Conto: Luiza (parte V)

Antes, leia também:
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV

Quando cheguei na praça naquela tarde, não encontrei a Luiza desenhando. Ela estava sentada, tomando um sorvete, com os materiais no colo. Parei a bicicleta e me sentei do lado dela, com um oi rápido seguido de um olhar longo demais – da minha parte. Ela fez questão de desviar o olhar assim que pôde.
– Não vai desenhar hoje? – perguntei, e ela suspirou cansada.
– Estava esperando você chegar. – falou, baixinho. Tentei esconder um sorriso, mas não deu.
– Por quê?
Luiza terminou o sorvete e colocou o palito junto com o papel num canto do banco. Limpou os dedos na barra da saia, abriu o bloco de desenho e começou a passar pelas imagens até chegar a uma inacabada. Eu.
– Ainda não terminei. – disse, me olhando por detrás dos óculos redondos do jeito mais tímido possível – Então trate de não se mexer.
Não me mexi. Ou fiz de tudo pra não me mexer.
– Quando você resolveu montar uma banda? – ela me perguntou, em algum momento, quando eu já estava a meio caminho de definhar com o silêncio e a imobilidade.
– Eu não resolvi. – falei – Foi uma decisão em conjunto.
– Você conhece eles a muito tempo?
– A vida toda.
Silêncio de novo. Com o canto do olho, vi que ela estava desenhando a minha boca. Fiquei imaginando o que se passava pela cabeça da Luiza enquanto ela desenhava. O que ela pensava enquanto me desenhava. Será que passava pela cabeça dela um terço sequer do que passava pela minha?
– O que você faz quando não ta aqui? – perguntei, já que ela tinha me feito uma pergunta parecida dias atrás. Era justo.
– Ando por aí. Fico em casa lendo. Vou muito no cinema. Coisas que todo mundo faz. – ela respondeu, indiferente e desconcentrada na pergunta.
– Quando foi a última vez que você foi no cinema?
– Hm… ano passado, acho.
Ano passado não fazia muito tempo. Mas já fazia um bom tempo. Até eu já tinha ido ao cinema aquele ano – e eu não fazia isso com muita freqüência.
– Por que tanto tempo?
Ela hesitou pra responder. Hesitou demais, e então percebi que ela não queria falar. Ao mesmo tempo em que eu dizia:
– Não precisa responder se não quiser.
Ela falava:
– É uma longa história.
Nós dois rimos por termos falado ao mesmo tempo. Então ela suspirou e se voltou pro desenho de novo. Pra mim.
– Quem sabe eu possa te levar um dia desses. – soltei, sem pensar – Tipo, pro cinema. Se você quiser.
Ela sorriu e corou, mas não disse nada. Não soube como interpretar aquilo.
Garotas são seres confusos. Elas deviam vir com um manual de instruções só pra sinais tipo “sorrisinho” ou “silêncio momentâneo”. Resolveria todos os meus problemas.
Uma hora mais tarde, a Luiza deixou que eu voltasse a me mover. Então ela ergueu o bloco e deixou que eu visse o resultado.
– Nossa! – foi a minha única reação.
Tipo, NOSSA, mesmo. Aquele cara não era eu. Meu cabelo não era tão legal, e eu não tinha aquele rosto. Meus olhos não eram daquele jeito. Ou será que eram? Será que eu era mesmo assim? Ou ela me enxergava daquele jeito? Ou ela estava simplesmente querendo me agradar?
Não, acho que não. Prefiro pensar que ela me vê assim e pronto, pensei.
– Eu sou desse jeito mesmo? – perguntei, de um jeito meio bobo. Ela riu de um jeito lindo, cheio de covinhas. Por que ela tinha que ser tão bonita?
– Claro que é!
– Posso ficar com ele? – apontei pro desenho. De novo, ela hesitou, e dessa vez mordeu o lábio. Minha maior vontade foi de roubar um beijo dela ali e agora. Mas é claro que eu não fiz absolutamente nada além de ficar olhando pra ela com cara de idiota.
– Hm… posso te dar uma cópia. – Luiza ofereceu, meio hesitante – Eu sou meio ciumenta com os meus desenhos.
Apesar de isso ter feito com que eu me sentisse menos especial, concordei. Fucei no bolso e achei uma moeda de cinqüenta centavos.
– Você sabe onde tem um bazar por aqui?
Ela pareceu surpresa, mas fez que sim. Recolheu suas coisas e andamos juntos por algumas ruas até chegarmos a um bazar, onde tirei uma Xerox do desenho. Até o atendente do bazar elogiou o desenho – e a dona dele. Mais do que eu gostaria.
– Você sabe voltar daqui? – a Luiza me perguntou. Fiz que não, mas era mentira. Eu era bom com caminhos e conseguiria me localizar de volta pra praça, e dali de volta pra casa. Mas queria poder extrair cada minuto que pudesse com ela.
Então andamos de volta pra praça, e lá nos despedimos. Tive um impulso louco de me inclinar e dar um beijo nela – no rosto, ou ela ia me achar meio maluco – mas, de novo, não fiz nada. Peguei minha bicicleta e voltei pra casa, segurando firme o desenho. Na minha mente, os primeiros versos começaram a vir como que por mágica.

[continua]

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