo e que ela não sabia o que fazer. E ai, do nada, ela me contou tudo isso. Eu não pedi pra saber.
– Eu não to jogando a culpa em você, Edson, pelo amor de Deus! Não tem nada a ver com você! Tem a ver com o fato de que a minha vida virou uma… novela das oito. Todo mundo sabe da verdade, menos a personagem.
– Essa foi a comparação mais escrota que você já fez.
Parei e olhei pra ele, arfando de tanto gritar. Ele estava rindo. Mas eu não tinha visto graça nenhuma.
– Você não faz idéia de como é. – falei, séria. Ele parou de rir – Se fosse com você, ai sim você ia entender do que eu to falando.
Fui pra cozinha e peguei um copo de água. Ele veio atrás de mim e colocou a mão no meu ombro.
– Ta certo, foi mal ter rido de você. – ele disse – Eu não sei mesmo como é. Só que você não pode fazer nada mais sobre isso.
– Eu sei. – murmurei, e bebi um gole de água.
– Tenta ver o lado bom disso tudo. Você sempre foi filha única, e agora tem uma irmã. Não é legal?
Pensei nisso por um instante. Durante toda a minha vida, eu tinha sentido falta de ter um irmão ou uma irmã. Tirando as gêmeas Bela e Suellen, todos os irmãos que eu conhecia tinham uma ligação super legal, uma amizade bonita – o Edson e a Lana, por exemplo, sempre se deram super bem. Ser filha única às vezes era muito chato.
Mas agora que eu tinha uma irmã, o que eu mais queria era não ter uma. Pra quê? Eu não era mais criança, não precisava de companhia pra brincar. Eu tinha meus amigos, muito bons amigos, e uma mãe só pra mim. Ninguém pra me encher o saco quando eu queria ficar sozinha, ninguém pra dividir espaço. Eu estava muito bem assim.
– Não, não é. – respondi, veementemente. – Eu nunca vou me acostumar com isso. E ela nunca vai ser minha irmã.
Ele me olhou, mas não disse nada. Fim de discussão.

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